Infelizmente só havia um pequeno folder disponível, e não o programa, que aliás foi feito por uma amiga minha |
Houve a oportunidade de assistir duas peças na sequência, ambas no Teatro Gazeta. Nesse espaço costumam se apresentar comediantes ou peças de apelo mais popular, pois imagino que o custo do espaço seja relativamente barato para as produções. A localização do teatro é a melhor possível, fica na Avenida Paulista, no Edifício Gazeta, da Fundação Cásper Líbero, onde existe a principal unidade do colégio e cursinho Objetivo, e no topo do edifício há uma antena de tv iluminada. Ou seja, o teatro está inserido em uma referência urbana de São Paulo, é de fácil acesso por carro, ônibus, metrô... mas uma vez dentro dele, há alguns problemas. O foyer é grande, espaçoso, mas como o próprio teatro, merecia uma reforma. Tudo é antigo, gasto. Os banheiros, as poltronas, o piso, tudo dá uma impressão de desleixo. Aliás, não sei se o Teatro Gazeta foi mesmo projetado para ser utilizado como um teatro aberto ao público ou como um auditório para a rede de televisão do mesmo nome. Provavelmente, a segunda opção.
´No quarto ao lado´ já havia cumprido uma temporada no Teatro Jaraguá, antes de mudar para o Gazeta. Como subtítulo, ´A comédia do vibrador´, já dá uma idéia do tema da peça, mas em absoluto a montagem pode ser considerada pornográfica. O enredo se passa no fim do século XIX, e trata de um médico ( Dr. Givings - Daniel Alvim ) que tem um consultório em um anexo de sua residência, onde mora com sua esposa ( Catherine Givings - Marisol Ribeiro ). Ele é absolutamente deslumbrado pela eletricidade, e desenvolve uma máquina que faz com que as mulheres ´histéricas´ recobrem o bem-estar - o vibrador, que é uma haste ligada a uma máquina do tamanho de um frigobar. Sua primeira cliente ( Sabrina Daldry - Julia Ianina ) chega acompanhada pelo marido, Sr. Daldry ( Luciano Gatti).
Após uma primeira sessão com o vibrador, a Sra. Daldry recupera a alegria de viver e quer experimentar as sensações proporcionadas pelo aparelho diariamente. Enquanto isso, tem uma sub-trama acontecendo, com o flerte entre o Sr. Daldry e a esposa do médico. Mas isso não tem sequência, e nos dias seguintes, com novas visitas, a Sra. Daldry passa a ser amiga da Sra. Givings, esposa do médico, e a convence a experimentar a invenção do marido. A Sra. Givings tem pouco leite disponível para a sua filha, ainda bebê, e através dessa amizade acaba contratando a empregada do casal Daldry (Elizabeth - Maria Bia) como ama de leite, mesmo ela sendo negra - há menções racistas no texto, pertinentes à época em que se passa a ação. Dias depois ainda chega outro paciente, dessa vez um homem, o pintor Leonard Irving ( Rafael Primot ), e também é tratado pelo mesmo aparelho. Em meio a esses personagens todos, há também a assistente do Dr. Givings, chamada Annie ( Fafá Rennó ), que na ausência do médico aplica as massagens do aparelho nas clientes, ou mesmo quando este falha, acaba por aplicar a massagem manualmente - e se envolve com a Sra. Daldry. O pintor, Irving, ao encontrar a ama de leite na casa do médico, se deslumbra com a sua beleza e a convence a ser modelo de um de seus quadros, mediante a um pagamento generoso - apesar das convicções morais de Elizabeth.
Enfim, a trama é um tanto rocambolesca, com vários casos de atração entre os personagens. Excetuando o Dr. Givings, que só tem olhos para a eletricidade e para sua esposa, todos os demais em algum momento demonstram certa frouxidão em seus princípios. Aliás, pensando bem, o pintor também não demonstra isso, já que nada afronta seus princípios... Mas retomando: apesar do vibrador ser um objeto de cunho eminentemente sexual em nossa época, na peça ele é tratado de modo dúbio, é um instrumento médico que, digamos, tem como ´efeito colateral´ o prazer. E é daí que vem boa parte da graça do texto, desse interesse dos personagens pelo aparelho, mas tudo dentro da aparência da mais rígida moral vitoriana. A platéia fica esperando pelos momentos mais ´eróticos´ da trama, mas em momento algum há nudez. Nas aplicações do aparelho médico, as pacientes ficam deitadas na maca com a cabeça voltada para a platéia, e o que se tem são os gemidos, a respiração ofegante, ou mesmo os gritos das pacientes. E é nesse tom que a peça é construída, sempre tomando o cuidado de não cair no apelo sexual explícito, seja através da visão ou mesmo das palavras. E no desenrolar da trama vai se tocando em diversos assuntos: fidelidade, hipocrisia, racismo, evolução tecnológica, arte, vocação... mas nada é aprofundado, tudo está subordinado à busca de um efeito cômico.
O cenário é fixo, são três paredes que delimitam o consultório, em efeito de perspectiva ( se fechando em direção ao fundo do palco ). Essas três paredes começam do meio do palco para trás, de modo que o espaço que sobra à frente é a sala de estar da residência do casal Givings. Nas duas extremidades, à direita e à esquerda do palco, há cadeiras e mesinhas que também fazem as vezes de assento, um abajur sem cúpula, de modo a deixar a lâmpada incandescente aparente ( e isso tem a sua razão de ser, pois há muitas referências às maravilhas da eletricidade ), e mais atrás, um piano. Há alguns efeitos de luz - um blackout, a luz que entra por cima do teto translúcido do quarto, a iluminação pulsante em alguns momentos de dança nas mudanças de cena. Esses momentos, aliás, são constrangedores. Parecem coisa de teatro de escola, totalmente descolados do enredo...
Quanto às atuações, achei um grupo de atores bastante desigual. Tem gente que apenas cumpre o seu papel, como a Mirassol Ribeiro ( Sra. Givings ), quem vai um pouco melhor, talvez pelo papel permitir um desempenho mais solto, foi a Julia Ianina - Sabrina Daldry. Entre os homens, o Rafael Primot ( o pintor Leonard Irving ) sem dúvida teve a melhor performance. Conseguiu fazer um pintor que aparentemente seria homossexual, mas que depois se revelou um ´don juan´, tudo sem apelar a trejeitos fáceis. Já o Luciano Gatti ( Sr. Daldry ) e o Daniel Alvim ( Dr. Givings ) deixaram a desejar, principalmente este último. Parecia um robozinho a declamar as suas falas, sem a menor sutileza. Talvez o papel não contribuísse, sei lá, mas em todo caso, os momentos de protagonismo dele eram os mais enfadonhos. Mas houve sim um destaque muito positivo, a atriz coadjuvante Fafá Rennó, que fazia o papel da enfermeira Annie. Ela quase não tem falas, mas demonstrou um ´timing´ perfeito de comédia, fazendo os seus comentários silenciosos com as expressões faciais.
Enfim, não é uma daquelas peças absolutamente tolas, comédias feitas para dar uma ou duas risadas com expressões chulas ditas no palco, claramente a montagem se propõe a ser mais do que isso. Mas também não é uma grande comédia, daquelas que a gente ri de situações inusitadas, inesperadas. Tem muita coisa no enredo, mas nada é aprofundado. O cenário é ok, os figurinos são ok ( as mulheres usam todas tecido da mesma cor, sei lá por quê ), e o grupo de jovens atores é muito desigual.
Curioso é que cada ingresso traz uma frase de auto-ajuda no canto |
´No quarto ao lado - a comédia do vibrador´
Com Daniel Alvim, Marisol Ribeiro, Julia Ianina, Luciano Gatti, Rafael Primot, Maria Bia e Fafá Rennó
Texto de Sara Ruhl
Direção de Yara de Novaes
Teatro Gazeta, até 06/abr/2014
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