sábado, 29 de março de 2014

Florilégio 2 - O Musical

Pra começar bem o final de semana, ´Florilégio 2, o Musical´, no Teatro Eva Herz:


Havia apenas um pequeno folder disponível. E eu perdi...

Nem foi a primeira visita desse ano a esse espaço, já havia estado lá para assistir ´Jocasta´. Mas dessa vez a experiência seria totalmente diferente, pois era uma comédia musical. É claro que o fato de eu ser fã de música brasileira me fez ter uma boa vontade inicial com a peça, de já olhar com bons olhos a oportunidade de ter alguns clássicos interpretados ao vivo. Mas acho que mesmo quem não seja fã como eu irá se divertir com a peça.

Praticamente não  há cenário, apenas alguns objetos de apoio - uma mesa com alguns adereços, jarra e copos para água. À direita, um suporte para teclado eletrônico, com um pequeno painel em frente, com letras desenhadas em purpurina mostrando o título da peça.  Primeiro temos uma gravação em que a platéia é orientada em relação ao comportamento que deve ter, afinal somos todos ´macacas de auditório´ em um dos estúdios da Rádio Nacional, e estamos prestes a ver as grandes estrelas da música brasileira dos anos 30 a 60. E a platéia ( predominantemente composta por pessoas da 3a idade ), já entra no clima do espetáculo. O teatro realmente vai se transformando em um auditório musical, com a introdução feita pelo ´maestro´, um jovem tecladista muito simpático, Jonatan Harold. Em seguida vem o cantor e mestre de cerimônias Carlos Moreno, cujo nome do personagem, sinceramente, eu não lembro mais - e que não tem a menor importância.

O Carlos Moreno, com o tom tímido e simpático que a gente conhece de muitos anos de ´garoto Bombril´, convida as duas cantoras que vão dividir o palco com ele, as atrizes Mira Haar e Patrícia Gasppar. E a partir daí, é literalmente só diversão, com a platéia realmente fazendo parte do espetáculo.

Eles vão apresentando versões de grandes clássicos da música brasileira da Era do Rádio, em blocos divididos por temas ou estilos: marchinhas, sambas, canções de dor-de-cotovelo, músicas sertanejas....  e aí vem uma verdadeira constelação da música brasileira: Noel Rosa, Dorival Caymmi, Ary Barroso, Lupicínio Rodrigues, Paulo Vanzolini, Tom Jobim, Vinícius de Moraes...  só que em versões muito especiais, divertidíssimas, com ´cacos´, interpretações ao mesmo tempo respeitosas ( nada de clássicos em versão ´dance´ ou ´funk´ ), porém buscando sempre o lado divertido. Assim, até as canções de fossa ficam leves, e muito disso se dá pela encenação mesmo, talvez mais do que pelas interpretações musicais. Eu fiquei fascinado especialmente pelos ´comentários´ feitos pela Patrícia Gasppar através dos gestos, mesmo quando ela não estava cantando, um show à parte de delicadeza e ironia. Aliás, acho que as palavras ´delicadeza´ e ´ironia´,  que no país brutalizado em que vivemos são praticamente antônimos, nesse espetáculo se combinam muito bem. É um espetáculo delicado, emotivo, suave, mas que ri através das entrelinhas, da sutilezas das interpretações, do ridículo das  histórias de amor, mas nunca com agressividade e sim com um olhar terno em relação aos acontecimentos.

Até agora não falei quase nada da Mira Haar. Alguns dos melhores momentos vêm da parte dela, que por ser mais velha tem um aspecto mais comportado, mas que solta uns rompantes hilários. Me diverti muito, ouvi boa música, e acho que como todos ali presentes, saí mais leve do espetáculo. Aliás, no final todos se colocaram à disposição da platéia para receber os cumprimentos, em mais um gesto muito simpático, assim como em ´Sempre teremos Paris´.  Quem sabe isso não vira uma tendência nos espetáculos, e acaba um pouco essa coisa de ´culto à celebridade´ para parte da platéia - especialmente quando há atores da Globo no elenco.

Não sei se há muito público para esse tipo de musical ´de bolso´,  mas a peça vai continuar em cartaz, agora de quartas e quintas-feiras ( eu assisti na última sexta-feira da temporada em fins de semana ). Mas garanto que quem for lá no Eva Herz não vai se arrepender. 




Florilégio 2, O Musical
Com Carlos Moreno, Mira Haar, Patrícia Gasppar e Jonatan Harold
Direção de Elias Andreato
Teatro Eva Herz, SP,  até 05/jun/14


segunda-feira, 24 de março de 2014

No quarto ao lado

Um domingo diferente, de sessão dupla no Teatro Gazeta: ´No quarto ao lado´  e ´Mãe de dois´:

Infelizmente só havia um pequeno folder disponível, e não o programa, que aliás foi feito por uma amiga minha

Houve a oportunidade de assistir duas peças na sequência, ambas no Teatro Gazeta. Nesse espaço costumam se apresentar comediantes ou peças de apelo mais popular, pois imagino que o custo do espaço seja relativamente barato para as produções. A localização do teatro é a melhor possível, fica na Avenida Paulista, no Edifício Gazeta, da Fundação Cásper Líbero, onde existe a principal unidade do colégio e cursinho Objetivo, e no topo do edifício há uma antena de tv iluminada. Ou seja, o teatro está inserido em  uma referência urbana de São Paulo, é de fácil acesso por carro, ônibus, metrô...  mas uma vez dentro dele, há alguns problemas. O foyer é grande, espaçoso, mas como o próprio teatro, merecia uma reforma. Tudo é antigo, gasto. Os banheiros, as poltronas, o piso, tudo dá uma impressão de desleixo. Aliás, não sei se o Teatro Gazeta foi mesmo projetado para ser utilizado como um teatro aberto ao público ou como um auditório para a rede de televisão do mesmo nome. Provavelmente, a segunda opção.

´No quarto ao lado´  já havia cumprido uma temporada no Teatro Jaraguá, antes de mudar para o Gazeta. Como subtítulo, ´A comédia do vibrador´,  já dá  uma idéia do tema da peça, mas em absoluto a montagem pode ser considerada pornográfica.  O enredo se passa no fim do século XIX, e trata de um médico ( Dr. Givings  - Daniel Alvim )  que tem um consultório em um anexo de sua residência, onde mora com sua esposa ( Catherine Givings - Marisol Ribeiro ). Ele é absolutamente deslumbrado pela eletricidade, e desenvolve uma máquina que faz com que as mulheres ´histéricas´ recobrem o bem-estar - o vibrador, que é uma haste ligada a uma máquina do tamanho de um frigobar.  Sua primeira cliente ( Sabrina Daldry - Julia Ianina ) chega acompanhada pelo marido, Sr. Daldry ( Luciano Gatti).

Após uma primeira sessão com o vibrador, a Sra. Daldry recupera a alegria de viver e quer experimentar as sensações proporcionadas pelo aparelho diariamente. Enquanto isso, tem uma sub-trama acontecendo, com o flerte entre o Sr. Daldry e a esposa do médico. Mas isso não tem sequência, e nos dias seguintes, com novas visitas, a Sra. Daldry passa a ser amiga da Sra. Givings, esposa do médico, e a convence a experimentar a invenção do marido. A Sra. Givings tem pouco leite disponível para a sua filha, ainda bebê, e através dessa amizade acaba contratando a empregada do casal Daldry  (Elizabeth - Maria Bia) como ama de leite, mesmo ela sendo negra - há menções racistas no texto, pertinentes à época em que se passa a ação. Dias depois ainda chega outro paciente, dessa vez um homem, o pintor Leonard Irving  ( Rafael Primot ), e também é tratado pelo mesmo aparelho. Em meio a esses personagens todos, há também a assistente do Dr. Givings, chamada Annie ( Fafá Rennó ), que na ausência do médico aplica as massagens do aparelho nas clientes, ou mesmo quando este falha, acaba por aplicar a massagem manualmente - e se envolve com a Sra. Daldry.  O pintor, Irving, ao encontrar a ama de leite na casa do médico, se deslumbra com a sua beleza e a convence a ser modelo de um de seus quadros, mediante a um pagamento generoso - apesar das convicções morais de Elizabeth.

Enfim, a trama é um tanto rocambolesca, com vários casos de atração entre os personagens. Excetuando o Dr. Givings, que só tem olhos para a eletricidade e para sua esposa, todos os demais em algum momento demonstram certa frouxidão em seus princípios. Aliás, pensando bem, o pintor também não demonstra isso,  já que nada afronta seus princípios...   Mas retomando: apesar do vibrador ser um objeto de cunho eminentemente sexual em nossa época, na peça ele é tratado de modo dúbio, é um instrumento médico que, digamos, tem como ´efeito colateral´  o prazer.  E é daí que vem boa parte da graça do texto, desse interesse dos personagens pelo aparelho, mas tudo dentro da aparência da mais rígida moral vitoriana. A platéia fica esperando pelos momentos mais ´eróticos´  da trama, mas em momento algum há nudez. Nas aplicações do aparelho médico, as pacientes ficam deitadas na maca com a cabeça voltada para a platéia, e o que se tem são os gemidos, a respiração ofegante, ou mesmo os gritos das pacientes. E é nesse tom que a peça é construída, sempre tomando  o cuidado de não cair no apelo sexual explícito, seja através da visão ou mesmo das palavras. E no desenrolar da trama vai se tocando em diversos assuntos: fidelidade, hipocrisia, racismo, evolução tecnológica, arte, vocação...   mas nada é aprofundado, tudo está subordinado à busca de um efeito cômico.

O cenário é fixo, são três paredes que delimitam o consultório, em efeito de perspectiva ( se fechando em direção ao fundo do palco ). Essas três paredes começam do meio do palco para trás, de modo que o espaço que sobra à frente é a sala de estar da residência do casal Givings. Nas duas extremidades, à direita e à esquerda do palco, há cadeiras e mesinhas que também fazem as vezes de assento, um abajur sem cúpula, de modo a deixar a lâmpada incandescente aparente ( e isso tem a sua razão de ser, pois há muitas referências às maravilhas da eletricidade ), e mais atrás, um piano.  Há alguns efeitos de luz - um blackout, a luz que entra por cima do teto translúcido do quarto, a iluminação pulsante em alguns momentos de dança nas mudanças de cena. Esses momentos, aliás, são constrangedores. Parecem coisa de teatro de escola, totalmente descolados do enredo... 

Quanto às atuações, achei um grupo de atores bastante desigual. Tem gente que apenas cumpre o seu papel, como a Mirassol Ribeiro ( Sra. Givings ), quem vai um pouco melhor, talvez pelo papel permitir um desempenho mais solto, foi a Julia Ianina - Sabrina Daldry. Entre os homens, o Rafael Primot ( o pintor Leonard Irving ) sem dúvida teve a melhor performance. Conseguiu fazer um pintor que aparentemente seria homossexual, mas que depois se revelou um ´don juan´, tudo sem apelar a trejeitos fáceis. Já o Luciano Gatti ( Sr. Daldry ) e o Daniel Alvim ( Dr. Givings ) deixaram a desejar, principalmente este último. Parecia um robozinho a declamar as suas falas, sem a menor sutileza. Talvez o papel não contribuísse, sei lá, mas em todo caso, os momentos de protagonismo dele eram os mais enfadonhos. Mas houve sim um destaque muito positivo, a atriz coadjuvante Fafá Rennó, que fazia o papel da enfermeira Annie. Ela quase não tem falas, mas demonstrou um ´timing´  perfeito de comédia, fazendo os seus comentários silenciosos com as expressões faciais. 

Enfim, não é uma daquelas peças absolutamente tolas, comédias feitas para dar uma ou duas risadas com expressões chulas ditas no palco, claramente a montagem se propõe a ser mais do que isso. Mas também não é uma grande comédia, daquelas que a gente ri de situações inusitadas, inesperadas. Tem muita coisa no enredo, mas nada é aprofundado. O cenário é ok, os figurinos são ok ( as mulheres usam todas tecido da mesma cor, sei lá por quê ), e o grupo de jovens atores é muito desigual.

Curioso é que cada ingresso traz uma frase de auto-ajuda no canto 


´No quarto ao lado - a comédia do vibrador´
Com Daniel Alvim, Marisol Ribeiro, Julia Ianina, Luciano Gatti, Rafael Primot, Maria Bia e Fafá Rennó

Texto de Sara Ruhl
Direção de Yara de Novaes
Teatro Gazeta, até  06/abr/2014

Mãe de dois

Segunda sessão no Teatro Gazeta, ´Mãe de dois´, logo após ´No quarto ao lado´:


Claramente é uma peça de baixo investimento, feita para ser ´portátil´. Duas atrizes ( uma iniciante e uma já conhecida de seus trabalhos na tv ),  um tema de fácil identificação, figurino de roupas do dia-a-dia, cenário fixo e simples. Apenas uma cama,  uma mesa com cadeira, dois painéis laterais e uma parede com ´janelas´  ao fundo, onde se via imagens das cidades das protagonistas - Três Pontas, no interior de Minas Gerais, e São Paulo. Quase tudo revestido com papel impresso, com palavras pertinentes ao enredo, que na verdade é a adaptação de um livro do mesmo nome da jornalista Maria Dolores.  Ou seja, tudo depende muito da força do texto e da interpretação das atrizes, não há cenário, figurino, trilha sonora, grandes efeitos, nada que possa servir de apelo à montagem que não seja a palavra e a atuação.

E aí vem o problema. A peça é daquelas bem básicas, tudo é o que está ali, aparente. Não tem um subtexto, não tem um conflito, não tem nada além da própria história de uma moça de uma pequena cidade de Minas Gerais e que sonha em ser jornalista em São Paulo, que de repente se descobre grávida prestes a fazer o vestibular. E depois, essa mesma mulher, já formada, casada, morando em São Paulo, novamente tem uma gravidez não planejada, aos 31 anos. Como terapia para mulheres ou alerta para as dificuldades trazidas por uma gravidez precoce, funciona. Se alguém for atrás de uma experiência teatral um pouco mais sofisticada, vai sair frustrado.  E não é que as atrizes - Rebeca Reis, no momento jovem  e Flávia Monteiro na idade adulta -  não desempenhem seus papéis adequadamente. Ambas tem uma atuação bem próxima do naturalismo que a gente vê na tv, sem grandes exigências. O problema é o texto mesmo, bastante simples, sem reflexão, apenas uma sucessão de acontecimentos de uma mulher simples, que tem uma vida comum. Os momentos de comédia vêm das angústias adolescentes, tanto da fase menina quanto da mulher adulta que continua tendo alguns comportamentos imaturos ( aí com a desculpa da variação hormonal causada pela gravidez ),  e do choque entre o desejo infantil e a realidade da cidade grande. É muito pouco para sustentar  uma peça inteira.



Mãe de Dois
Com Rebeca Reis e Flávia Monteiro
Texto de Maria Dolores
Direção de Luiz Antônio Pilar
Teatro Gazeta, SP, até 06/abr/14

sábado, 22 de março de 2014

Elis, A Musical

Elis, A Musical - um título com um trocadilho absolutamente pertinente:


Engraçado como fazia tempo que eu não ia ao Teatro Alfa, desde ´Um Violinista no Telhado´, mas só percebi que fazia mais de um ano por causa desse blog. Então, vamos aos comentários sobre esse espaço:  para mim, é muito longe...  junto à Ponte Transamérica, na Marginal Pinheiros, em um lugar que só é possível acessar de carro. E chegando lá ainda é difícil estacionar. Impossível conseguir lugar na rua ( escura e sem movimento ). E se houver lugar, há sempre ´flanelinhas´  ali ( claro que só na hora em que o espetáculo começa, eles nunca estão ao final ). Então, o jeito é deixar o carro nos estacionamentos mesmo, e há duas opções: ou do próprio Teatro Alfa, coberto, com manobrista, ou do outro lado da rua, quase em frente à entrada do Teatro, descoberto, com piso de pedrisco ( e com poças quando chove ) e onde você mesmo guarda seu carro. Ambos são caros, mas adivinhem qual o menos caro? Pois é,  o estacionamento do Teatro.... vai entender!

Acredito que o Teatro Alfa seja uma das maiores casas de espetáculo de São Paulo. E ao contrário de outros espaços, foi construído especificamente para esse fim, para ser mesmo um teatro. Tem uma entrada imponente, um saguão grande, escadas de acesso bem amplas, e de modo geral é bem decorado, sem excessos kitches. Lá dentro da sala de espetáculos o palco também impressiona pelo tamanho, e de maneira geral os assentos são bastante confortáveis. Nessa visita aconteceu um susto e uma boa surpresa: o susto foi descobrir que os lugares que havia comprado ( frisa lateral ) eram separados por uma coluna de aço de 40cm de diâmetro....  Eu estava ciente de que seria um lugar ruim, mas na página do Ingresso Rápido não há a marcação das colunas. Mas em seguida veio a boa surpresa: nesse dia deveria haver muitos convidados da Chevrolet ( tinha uma equipe para atender aos convidados da marca ), mas imagino que muita gente não compareceu. Então pouco antes do início do espetáculo os funcionários do Teatro convidaram a todos para ir aos assentos da platéia, bem em frente ao palco. Ou seja, não ficaram em uma postura mesquinha de que ´quem pagou por platéia elevada ou frisa que fique aí´,  o que sem dúvida foi uma postura muito simpática da produção. Além do mais, acredito que para os atores em cena seja bem mais agradável ver a platéia ali na sua frente cheia do que encenar para poltronas vazias, e ter o pessoal espalhado lá pra cima, onde não se pode vê-los. E os convidados que não compareceram não devem mesmo ter feito falta....  com tantas desistências, imagino que a maioria da platéia que estava ali era quem realmente estava a fim de assistir ao espetáculo e pagou por isso, e não gente que está mais preocupada em ´fazer social´ no foyer, como é comum a gente ver nesses eventos, ou em pré-estréias.

Outra coisa que vale a pena registrar é o programa da peça. Na entrada há uma lojinha de souvenirs, como costuma acontecer nos grandes musicais,  vendendo canecas, camisetas, livros, discos, bottons... e programas. Fizeram um programa em formato de capa de LP, muito bonito, ótima impressão, tudo muito caprichado. Mas o valor é o equivalente à entrada de algumas peças em cartaz na cidade, ou mesmo de um livro... 

Mas finalmente falando sobre a peça, ´Elis, A Musical´  é da mesma empresa produtora dos musicais ´Hair´, ´Um Violinista no Telhado´  e ´Rock in Rio, O Musical´.  E é com esse último que ´Elis´  guarda muitas semelhanças. Alguns atores são os mesmos ( Cláudio Lins e Ícaro Silva - mas esse infelizmente não estava presente na noite em que assisti ), mas principalmente se nota a mesma proposta em relação ao cenário: poucos elementos que vão se transformando durante o desenrolar da história, sem ´paredes´  ou um pano de fundo que determine propriamente um ´lugar´,  e o apoio de projeções e painéis eletrônicos. O recurso é bem econômico para a produção, mas funciona. O que interessa mesmo é a música, acho que não haveria razão para cenários grandiosos. Em compensação os figurinos me pareceram caprichados, com as roupas tomando certa importância em algumas cenas, como no início da carreira da Elis, quando ela saía de Porto Alegre para o Rio de Janeiro, e na apresentação de ´Como Nossos Pais´,  onde há um grupo de hippies. Se bem que nesse momento eu achei a caracterização um tanto fantasiosa demais... Hippies em 1976?   Vai ver que quiseram aproveitar os figurinos de ´Hair´....

Fiz um comentário maldoso agora, mas estou ciente de que a proposta do musical não é ser um ´documentário´,  mas sim uma elegia àquela que provavelmente foi a maior cantora brasileira de todos os tempos. E ainda bem que foi assim....   não é necessário encenar o vício em drogas nem a morte por overdose. Tanto que o musical termina com ´Redescobrir´,  do Gonzaguinha, em uma grande roda com todo o elenco. Só que cheguei ao final antes do começo....

A peça tem início com as primeiras tentativas de se apresentar em público da adolescente Elis ( Laila Garin ), ainda em Porto Alegre.  Os primeiros shows de calouros em companhia da mãe ( Keila Bueno ), e depois o relativo sucesso na então provinciana capital gaúcha. Daí a obstinação da Elis em chegar ao Rio de Janeiro, junto com o pai ( Ricardo Vieira ) que nem sempre confiava que a filha estaria fazendo a coisa certa. Esse é o prólogo, mas a coisa começa a ficar interessante mesmo quando Elis chega ao Beco das Garrafas, e aí começa a conviver com Miele ( Germano Melo ), Ronaldo Bôscoli ( Tuca Andrada ), Lennie Dale ( Danilo Timm ).  Claro que são personagens muito mais ricos e interessantes que os pais de Elis, e a partir de ´Menino das Laranjas´  a personagem principal começa a mostrar a que veio.

Laila Garin não é fisicamente parecida com a Elis Regina, nem tem o timbre de voz que lembre a ´Pimentinha´.   Mas talvez por isso mesmo, se encaixa muito bem no papel. Caso a escolha tivesse sido por alguma atriz mais parecida, a gente ficaria sempre com a sensação de ´cover´,  e não é isso o que acontece. Em cena está uma ótima cantora ( que é claro, procura manter um registro parecido com as gravações da Elis ), mas que não entra na simples imitação. Por outro lado, para quem conhece momentos marcantes da carreira da Elis ( o ´eliscóptero´  de Arrastão, a gravação de ´Atrás da porta´, a entrevista para o Fernando Faro, no programa ´Ensaio´ )  vê que o trabalho de recriação dos trejeitos, da prosódia da Elis, foram muito bem-feitos. Aliás, um dos melhores momentos da peça é quando Lennie Dale faz um trabalho de corpo com Elis, em ensaios no ´Beco das Garrafas´. Danilo Timm sem dúvida rouba a cena quando aparece no palco, imagino que ele tenha uma formação em dança muito superior aos demais membros do elenco. Aliás, essa cena foi mesmo uma das minha preferidas, quando ela se apresenta com a formação bateria / baixo / piano.

Tuca Andrade como Ronaldo Bôscoli também me pareceu uma escolha adequada, ele consegue imprimir um tom cafajeste / simpático ao personagem, que trai a mulher e que chega mesmo a agredi-la, mas que sempre tem uma saída divertida para a situação. Já o Miele de Germano Melo eu achei um tanto ´bonzinho´  demais, até onde eu sei o Miele sempre foi um ´coadjuvante´  divertido e importantíssimo, mais do que simplesmente alguém que tem os amigos talentosos. E foi uma pena que na noite em que eu assisti ´Elis´ o Ícaro Silva não estivesse presente. Ele foi um dos destaques de ´Rock in Rio´,  e o personagem Jair Rodrigues teria sido um prato cheio para ele. Quem estava em cena era Lincoln Tornado, que se não chegou a ser uma presença marcante no palco, também não comprometeu. 

A peça vai acompanhando mais a trajetória da Elis com seu relacionamento amoroso com Bôscoli e suas gravações, e também vão aparecendo nomes como Milton Nascimento, Ivan Lins, João Bosco, Renato Teixeira. Até que chega o momento do relacionamento com César Camargo Mariano ( Claudio Lins ).  Não tenho tanto conhecimento sobre o Mariano para dizer se a caracterização estava de acordo com a pessoa ´real´  ou não, mas o que quero registrar é que a partir do momento em que há alguém ´menos louco´  ao lado dela, o enredo passa a tratar a Elis com mais humanidade, no sentido de que em contraste com a sensatez e a bondade do marido, a Elis é que passa a ser o elemento desagregador da relação ( como antes havia sido o Bôscoli ). Achei interessante esse posicionamento dos autores, trazer isso em cena, e não ficar na louvação de uma mítica ´super-Elis´  o tempo todo. E por falar em caracterização, o ponto baixo foi o Tom Jobim ( Leo Diniz ). Difícil de ver o Tom como praticamente um paspalho em cena, alienado, sem-noção....

Quanto aos números musicais, é claro que há certa variação de qualidade. Em geral, os momentos de coro são os menos interessantes, quando a Laila Garin está solo é melhor. Mas os duetos com o ´Jair Rodrigues´ são interessantes, e o pout-porri com músicas do Milton Nascimento. O ponto alto acho que foi a interpretação de ´Como nossos pais´, e o baixo...  ´As aparências enganam´,  cantada pelo personagem César Mariano ( Claudio Lins ). Apesar de pertinente com a trama, ficou algo arrastado, sem a força com que a gente está acostumado a ouvir nas gravações.

Claro que o fato de ser fã da Elis ajuda a mim e à platéia de modo geral a gostar do espetáculo. Mas é mesmo um bom musical, que presta uma homenagem bonita à Elis. Com o fato de muita gente ter se reposicionado dentro do teatro, aconteceu da peça começar um pouco atrasada, acho que uns 15 minutos. E só terminou depois de três horas ( incluindo o intervalo ), mas o que eu vi foram pessoas felizes saindo do teatro, e não gente louca para ir embora. Muitos saíram cantarolando suas músicas preferidas da Elis, e aposto que assim como eu várias pessoas procuraram colocar a Elis para tocar no carro, na volta pra casa. Realmente, saímos de lá com aquele gostinho de ´quero mais´.






Elis, A Musical
Com Laila Garin, Tuca Andrada, Claudio Lins, Germano Melo, Danilo Timm, Ricardo Vieira, Leo Diniz, Keila Bueno, Lincoln Tornado
Texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade
Direção de Dennis Carvalho
Teatro Alfa até 13/jul/14

sexta-feira, 14 de março de 2014

Il Trovatore

Primeira ópera do ano no Municipal de São Paulo: ´Il Trovatore´:



Mais uma vez fiz a assinatura da temporada lírica do Municipal, e pela primeira amostra do ano, sei que fiz a coisa certa.

´Il Trovatore´, ao menos para mim, não era uma ópera conhecida. O único trecho que me recordava dela era o ´Coro dos soldados´, no início do 2o ato. Os trechos com grandes coros costumam mesmo ser as minhas passagens favoritas, sempre fico impressionado quando se tem a voz humana em uníssono.  E não conhecer outras passagens, nem mesmo a o enredo da ópera, às vezes até que tem suas vantagens, faz com que a gente tenha o ´frescor´  da primeira audição, foi uma ótima experiência.

A  história é uma tragédia de folhetim: uma cigana ( Azucena )  viu sua mãe ser morta na fogueira, acusada de bruxaria. Para se vingar, ela rapta o filho do conde que ordenou a morte de sua mãe, para que o bebê seja também queimado numa fogueira. Mas cega pela raiva, ela queima o próprio filho! ( E isso é só o começo... ).  Ela então cria o bebê que raptara como se fosse seu filho, e ao se tornar adulto, ele ( que é Manrico, o Trovador ) se torna rival do Conde de Luna ( irmão do bebê raptado ). Ambos disputam não só o poder como também o amor de Leonora.

Para não se casar com o Conde de Luna, Leonora decide ir para um convento. Ambos os rivais tentam impedir que isso aconteça, mas quem leva a melhor é Manrico, e Leonora parte com ele. Mas andando pela floresta, Azucena ( a cigana mãe do Trovador Manrico ) é presa pelos soldados do Conde de Luna. Ela então é reconhecida como quem sequestrou o irmão do Conde, e além do mais, descobrem que é mãe de Manrico. Obviamente, ela é condenada à morte.

No palácio onde o casal Manrico e Leonora se encontrava ( não me pergunte como o filho da cigana tem um palácio! ), o casamento já está para acontecer quando chega um mensageiro dizendo que a mãe de Manrico será executada pelo Conde. Manrico então sai para salvar a mãe, mas é preso pelos soldados do Conde. Leonora, então, para salvar o amado decide prometer ao Conde que casará com ele, desde que a vida de Manrico seja poupada, claro. Mas ela não pretende cumprir a promessa, e toma veneno.  Daí tem um encontro com Manrico no calabouço, e ela revela seu plano a ele e desfalece, sob o efeito do veneno. O Conde de Luna vê que foi ludibriado, e executa Manrico. Nisso, a cigana ( que estava o tempo todo na mesma cela que o filho, mas dormindo ), acorda e vê que Manrico foi morto, e então revela ao Conde de Luna a verdade: ele acabara de matar o irmão, o bebê que ela havia sequestrado muitos anos atrás...  ou seja, dramalhão total.

Dessa vez o cenário não era tão impactante quanto das outras óperas no Municipal. Eram duas paredes nas laterais do palco, mas articuladas, que giravam em torno de um eixo que permitia que elas ficassem perpendiculares ao palco, ou mesmo inclinadas em relação à frente do palco. A da esquerda era totalmente devassada, com grades, e os seus três patamares eram interligados por escadas.  Já a parede da direita era mais fechada, e incrustada nela havia o que poderia ser uma sacada de um palácio. Ao fundo havia uma ´floresta´,  de onde se viam os troncos das árvores, e ao centro do palco, um buraco que fazia as vezes de fogueira.

Nessa noite o que ficou em primeiro plano foi realmente a música. Não entendo ´nada de nada´ em relação à ópera, mas deu pra perceber claramente que nessa quinta-feira nos foi proporcionada uma experiência musical superior a todas as outras do ano passado. A primeira a deixar uma ótima impressão, logo de início, foi a Marianne Cornetti ( Azucena ).  Depois foi a vez da Susanna Branchini ( Leonora ), numa cena no balcão.  Entre os homens, achei que o Alberto Gazale ( Conde de Luna ) foi apenas correto, enquanto o Manrico ( Stuart Neill ) arrasou. E mais do que qualquer performance individual, acho que dessa vez a integração entre o elenco e a orquestra estava perfeita. Tudo soava ´redondo´,  natural, mais do que nas outras récitas do ano passado. Que continue assim!




PS: No final, uma nota triste: na saída, o Salão Nobre do teatro estava sendo arrumado para o velório do Paulo Goulart, e inclusive o carro com o corpo já estava esperando, numa das entradas do Municipal. Fica a  homenagem a um ator que não cheguei a ver em cena, apenas a ouvi-lo como a voz de Deus, na estréia de ´Evangelho Segundo Jesus Cristo´, do Saramago, muitos anos atrás. 




Il Trovatore
Com Stuart Neill, Marianne Cornetti, Alberto Gazale, Susanna Branchini 

Ópera de Giuseppe Verdi, com libreto de Salvatore Cammarano
Regência de John Neschling
Theatro Municipal de São Paulo, até 22/mar/14

segunda-feira, 10 de março de 2014

Sempre Teremos Paris

De volta ao Teatro Raul Cortez  ( o mesmo de ´Divórcio´ ), e um dos meus preferidos em São Paulo, agora para assistir ´Nós sempre teremos Paris´:

Não havia programas disponíveis

Mas infelizmente, não foi uma experiência tranquila. Acontece que por causa de uma obra da CET no túnel do Anhangabaú, havia congestionamento desde a Praça Campo de Bagatelle. Demorei 50 minutos para andar 3km, porque os incompetentes da CET não foram capazes de colocar nenhum aviso de que haveria obra indicar para que as pessoas buscassem caminhos alternativos. O resultado é que perdi os 15 primeiros minutos da peça. Desde 2012, ainda antes de começar esse blog, que isso não acontecia.

Pelo menos o pessoal do ´staff´ foi muito atencioso, cheguei à bilheteria para pegar os ingressos ( que já estavam comprados ) e fui atendido rapidamente. Para não atrapalhar as outras pessoas, busquei um lugar na lateral, sem que tivesse que pedir licença a ninguém para sentar.

O palco era bem simples: um luminoso em neon com os dizeres ´Bistrô Paris 6´, que deve ser um dos patrocinadores, suspenso no centro do palco. Duas mesinhas e cadeiras em madeira, dessas de café, mais às cadeiras. À direita, um pequeno grupo musical, com violão, acordeon, teclado e bateria, tocados por três músicos.  Quando cheguei, a Françoise Forton estava cantando ´La vie em rose´.  E olha.... canta muito bem. Aos poucos fui ´pescando´  o enredo da peça: um casal conversa rapidamente num café em Paris, e ambos tem ali a certeza de haverem encontrado o amor de suas vidas. Mas eles não se encontram mais, e passam a levar suas vidas em outros relacionamentos, mas sem nunca esquecer daquele encontro. A estrutura é sempre de cada um conversar diretamente com a platéia, como se fossem dois amigos que contam a sua história. Não há a ´quarta parede´,  mas claro que há  alguns ganchos em que eles passam a se referir diretamente um ao outro. E no meio das histórias, vão citando elementos da cultura francesa, lugares de Paris, e cantando clássicos franceses: ´La vi em rose´, ´Ne me quitte pas´,  ´Non, Je Ne Regrette Rien´, e outras. 

Como eu já disse, a Françoise Forton surpreende cantando, e o Aloisio de Abreu também não faz feio.  A gente vai acompanhando os depoimentos dos dois, e claro, torcendo para o final feliz de um casal tão simpático. A peça é totalmente ´light´,  não tem grandes piadas, grandes reviravoltas... é mais ou menos como  se a gente acompanhasse dois amigos de meia-idade contando o seu romance. O ´clima´  todo da peça é de um registro suave, quase que à meia-voz, e funciona muito bem. É nítido que a platéia toda entra no clima. 

O final também é simpático. Além dos pedidos de aplausos à equipe  técnica ( músicos, iluminadores, operadores de som ),  dessa vez também houve uma salva de palmas ao autor do texto, Artur Xexéo, que estava presente. E aí os dois atores, como se estivessem agradecendo aos convidados de um casamento, foram até o foyer conversar com o público, posar para fotos... muito simpático. O título, que remete a um amor não concretizado do filme ´Casablanca´,  de certo modo engana: essa é uma história de amor com final feliz.





'Sempre teremos Paris'
Com Françoise Forton e Aloísio de Abreu
Direção de Jacqueline Laurence
Texto de Artur Xexéo
Teatro Raul Cortez, SP, até 30/mar/14