segunda-feira, 27 de maio de 2013

Alô Dolly

Finalmente fui assistir ´Alô Dolly´, no Teatro Bradesco:




Musicais não são exatamente a minha preferência no teatro, às vezes acho a ´relação custo-benefício´ complicada, porque essas grandes produções que de uns anos para cá passaram a ficar disponíveis em São Paulo normalmente têm preços exorbitantes.  Por outro lado, desde que vi o Miguel Falabella em um outro musical, Hairspray, passei a ser fã do trabalho dele no teatro, eu que nunca me diverti muito com os programas humorísticos em que ele aparece na televisão. Mas no teatro, eu tiro o chapéu para o trabalho do Falabella, que faz valer o ingresso.

Sendo assim, é claro que a minha tendência era de gostar do espetáculo,  ainda mais com a participação também da Marília Pêra, que dispensa apresentações. E não me decepcionei, de modo algum.

O Teatro Bradesco fica dentro do Shopping Pompéia, o que dá acesso fácil a quem vai de carro, e ainda permite uma passadinha na praça de alimentação antes de entrar. É um espaço confortável, na minha opinião com uma decoração mais pretensiosa do que propriamente luxuosa, mas em todo caso, acho que é hoje uma das melhores casas de espetáculos de São Paulo, com poltronas confortáveis, acesso fácil, boa visualização do palco. Acho que só quem sentou nas primeiríssimas fileiras é que se arrependeu, pois o palco é bastante alto, e com certeza dali não se pode ver bem - mas não foi o meu caso. E por incrível que pareça, mesmo havendo em cena duas grandes estrelas da tv, o público se comportou como deveria ser sempre... pelo menos onde eu estava sentado, não teve ninguém usando o celular ou se deslumbrando ao ver os atores da tv em cena. E olhe que fui numa quinta-feira, cheguei em casa e estavam o Falabella e a Marília aparecendo na Globo em ´Pé na cova´...  Milagres acontecem.

Mas o que interessa mesmo é a peça. O enredo trata de uma viúva que vive de arrumar casamentos ( Dolly Levi  / Marília Pêra ), e que foi contratada por um comerciante rico e avarento da pequena cidade de Yonkers (  Horácio Vandergelder / Miguel Falabella ). Esse Horácio é um tipo absolutamente detestável, grosseiro, humilha os empregados e não permite que a sobrinha que vive em sua casa tenha um namorado. Mas ele também se mostra um homem solitário e de certa maneira até sensível, e busca alguém para compartilhar sua vida. Ou seja, para um ator como o Miguel Falabella, é um prato cheio. Os momentos em que o personagem é mau, o Falabella faz com um cinismo absoluto, e nos momentos de ternura do personagem, parece uma criança em cena, de tão inocente.  Já Dolly Levi, como disse no início, é uma viúva casamenteira, mas não só isso, é uma verdadeira ´lady charlatã´, sempre com uma carta na manga, com um ´jeitinho´  para resolver as situações mais difíceis. E claro, a Marília Pêra dá um show, exprimindo as palavras como quem estivesse sempre em dúvida, mas na prática sendo a senhora de todas as situações, já que ela manobra os outros personagens para que façam exatamente o que ela quer. Também é patente a cumplicidade entre os dois, Miguel e Marília, sendo que a gente percebe desde o início a veneração que o Falabella tem pela parceira. 

Mas não é só isso... Os outros atores também vão muito bem. Quem mais me impressionou foram o Frederico Reuter, que no papel de Cornélio, um dos funcionários de Horácio Vandergelder, também dá um show, tanto na parte musical quanto na atuação, a Alessandra Verney, no papel de Irene Molloy, e Ricardo Pêra, que atua como o maitre Rudolph Reisenweber e que agora, lendo o programa, descobri ser filho da Marília Pêra.  

Não vou retomar o enredo aqui, mas a cena do jantar, com a entrada da Dolly no restaurante é daquelas cenas de filme de Hollywood, ou melhor, da Broadway, com a longa escadaria por onde a estrela desce triunfante. E nada mais coerente, já que o subtítulo da peça é ´Um musical da Broadway´.  Ou seja, o que é entregue ao espectador é exatamente o que a gente espera de um grande musical. Perfeito nos mínimos detalhes, nas danças, nas marcações, mas de modo nenhum é um espetáculo frio, técnico. A gente se diverte e vê que os atores estão ali com prazer, se divertindo também. 

Musicalmente, apesar de ser um espetáculo já clássico, não me impressionou muito. A única música que reconheci foi justamente ´Hello, Dolly´, que nos primeiros acordes me remeteu à versão do Louis Armstrong. Já as outras músicas fizeram seu papel em cena, mas não deixaram marcas nos ouvidos...  Já o cenário é muito interessante, é uma superfície vertical que faz as vezes de moldura para as várias mudanças de cena. Nessa superfície estão aplicadas texturas, volutas, frisos, que me remeteram às notas de dólar. Mas dessa grande superfície também saem alguns volumes, que se transformam em escadas, por exemplo. E ao fundo, conforme o desenrolar da história, há projeções que remetem a noites de luar, estação de trem... Muito bem bolado. 

O figurino também chama a atenção. Foi criado pelo Fause Haten, e mesmo eu, que não sou exatamente alguém que acompanha a moda, percebo a diferença de qualidade entre o trabalho dele e o que estamos acostumados a ver por aí. Todos, absolutamente todos os figurinos de muito bom gosto, claro que são roupas de época, baseadas em algo que já vimos, mas a Marília Pêra estava com um figurino de saia estampada e colete listrado que ao mesmo tempo que instiga por quebrar uma ´regra´  de não misturar listras e estampas, era absolutamente harmonioso. 

Enfim, saí absolutamente satisfeito com o espetáculo que assisti. Estava até esquecendo de dizer, mas a música é executada por uma pequena orquestra, localizada no fosso, e há também um grande coro de bailarinos, sendo um deles se destaca ( Fabio Yoshihara ) que além de ser de origem japonesa também é careca, o que também gera alguns momentos de piadas visuais. 

Um comentário final: eu sempre colecionei os programas das peças que assisto, muito antes de começar a escrever esse blog. Isso ajuda a relembrar os momentos que assisti, e é claro que eu não conseguiria fazer esse texto sem recorrer ao programa. A única coisa chata é que dessa vez o programa, luxuoso, com impressão em papel de alta gramatura, a quatro cores, verniz... custou exagerados 20 reais, e ainda assim veio com propaganda. Mas tá valendo... 






Alô Dolly
Com Miguel Falabella, Marília Pêra, Frederico Reuter, Alessandra Verney, Ricardo Pêra
Direção e versão brasileira: Miguel Falabella
Texto de Michael Stewart
Músicas e letras de Jerry Herman
Teatro Bradesco, até 07/jul/13

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Razões para ser bonita

´Razões para ser bonita´ também foi complicado para assistir, mas no fim deu tudo certo:


Essa é uma imagem da internet, não havia programas disponíveis...


O erro cometido dessa vez foi que o ingresso havia sido adquirido em um desses sites de compra coletiva, mas para outra data... felizmente a moça da bilheteria foi muito simpática e disse que daria um jeitinho, como realmente deu. Então a viagem não foi perdida, o voucher foi revalidado, e tudo bem.


Antes de falar da peça propriamente dita, um desabafo: assistir espetáculos com atores de sucesso, da Globo, é um problema...  é nítida a diferença de comportamento do público. Não que em outras peças não haja alguém inconveniente, que acha que pode ficar comentando como se estivesse em sua sala de estar, ou coisa assim. Mas nessas peças com ´globais´, a coisa é escancarada. Eu sentei numa das últimas fileiras do bloco central de poltronas, e ao meu lado estavam duas moças. A preocupação delas era postar no facebook e mostrar para os outros que estavam lá, além de ficarem conversando entre si. Na poltrona da minha frente, a mesma coisa, e era comum ver a luz azulada dos smartphones da platéia o tempo todo! Uma total falta de respeito com os espectadores, e principalmente com os atores em cena. Com as duas que estavam ao meu lado, não teve jeito, tive que pedir a elas que ficassem quietas.  Não vou ficar fazendo considerações teóricas sobre o assunto, mas...  é teatro! As pessoas estão ali, em carne e osso! Os atores, pelo menos, eu sei que estavam, mas boa parte do espectadores só estava ali como ´perfil público do facebook´. Tanto que depois do espetáculo vi gente tirando fotos ao lado dos ´atores´  em um daqueles displays recortados com fotos em tamanho real, afinal, pra essas pessoas a imagem é o que vale mesmo... 

A peça está em cartaz no Teatro Shopping Frei Caneca, que obviamente, fica no centro comercial de mesmo nome. Então dá pra usar o estacionamento do próprio shopping, o que facilita muito o acesso pra quem vai de carro, desde que não seja em época de compras de natal, claro. O foyer do teatro ainda está sendo reformado, antes havia um espaço num piso inferior onde existia a bilheteria e a bomboniere, e depois a gente subia uma escada que dava acesso ao teatro propriamente dito. Agora esse espaço inferior não existe mais, vamos direto para o piso de acesso ao teatro. O problema é que não há mais escadas rolantes, o acesso é só pela escada de incêndio ou pelos elevadores, não  há opção de chegar por escadas rolantes. Na saída, com todo mundo querendo ir embora ao mesmo tempo, a coisa complica bastante, e pelo jeito, essa é a situação definitiva. O que parece ser ainda temporário é o balcão da bilheteria, ainda não está pronto. Lá dentro o teatro continua o mesmo, não houve nenhuma modificação. É um teatro confortável, apenas o bloco de poltronas que existe nas laterais, ao fundo, é que não permite uma boa visão do palco. Em outras ocasiões já sentei ali, e a visualização é péssima, mas de resto, dá pra ver bem o palco em praticamente qualquer lugar. E as poltronas são confortáveis.

A peça é uma comédia, mas não daquelas escrachadas, é mais uma comédia de situação do que de piadas. A história se desenvolve a partir de uma fofoca: Carla ( Aline Fanju ) ouviu uma conversa onde Greg ( Gustavo Machado ), marido de sua amiga Steph ( Indrid Guimarães ) diz a Leo ( Marcelo Faria ), marido da Carla, que acha o rosto de Steph comum. Daí é claro que Carla foi correndo contar isso à amiga, que se sentindo desprezada pelo seu namorado, resolve terminar com ele. Mas isso a gente só vai descobrindo pela discussão entre os dois, naqueles joguinhos femininos onde a conversa é levada de tal maneira que o homem é sempre culpado, não interessa o que ele responda. Talvez seja a cena de abertura, onde Steph vai colocando Greg contra a parede, a melhor cena da peça, com os melhores diálogos. As falas de Steph vão se sucedendo numa armadilha da qual Greg não consegue se livrar, e cada resposta dele só vai piorando as coisas. A Ingrid Guimarães é a grande estrela da peça, sem dúvida, e capricha na entonação de todos os palavrões imagináveis, arrancando muitos risos da platéia.

Mas a partir daí o tema da peça já deixa de ser a questão da beleza, como parecia ser de início, e passa a ser mais uma comédia sobre os atritos entre homens e mulheres, baseada nos estereótipos mais banais: a dominação das mulheres sobre os homens a partir do sexo, a união entre os homens e a competição entre as mulheres, as diferentes visões de mundo entre os sexos...  o exemplo perfeito dessa situação é o personagem do Marcelo Faria, o Leo: um homem casado que posa de 'macho alfa', mas que se submete aos caprichos da mulher.  Esse personagem, Leo, é o mais rasteiro, em todos os sentidos: é um homem que só está preocupado com o próprio prazer, um predador sexual, que só vê a aparência. E como ele passa boa parte do tempo em cena, me parece que o texto ´se rebaixa´  para ficar no nível desse personagem.  Como já disse, a peça deixa de ser uma reflexão sobre a importância que se dá à beleza física e passa a ser uma comédia sobre as incompreensões entre homens e mulheres.

Não que a encenação não tenha qualidades, acabei de criticar o personagem Leo, mas não vejo motivos para criticar o ator Marcelo Faria interpretando esse personagem. Não que seja algo complexo, complicado, mas a atuação dele é convincente, o problema não está na atuação, está no texto mesmo. A história então vai se desenrolando principalmente em torno da separação de Greg e Steph, mas também acompanhamos a relação entre Leo e Carla, e a amizade entre os homens. Mais pro final, teve uma cena que na minha opinião se destacou, que foi quando a personagem Carla, que está grávida de Leo e é segurança da empresa onde os dois personagens masculinos trabalham, abaixa a guarda e humildemente vai buscar apoio com Greg. Este, mesmo sabendo ser ela o vetor de sua separação a trata com extrema gentileza. Acho que foi a cena mais tocante da peça, um momento de delicadeza dentro da comédia.

Uma coisa de que gostei muito foram 4 placas de acrílico transparente, que sobem e descem na parte frontal do cenário. No início da peça os atores escrevem uma palavra em cada placa: sexo - por que?  - comum  - espelho, e aí elas são içadas, mas continuam à vista. Depois, mais pro final, elas voltam ao nível do palco, e pelo menos para mim foram outros os significados percebidos nas mesmas palavras. 

Enfim, se não é nenhum espetáculo incrível, ´Razões para ser bonita´  ainda assim é um bom entretenimento. Não é uma comédia de se dar grandes gargalhadas, nem uma comédia que depois do espetáculo faz a gente parar para pensar. Mas as atuações são todas convincentes, com destaque para a Ingrid Guimarães e o Gustavo Machado.





Razões para ser Bonita
Com Ingrid Guimarães, Gustavo Machado, Aline Fanju e Marcelo Faria.
Direção de João Fonseca
Texto de Neil LaBute
Teatro Shopping Frei Caneca, até 14/jul/13

sábado, 18 de maio de 2013

Esta Criança

´Esta Criança´ deu trabalho para assistir:




Não sei que ´tilt´  deu no meu cérebro, que eu fui para o teatro com a certeza de que o espetáculo era no Sesc Belenzinho. Fui direto do escritório, cheguei com bastante antecedência, aproveitei para ir até a ´Comedoria´ e fiquei enrolando por lá...  comi tranquilo, calmo, e na hora de pagar, ouvi a atendente falando que ´Edukators´, estava esgotada... Aí é que me deu o estalo: ´Edukators´ sim estava em cartaz no Sesc Belenzinho, mas eu não consegui ingresso para essa peça, e nesse dia o que eu iria assistir era ´Essa Criança´, no Sesc Vila Mariana! Saí correndo, e como estava no contra-fluxo do trânsito da sexta-feira, consegui chegar a tempo. Bem em cima da hora, mas consegui...

´Esta Criança´  é um trabalho da Companhia Brasileira de Teatro, sediada em Curitiba. Eu já havia visto dois espetáculos deles, também nas unidades do Sesc: ´Vida´, em 2010, e ´Isso te Interessa?´ em 2012. Então, se estava voltando é porque gostei...   Dessa vez a Companhia contava também com a participação da Renata Sorrah, super-conhecida da tv, e quem eu também vi em cena como ´Lady Macbeth´, em 2010.  Ou seja, eu já sabia que iria encontrar atores de primeira linha.

E foi isso mesmo o que aconteceu. A peça é dividida em pequenas cenas, onde os personagens não tem nome, são apenas ´pai´,  ´filho´, ´senhor´,  e por aí vai. O cenário é só um tablado inclinado, na parte direita do palco, com duas paredes ao fundo e um teto com vazios por onde passa a luz, tudo no mesmo tom de azul claro ( depois, durante o desenrolar da peça, as paredes que formavam essa espécie de ´caixa´ se mostraram paredes móveis ). Sobre esse tablado existiam uma poltrona, duas cadeiras simples, uma mala... pouquíssimos elementos. Eu dei sorte por sentar mais à direita do bloco central da platéia, pois assim conseguia ver as cenas mais de perto, já que quase tudo acontecia dentro dessa ´caixa´. Mesmo quando os atores utilizaram o corredor da esquerda da platéia durante a peça, também consegui ter uma boa visualização.

A encenação não dá um destaque especial à Renata Sorrah, ela é mais uma atriz em cena. Talvez a atriz que participe do maior número das pequenas histórias que acontecem no palco, mas não tenho certeza disso agora... ou ela, ou o Ranieri Gonzalez. Em todo caso, há pelo menos três ou quatro cenas em que ela não participa. O esquema é sempre o mesmo, há um diálogo, uma cena que quando se resolve, um ou dois dos atores saem de cena, às vezes até pela platéia mesmo. E daí entra outro, pela lateral do palco, por exemplo,  e quem se manteve no  palco instantâneamente vira outro personagem, e começa uma nova ação. Em alguns momentos há também uma troca de figurinos, que acontecem no palco. Mas o que faz mesmo a mudança são os atores, não os figurinos.

Sinceramente, as atuações me impressionaram mais do que o texto, de um dramaturgo francês chamado Joël Pommerat. As situações propostas por ele se referem à perda, ao abandono, à falta de esperança... mas não achei nada de tão especial. Esses dramas são colocados em cena através de personagens como o aposentado por invalidez que quer retornar ao trabalho e é desprezado pelo filho adolescente, ou da jovem mãe que quer dar seu filho a um casal de vizinhos pois não se vê em condições de educar uma criança. Há também um certo humor mórbido na cena em que uma mãe tem que comparecer ao necrotério, junto com uma amiga, para reconhecer um corpo que pode ser de seu filho. Após muita hesitação, quando finalmente vê que não é seu filho que está ali, e por isso se sente extremamente feliz e aliviada, vê que é o filho da amiga quem está no necrotério....   Há  também certos ´maneirismos´, digamos assim, da Companhia Brasileira de Teatro. Nessa peça, assim como nas duas outras que assisti do grupo, há momentos de ´karaokê´, em que os atores cantam músicas em inglês, com um microfone. Até hoje eu não fui capaz de compreender  a razão disso, não me pareceu acrescentar nada à encenação. Mas como são sempre intervenções curtas, não chegam a atrapalhar. E dessa vez, ao contrário das outras duas, não houve nudez, o que parecia ser também uma característica das encenações do grupo, a julgar pelas duas peças anteriores.

Resumindo, não é uma peça ´fácil´, palatável, de uma história com começo, meio e fim. A encenação é fragmentada, são pequenas histórias que se desenvolvem autônomamente, sem ´plim-plim´  pra anunciar que um bloco terminou e vai começar outro. Os temas não são também os mais leves, mas quem for assistir vai sem dúvida ver um teatro de primeira, desses que dá gosto da gente ver os atores em cena.

Aliás, acho que o teatro do Sesc Vila Mariana é o melhor da rede Sesc, e sem dúvida um dos melhores de São Paulo, no que diz respeito ao conforto da platéia. As poltronas são ótimas,  há um espaço razoável entre os corredores, e o teatro não é muito grande, mesmo quem senta mais ao fundo consegue ver bem. Em outras ocasiões eu  já fiquei no mezzanino, aí a visão é um pouco prejudicada, mas na platéia, especialmente se conseguir um lugar no bloco central, é ótimo. O problema para quem chega de automóvel é só o estacionamento, se não chegar com muita antecedência não há como conseguir vaga no próprio Sesc, e pelo fato de haver um shopping popular ao lado, não é fácil estacionar na R. Pelotas. Dessa vez, mesmo o pequeno estacionamento particular em frente ao Sesc estava lotado.





Esta Criança
Com Renata Sorrah, Giovana Soar, Ranieri Gonzalez e Edson Rocha
Direção de Márcio Abreu
Texto de Joël  Pommerat
Sesc Vila Mariana, até 09/jun/13 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Casamento

´O Casamento, o romance proibido de Nelson Rodrigues´




Eu nunca tinha ouvido falar nesse texto do Nelson Rodrigues, o que também não quer dizer muita coisa. Mas através do programa da peça descobri que é um romance de 1966, que foi proibido à época, e que agora foi adaptado para esse espetáculo teatral. Então, depois de já ter visto a peça, fico me perguntando: ´O casamento´  é uma obra menor do Nelson Rodrigues, ou a adaptação que foi mal-feita? Porque o resultado em cena foi lamentável... E não deve ter sido por falta de recursos. A peça contou com patrocínio da Petrobrás, o folder mostra um monte de apoios de divulgação e gastronômicos, há sete atores em cena, vários figurinos... ou seja, com certeza o investimento na produção foi alto.

A minha expectativa era boa para ver essa peça, aliás, eu não sairia de casa se estivesse achando que não gostaria. Acontece que ano passado foi o centenário do nascimento do Nelson Rodrigues, e pude aproveitar para assistir várias peças dele. Duas das melhores foram as apresentadas no Sesi da Av. Paulista: 'Boca de Ouro' e  'A Falecida'. É claro que isso não faz de mim nenhum especialista em Nelson Rodrigues, aliás, não sou especialista em nada. Mas imaginando que ´O Casamento´ pode ser um texto do mesmo nível desses outros dois, bem mais famosos, me resta a conclusão de que a encenação é que foi ´culpada´  pela minha falta de interesse no que se via em cena. Ou se por acaso o romance é mesmo uma obra menor do autor, então deveriam ter dado uma boa enxugada no texto...

Todos os elementos ´clássicos´ da obra do Nelson estão presentes: homossexualismo, hipocrisia, traição, incesto...  Mas nada digno do choque que a obra dele causou a 50 anos atrás, e que continua causando. Fui testemunha disso, do impacto que ´Toda nudez será castigada´  ainda tem, quando vi essa peça também em 2012, no Sesc Consolação, numa montagem do Antunes Filho. Mas essa adaptação de ´O casamento´ não tem nem um décimo da força expressiva das outras que citei aqui. As outras foram encenações viscerais, fortes, verdadeiras. O que assisti ontem estava mais para uma farsa.

De início, até que é interessante. O cenário é quase vazio,  com uma estrutura metálica que rebaixa o pé-direito de parte do palco. Dessa estrutura metálica pendiam cortinas pretas, semi-transparentes, formando duas superfícies verticais a 90° entre si, que delimitavam um espaço menor, no caso a sala do personagem principal, Sabino ( Renato Borghi ). Durante a encenação essas cortinas são recolhidas ou abaixadas diversas vezes, assim como outras, e com isso configuram os vários espaços. Disso eu gostei, achei uma boa sacada.

Essas cortinas também servem para ocultar parcialmente a nudez dos atores em várias cenas. Mas se alguém for ao teatro para ver a Diana Bouth nua ( uma ex-modelo, em seu primeiro trabalho como atriz ), ainda assim é perda de tempo, por causa das cortinas. Além do mais, pelo menos para o meu gosto ela tem as pernas muito finas... 

Aliás, por falar em nudez, no início da peça a gravação que pede para que a platéia desligue os celulares diz que deseja a todos orgasmos múltiplos, e que vamos assistir a uma comédia erótica. Comédia não é, há raros momentos em que se pode esboçar um sorriso. Sobre o erotismo em cena, há sim muitas cenas de nudez, principalmente na parte final, mas há pouco de erotismo, de sensualidade. Novamente comparando com as outras encenações de textos do Nelson Rodrigues, em todas há uma carga de tensão sexual, de pulsão, de paixão. Em ´O Casamento´ não. Acho que a única exceção é quando o personagem Antônio Carlos ( Daniel Alvim ) deflora Glorinha ( Diana Bouth ). Então, assim como não dá para dizer que a peça é uma comédia, também não dá para chamar de erótica.


Enfim, não vejo razão para continuar a escrever sobre um espetáculo do qual absolutamente não gostei. O cenário é bem-bolado, os figurinos são meio esquisitos, com roupas que tentam ser referências modernas aos modelos de época, mas é claro que não é esse o problema, mesmo sendo muito estranho o figurino do personagem Dr. Camarinha ( Elcio Nogueira Sanchez )  - parecia uma morsa andando pelo palco, com um terno ´peludo´...  A iluminação é correta, faz os destaques necessários e esconde parcialmente os momentos de nudez, os atores estão todos no mesmo registro, não destoam entre si, inclusive a ex-modelo estreante nos palcos. Mas o resultado final da peça é desagradável, parece que estamos vendo várias esquetes com os mesmos personagens, com encadeamento entre elas, claro, mas sem impacto, sem vida, sem graça. Acho que não havia mais de um quarto das poltronas ocupadas quando o espetáculo começou, e pelo menos cinco outras testemunhas não conseguiram ficar até o final e saíram antes. Fazia tempo que eu não via gente sair assim no meio da peça.

Sobre o Teatro, o Tuca é um dos espaços mais tradicionais de São Paulo, e as suas paredes em tijolo à vista são um testemunho do que já aconteceu por lá. O acesso é fácil,  tanto de carro quanto de ônibus. Para quem vai de carro, nas noites de sexta-feira é difícil de estacionar, todas as vagas das ruas próximas ficam tomadas pelos alunos da PUC. Mas nas noites de sábado e domingo é tranquilo, eu só evito parar bem perto do teatro para não ser achacado pelos inevitáveis flanelinhas. Lá dentro a sala oferece um conforto razoável, mas desde que não se sente no fundo. O teatro é muito comprido, sentar lá atrás faz com que se veja o palco muito de longe. E nessa visita ao Tuca foram mais de duas horas de peça sem intervalo, mas acho que nem tenho como comentar muito sobre o conforto que o teatro oferece. O pior não era nem a poltrona um tanto dura, nem o espaço para as pernas. Quando a gente não gosta do que está vendo, é difícil ficar confortável seja onde for.




O Casamento
Com Renato Borghi, Daniel Alvim, Diana Bouth, Elcio Nogueira Seixas, Maurício de Barros, Regina França e Vera Bonilha
Direção de Johana Albuquerque
Adaptação de Johana Albuquerque, sobre obra de Nelson Rodrigues
Teatro Tuca,  SP, até 04/jul/13

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Vingança, o Musical

Muito bom o espetáculo, esse ´Vingança, o Musical´:




Eu sou ´meio´  fanático por MPB, e por isso o meu interesse em assistir a essa peça quando fiquei sabendo que era baseada nas canções do Lupicínio Rodrigues. Além do mais ir ao Centro Cultural Banco do Brasil é sempre um passeio legal, apesar de que dessa vez não consegui chegar com muita antecedência e não deu para ver as exposições que estão em cartaz lá. O CCBB fica bem no centro antigo de São Paulo, onde as ruas foram transformadas em calçadões, e portanto não há como chegar de carro. Existe um serviço de vans a partir de um estacionamento, mas fica na Consolação, um tanto longe...  o melhor mesmo é ir de metrô, ou se for de carro como eu fui, deixar estacionado na Rua Líbero Badaró já perto da Praça do Patriarca, assim não é necessário andar muito.

O CCBB está instalado numa antiga agência do Banco do Brasil, num prédio do início do século XX, período do ecletismo na arquitetura. O grande charme do edifício é o hall, com uma clarabóia que ilumina o vão central de todos os cinco andares. Só o prédio já vale a visita.  O teatro se não me engano fica no quarto andar e é pequeno, com as poltronas dispostas entre platéia e balcão. Não sei por qual motivo, mas nas posições centrais das fileiras A e B não existem algumas poltronas instaladas, então eles colocam cadeiras nesses lugares. Em todo caso como essas fileiras são muito próximas ao palco, que é relativamente alto, então nunca são mesmo os melhores lugares. Mas de maneira geral o teatro oferece um bom nível de conforto para a platéia, apesar de como quase sempre acontece, o espaço dos corredores entre as fileiras poderia ser um pouco maior. De qualquer maneira as poltronas são agradáveis e como o teatro é pequeno quem senta na platéia tem sempre uma boa visão do palco em qualquer posição. Já no balcão eu nunca fui, e não posso opinar.

Mas o que interessa mesmo é o espetáculo, e foi muito bom. Como já disse, pelo fato de gostar muito de MPB e conhecer pelo menos todos os grandes sucessos do Lupicínio, eu me interessei bastante em ver essa peça. E se o interesse for grande mas o espetáculo não corresponder, a decepção também pode ser grande, mas absolutamente não foi o caso. Musicalmente as interpretações não chegaram a me impressionar, mas também não foram ruins. O que me chamou mais a atenção foi como a partir das músicas do Lupicínio a autora do texto, Anna Toledo, conseguiu criar uma história muito bem montada, um ´sexteto amoroso´ que tem seus momentos de reviravolta como todo bom folhetim, e que prende a atenção independentemente da música apresentada. Se eu não conhecesse as músicas do Lupicínio, poderia até imaginar que foram feitas exclusivamente para essa peça, de tão bem que a trama se encaixa com elas.

Quando as cortinas se abrem, o palco está tomado por um pequeno conjunto de bateria, piano e violão ao fundo, e nas laterais existem duas penteadeiras,  uma em cada lado, que durante a peça vão fazer as vezes também de balcão de bar. No centro há algumas cadeiras, e todo o perímetro da cena é delimitado por cortinas altas, de veludo. As cortinas, o mobiliário, e claro, a iluminação, dão um ar de cabaré ao palco, o que era de se esperar. 

A história que costura as músicas começa no bar/cabaré do personagem Orlando ( Sérgio Rufino ), onde se desenrola boa parte da trama. Lá é o principal espaço onde os personagens se relacionam: o próprio Orlando, um solteirão que ainda na maturidade sonha com a mulher por quem se apaixonou na juventude; Liduíno, ou ´Seu Lidu´, ( Jonathas Joba ), um boêmio inveterado, machista ao extremo para os padrões de hoje, que tem sua mulher em casa como uma base afetiva e que lhe dá conforto, mas que vive na noite, trocando de amantes. No momento ele está apaixonado por Maria Rosa ( Ana Carolina Machado ), que é uma prostituta que também é amada pelo bicheiro Alves ( Luciano Andrey ), um sujeito violento e perigoso. O cabaré também é frequentado por Linda ( Andrea Marquee ), uma cantora analfabeta que sonha em se tornar uma estrela do rádio, mas enquanto isso faz shows no cabaré e durante o dia trabalha como doméstica na casa de Liduíno. E é de lá que praticamente não sai a esposa de Liduíno, chamada Luzita ( a própria autora do texto, Anna Toledo ), uma mulher oprimida, rancorosa, que implora pela atenção do marido. Há também duas pequenas inserções de um personagem músico, o ´Seu Maestro´, que é interpretado pelo pianista e cantor Guilherme Terra.

Dessa vez eu estou escrevendo sobre um espetáculo em que a temporada ainda está bem no começo, então não vou arriscar contar todo o enredo aqui e eventualmente estragar a surpresa de alguém que leia antes de assistir. Prefiro só registrar que como era de se esperar é uma tragédia, com um final triste, mas até chegar ao fim há momentos de humor e uma reviravolta que eu sinceramente não imaginava. 

Quanto aos atores, na minha opinião o destaque vai para a Ana Carolina Machado, que interpreta a Maria Rosa, o pivô de toda a trama. É ela quem tem mais destaque, e além de linda, interpretou as canções que couberam ao seu personagem muito bem. E por falar em interpretação musical, eu gostei bastante da Andrea Marquee, que representa a cantora e doméstica Linda, e que interpreta suas músicas de um modo que me remeteu à Dalva de Oliveira, com uma dicção muito cuidadosa de casa sílaba. 

O único escorregão a meu ver foi terem utilizado uma das músicas mais bonitas do Lupicínio, ' Volta'  (  aquela que diz: 'Volta, vem viver outra vez ao meu lado / não consigo dormir sem teu braço / pois meu corpo está acostumado' ), numa voz masculina, no caso do 'Sr. Lidu', o Jonathas Joba. Para mim é muito claro que essa letra deveria ter sido interpretada por uma mulher e não por um homem, achei que não encaixou bem. Mas por outro lado, ouvir ´Cadeira Vazia´ em um dueto, numa cena em que víamos duas realidades simultâneas sendo apresentadas ( ao mesmo tempo a esposa Luzita e o bicheiro Alves cantam essa música) foi muito legal. Algumas outras músicas me surpreenderam, as interpretações me fizeram entender as letras do Lupicínio de maneira diferente.

Enfim, o conjunto todo da obra é muito bom, estou pensando mesmo em assistir novamente. É uma história doída, os personagens sofrem por amor, desilusão, traição, intrigas, fofocas, ambição, desesperança, arrependimento... enfim, um clima que lembra outro Rodrigues genial, o Nelson. Mas a gente sai do espetáculo contente, feliz com a certeza de ter visto um trabalho muito bem feito em todos os aspectos, com uma unidade que eu não imaginava ser possível entre o texto e as músicas, que por mais que versem sobre o universo típico do Lupicínio, não foram criadas para isso. A Anna Toledo conseguiu inclusive colocar na história com muita propriedade o primeiro sucesso do Lupicínio, e que tem uma ´pegada´ diferente das músicas ´de cabaré´: um dos momentos mais lindos da peça é quando as irmãs Maria ( acabei de dar uma dica sobre a reviravolta da trama... )  cantam ´Felicidade´ em dueto, relembrando a sua infância. 

Outra coisa: a direção é de André Dias, que por coincidência estava na última peça que assisti antes de ´Vingança´ ( o também musical ´Quase Normal´ ) onde ele aparecia em cena interpretando os dois médicos. Aliás, não resisto a comentar: se comparar as canções dos dois musicais, coitados dos americanos, é até covardia fazer isso...




´Vingança, o Musical´
Com Ana Carolina Machado, Andrea Marquee, Anna Toledo, Jonathas Joba, Luciano Andrey, Sergio Rufino
Direção de André Dias
Idealização e texto de Anna Toledo
Músicas de Lupicínio Rodrigues
CCBB, SP, até 04/jul/13

sábado, 4 de maio de 2013

Quase Normal

'Quase Normal' está em cartaz no Teatro Faap, em Higienópolis:



É um musical em dois atos que trata da bipolaridade, um distúrbio psicológico que está cada vez mais ´na moda´.  As críticas que eu  havia lido eram todas com elogios à montagem,  e na lista de 10 melhores peças de 2012 do jornal ´O Globo´, essa foi uma das escolhidas ( houve uma temporada no Rio, antes da montagem em São Paulo ). As músicas são interpretadas ao vivo, por um conjunto que fica no segundo andar do cenário, que aliás, apesar de ser único durante os dois atos, achei bem interessante. Na parte de baixo vemos uma sala de jantar / cozinha de uma residência, sendo que à direita do palco há uma escada fixa e do outro lado uma escada móvel, que em alguns momentos muda de lugar. As duas dão acesso a uma passarela que no desenrolar da história tanto pode ser o corredor da casa quanto uma sala de treinamento de um conservatório, ou mesmo uma pista de dança de uma boate. Por trás dessa passarela há tecidos serigrafados, por onde a iluminação deixa transparecer em determinados momentos a presença dos músicos que executam a trilha sonora ao vivo.  E na frente dessa mesma passarela há também tecidos móveis que sobem e descem, abrindo todo o espaço à visão do espectador ou somente determinados módulos.

Então, por isso tudo, eu estava com uma ótima expectativa para o que iria assistir. Mas no final saí um tanto decepcionado, não achei a peça tão boa não... pelo seguinte:  as interpretações são ok, com o óbvio destaque da protagonista Vanessa Gerbelli; o cenário é bem bolado, os figurinos são adequados, a iluminação é ótima, dialoga bem com os figurinos e cenário, mas o principal de um musical, as músicas...  aiaiaiai. ´Quase Normal´ também pode ser chamada de ´Ópera Rock´, mas o rock apresentado é bastante pueril. São duas horas e meia de músicas, mas não se salva uma. Na verdade é mais um ´teatro cantado´,  salvo raros comentários do personagem médico e mais algumas coisinhas, quase tudo é dito através de músicas, mas elas não empolgam. O que quero dizer é que não tem nenhuma música que também ´funcione´ de forma autônoma, que possa ser escutada fora do espetáculo. Na entrada a produção vende camisetas do espetáculo ( e também o programa ) mas não vendem cds com a trilha sonora, e não há razão mesmo para isso. Eu logo cansei do formato apresentado, a impressão que eu tive é de que estava vendo a um daqueles clipes de ´Disney XD´, canal de tv a cabo que minha filha assiste... Ou seja, uma música infantilizada, com a emoção pasteurizada, arroubos fáceis e que a partir da 2a ou 3a  música, você já é capaz de entender a estrutura e ´adivinhar´  o que vem a seguida. Por isso o meu enfado com a parte musical do espetáculo...

A história é basicamente a seguinte: a dona de casa Diana Goodman ( Vanessa Gerbelli ) de uma família aparentemente ´normal´, na verdade sofre de transtorno bipolar. E essa mulher, mesmo depois de 16 anos de tratamento com vários remédios e vários médicos, ainda não reencontrou o seu equilíbrio.  O marido Dan Goodman ( Cristiano Gualda ) é quase um super-herói sempre ao lado da mulher para o que der e vier, e que mantém seus votos de estar ao lado das esposa ´na alegria e na dor´ custe o que custar. Claro que com uma dinâmica familar complicada pela doença da esposa, a filha do casal, Natalie ( Carol Futuro ) é uma adolescente problemática, carente e fechada. Também há o filho, Gabriel Goodman ( Olavo Cavalheiro ), que é a alegria da mãe, mas que depois de um tempo acabamos descobrindo que na verdade esse filho é uma alucinação da mente de Diana, pois na verdade ele morreu com oito meses de idade. E provavelmente esse foi o ´gatilho´ que desencadeou o desenvolvimento da doença, ou seja, além de bipolar, Diana também é esquizofrênica, tem uma alteração no contato com a realidade. E com o tempo, vai se tornando cada vez mais depressiva. Há também os médicos, ambos interpretados por André Dias, que com a barba e o cabelo comprido, me deu a impressão de psicólogo argentino, e Henry ( Victor Maia ), o músico relaxado e usuário de maconha que se torna namorado de Natalie. 

No desenrolar da peça acompanhamos os tratamentos de Diana, com os remédios sendo prescritos por tentativa e erro, a ´não-aderência´ da paciente ao tratamento, que em sua recusa de tomar os remédios conforme prescritos acaba tendo uma crise e tenta o suicídio, e depois disso vem a internação e o tratamento por eletroconvulsoterapia, com a consequente perda de memória, e depois acompanhamos o rearranjo familiar ao receber em casa uma mãe que não é capaz nem de lembrar de sua filha, nem de sua casa. E paralelamente a isso tudo descobrimos a verdadeira história de Gabriel, o filho morto ainda bebê, mas que nas alucinações da mãe aparece já crescido, e que dialoga e influencia Diana. Também vemos o início do relacionamento entre Natalie e Henry, dois adolescentes de personalidades opostas que se conhecem em um conservatório musical ( ela muito compenetrada em seus estudos de música clássica, ele muito relaxado com seu jazz e sua maconha ).

Eu não sou psicólogo, não tenho nenhuma formação na área, mas já tive a experiência de conviver com portadores de transtorno bipolar, e sou filho de uma psicóloga que trata de pessoas com esse problema. Então, por saber um pouco sobre o tema, acho que ficou faltando no texto os momentos de euforia para caracterizar melhor essa doença, pois afinal bipolaridade é exatamente isso, a alteração brusca e radical nos estados de humor. Tirando uma pequena referência no início do espetáculo, onde numa canção se fala dos gastos no cartão de crédito, não lembro de mais nenhuma referência a esse aspecto da doença. É claro que a peça também não tem que ser didática, mas imagino que esses momentos de euforia poderiam ser representados com muito humor ( na vida real, tem coisas que essas pessoas fazem que de tão absurdas são mesmo engraçadas ).

Como já falei do que não gostei, quero falar dos aspectos positivos. A personagem principal, Diana, é a de personalidade mais rica e por isso mesmo a mais difícil e o melhor veículo para a expressão de um ator, e a Vanessa Gerbelli se sai muito bem. Sem dúvida ela é o grande destaque, é quem dá sentido ao espetáculo.  Não que alguém na peça esteja atuando mal, comprometendo o conjunto, mas o que menos me impressionou foi o Olavo Cavalheiro ( o filho, Gabriel ), talvez por seu papel ser muito previsível, e as suas interferências musicais mais ainda. O pai, Cristiano Gualda, também tem seus bons momentos, apesar do personagem ser muito mais ´plano´ do que a Diana, e a mesma coisa pode ser dita sobre André Dias. O jovem casal representado por Carol Futuro e Victor Maia vão muito bem, entre os coadjuvantes são eles quem se destacam em suas atuações, principalmente Victor, que consegue passar a alienação descompromissada de seu personagem, mas também o carinho e a solidariedade nos momentos difíceis por que passa a sua namorada. Musicalmente, se nenhum chega a ser brilhante, também não comprometem.

Algo que dessa vez me chamou muito a atenção foi a iluminação. Além de obviamente marcar as cenas e ajudar na configuração do espaço da boate, por exemplo, no início do texto eu afirmei que ela dialogava muito bem com a cenografia e os figurinos. Isso porque em vários momentos os personagens se vestem com roupas em tom de vermelho-violeta, e a iluminação incidindo sobre os degraus da escada fixa, fazia com que eles se aproximassem bastante dos tons das roupas, dando uma unidade em cena que era muito interessante. O cenário, que já descrevi, também era bem montado, com muitas variações do espaço dadas através da movimentação de panos, escada e mesa de jantar, em cima de um cenário fixo.

Então, por tudo isso, não posso dizer que a peça tenha sido ruim. As músicas sim, a meu ver, deixam muito a desejar. E pra terminar, quero fazer alguns comentários sobre o Teatro Faap, pois nesse ano foi a primeira vez que estive lá.

O teatro é o auditório da Faap, instalada num bairro ´nobre´ de São Paulo. O acesso de carro é fácil, e agora dá para usar o estacionamento da própria faculdade, que conta com o sistema ´Sem Parar´.  Achei o preço bastante salgado ( 20 reais ), mas não há muitas alternativas, já que os carros dos estudantes ocupam todas as vagas do entorno e para conseguir estacionar livremente teria que deixar o carro bem longe. Antigamente não havia esse estacionamento pago, mas no acesso direto do teatro à rua havia algumas poucas vagas gratuitas. Isso acabou, ontem eu fui orientado a entrar por dentro do prédio da Faap mesmo, o que não deixa de ser interessante, no caminho para o subsolo onde está localizado o teatro passamos pelo hall monumental da faculdade, que conta com reproduções dos profetas de Aleijadinho e de algumas portadas de igrejas de Minas Gerais. Mas por outro lado, poderia haver um acesso direto do estacionamento, pois somos obrigados a subir pela rampa de veículos até a calçada, e depois voltar para o prédio. Felizmente, não estava chovendo.

Lá dentro da sala de espetáculos, se o espaço entre as poltronas não é generoso, também não chega a comprometer o conforto. A boca de cena é bem larga, maior do que a de muitas outras salas de São Paulo. Nessa peça o cenário não explorava muito a profundidade do palco, mas do que me lembro de outras peças vistas na Faap, o palco é realmente grande, além de largo é também bem profundo. 

Mas outra coisa que me chamou a atenção nesse dia é que apesar de estar no final da temporada em São Paulo, já estando a três meses em cartaz, a platéia estava bastante cheia, pelo menos 80% dos assentos estavam ocupados. É muito bom ver que isso acontece, mesmo eu não tendo gostado muito dessa peça, casa cheia é a garantia de que teremos mais espetáculos - e isso me interessa.

Ah, e mais um comentário, sem juízo de valor: o texto é norte-americano, se fosse brasileiro com certeza nas aparições do filho morto haveria uma sugestão de tratamento espiritual, com médiuns ou pais de santo. Mas esse aspecto não é abordado em nenhum momomento do texto. Há sim uma fala no final, em que a Diana diz ao médico que não adianta ele tentar curar a sua mente, já que sua doença é da alma, mas isso não se traduz em nenhuma sugestão de tratamento espiritual, ou religioso.




Quase Normal 
Com Vanessa Gerbelli, Cristiano Gualda, Olavo Cavalheiro, Carol Futuro, Victor Maia e André Dias
Direção de Tadeu Aguiar
Texto e Letras de Brian Yorkey, com versão brasileira de Tadeu Aguiar
Música de Tom Kitt
Teatro Faap, SP, até 12/mai/13