sexta-feira, 10 de maio de 2013

Vingança, o Musical

Muito bom o espetáculo, esse ´Vingança, o Musical´:




Eu sou ´meio´  fanático por MPB, e por isso o meu interesse em assistir a essa peça quando fiquei sabendo que era baseada nas canções do Lupicínio Rodrigues. Além do mais ir ao Centro Cultural Banco do Brasil é sempre um passeio legal, apesar de que dessa vez não consegui chegar com muita antecedência e não deu para ver as exposições que estão em cartaz lá. O CCBB fica bem no centro antigo de São Paulo, onde as ruas foram transformadas em calçadões, e portanto não há como chegar de carro. Existe um serviço de vans a partir de um estacionamento, mas fica na Consolação, um tanto longe...  o melhor mesmo é ir de metrô, ou se for de carro como eu fui, deixar estacionado na Rua Líbero Badaró já perto da Praça do Patriarca, assim não é necessário andar muito.

O CCBB está instalado numa antiga agência do Banco do Brasil, num prédio do início do século XX, período do ecletismo na arquitetura. O grande charme do edifício é o hall, com uma clarabóia que ilumina o vão central de todos os cinco andares. Só o prédio já vale a visita.  O teatro se não me engano fica no quarto andar e é pequeno, com as poltronas dispostas entre platéia e balcão. Não sei por qual motivo, mas nas posições centrais das fileiras A e B não existem algumas poltronas instaladas, então eles colocam cadeiras nesses lugares. Em todo caso como essas fileiras são muito próximas ao palco, que é relativamente alto, então nunca são mesmo os melhores lugares. Mas de maneira geral o teatro oferece um bom nível de conforto para a platéia, apesar de como quase sempre acontece, o espaço dos corredores entre as fileiras poderia ser um pouco maior. De qualquer maneira as poltronas são agradáveis e como o teatro é pequeno quem senta na platéia tem sempre uma boa visão do palco em qualquer posição. Já no balcão eu nunca fui, e não posso opinar.

Mas o que interessa mesmo é o espetáculo, e foi muito bom. Como já disse, pelo fato de gostar muito de MPB e conhecer pelo menos todos os grandes sucessos do Lupicínio, eu me interessei bastante em ver essa peça. E se o interesse for grande mas o espetáculo não corresponder, a decepção também pode ser grande, mas absolutamente não foi o caso. Musicalmente as interpretações não chegaram a me impressionar, mas também não foram ruins. O que me chamou mais a atenção foi como a partir das músicas do Lupicínio a autora do texto, Anna Toledo, conseguiu criar uma história muito bem montada, um ´sexteto amoroso´ que tem seus momentos de reviravolta como todo bom folhetim, e que prende a atenção independentemente da música apresentada. Se eu não conhecesse as músicas do Lupicínio, poderia até imaginar que foram feitas exclusivamente para essa peça, de tão bem que a trama se encaixa com elas.

Quando as cortinas se abrem, o palco está tomado por um pequeno conjunto de bateria, piano e violão ao fundo, e nas laterais existem duas penteadeiras,  uma em cada lado, que durante a peça vão fazer as vezes também de balcão de bar. No centro há algumas cadeiras, e todo o perímetro da cena é delimitado por cortinas altas, de veludo. As cortinas, o mobiliário, e claro, a iluminação, dão um ar de cabaré ao palco, o que era de se esperar. 

A história que costura as músicas começa no bar/cabaré do personagem Orlando ( Sérgio Rufino ), onde se desenrola boa parte da trama. Lá é o principal espaço onde os personagens se relacionam: o próprio Orlando, um solteirão que ainda na maturidade sonha com a mulher por quem se apaixonou na juventude; Liduíno, ou ´Seu Lidu´, ( Jonathas Joba ), um boêmio inveterado, machista ao extremo para os padrões de hoje, que tem sua mulher em casa como uma base afetiva e que lhe dá conforto, mas que vive na noite, trocando de amantes. No momento ele está apaixonado por Maria Rosa ( Ana Carolina Machado ), que é uma prostituta que também é amada pelo bicheiro Alves ( Luciano Andrey ), um sujeito violento e perigoso. O cabaré também é frequentado por Linda ( Andrea Marquee ), uma cantora analfabeta que sonha em se tornar uma estrela do rádio, mas enquanto isso faz shows no cabaré e durante o dia trabalha como doméstica na casa de Liduíno. E é de lá que praticamente não sai a esposa de Liduíno, chamada Luzita ( a própria autora do texto, Anna Toledo ), uma mulher oprimida, rancorosa, que implora pela atenção do marido. Há também duas pequenas inserções de um personagem músico, o ´Seu Maestro´, que é interpretado pelo pianista e cantor Guilherme Terra.

Dessa vez eu estou escrevendo sobre um espetáculo em que a temporada ainda está bem no começo, então não vou arriscar contar todo o enredo aqui e eventualmente estragar a surpresa de alguém que leia antes de assistir. Prefiro só registrar que como era de se esperar é uma tragédia, com um final triste, mas até chegar ao fim há momentos de humor e uma reviravolta que eu sinceramente não imaginava. 

Quanto aos atores, na minha opinião o destaque vai para a Ana Carolina Machado, que interpreta a Maria Rosa, o pivô de toda a trama. É ela quem tem mais destaque, e além de linda, interpretou as canções que couberam ao seu personagem muito bem. E por falar em interpretação musical, eu gostei bastante da Andrea Marquee, que representa a cantora e doméstica Linda, e que interpreta suas músicas de um modo que me remeteu à Dalva de Oliveira, com uma dicção muito cuidadosa de casa sílaba. 

O único escorregão a meu ver foi terem utilizado uma das músicas mais bonitas do Lupicínio, ' Volta'  (  aquela que diz: 'Volta, vem viver outra vez ao meu lado / não consigo dormir sem teu braço / pois meu corpo está acostumado' ), numa voz masculina, no caso do 'Sr. Lidu', o Jonathas Joba. Para mim é muito claro que essa letra deveria ter sido interpretada por uma mulher e não por um homem, achei que não encaixou bem. Mas por outro lado, ouvir ´Cadeira Vazia´ em um dueto, numa cena em que víamos duas realidades simultâneas sendo apresentadas ( ao mesmo tempo a esposa Luzita e o bicheiro Alves cantam essa música) foi muito legal. Algumas outras músicas me surpreenderam, as interpretações me fizeram entender as letras do Lupicínio de maneira diferente.

Enfim, o conjunto todo da obra é muito bom, estou pensando mesmo em assistir novamente. É uma história doída, os personagens sofrem por amor, desilusão, traição, intrigas, fofocas, ambição, desesperança, arrependimento... enfim, um clima que lembra outro Rodrigues genial, o Nelson. Mas a gente sai do espetáculo contente, feliz com a certeza de ter visto um trabalho muito bem feito em todos os aspectos, com uma unidade que eu não imaginava ser possível entre o texto e as músicas, que por mais que versem sobre o universo típico do Lupicínio, não foram criadas para isso. A Anna Toledo conseguiu inclusive colocar na história com muita propriedade o primeiro sucesso do Lupicínio, e que tem uma ´pegada´ diferente das músicas ´de cabaré´: um dos momentos mais lindos da peça é quando as irmãs Maria ( acabei de dar uma dica sobre a reviravolta da trama... )  cantam ´Felicidade´ em dueto, relembrando a sua infância. 

Outra coisa: a direção é de André Dias, que por coincidência estava na última peça que assisti antes de ´Vingança´ ( o também musical ´Quase Normal´ ) onde ele aparecia em cena interpretando os dois médicos. Aliás, não resisto a comentar: se comparar as canções dos dois musicais, coitados dos americanos, é até covardia fazer isso...




´Vingança, o Musical´
Com Ana Carolina Machado, Andrea Marquee, Anna Toledo, Jonathas Joba, Luciano Andrey, Sergio Rufino
Direção de André Dias
Idealização e texto de Anna Toledo
Músicas de Lupicínio Rodrigues
CCBB, SP, até 04/jul/13

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