'Quase Normal' está em cartaz no Teatro Faap, em Higienópolis:
É um musical em dois atos que trata da bipolaridade, um distúrbio psicológico que está cada vez mais ´na moda´. As críticas que eu havia lido eram todas com elogios à montagem, e na lista de 10 melhores peças de 2012 do jornal ´O Globo´, essa foi uma das escolhidas ( houve uma temporada no Rio, antes da montagem em São Paulo ). As músicas são interpretadas ao vivo, por um conjunto que fica no segundo andar do cenário, que aliás, apesar de ser único durante os dois atos, achei bem interessante. Na parte de baixo vemos uma sala de jantar / cozinha de uma residência, sendo que à direita do palco há uma escada fixa e do outro lado uma escada móvel, que em alguns momentos muda de lugar. As duas dão acesso a uma passarela que no desenrolar da história tanto pode ser o corredor da casa quanto uma sala de treinamento de um conservatório, ou mesmo uma pista de dança de uma boate. Por trás dessa passarela há tecidos serigrafados, por onde a iluminação deixa transparecer em determinados momentos a presença dos músicos que executam a trilha sonora ao vivo. E na frente dessa mesma passarela há também tecidos móveis que sobem e descem, abrindo todo o espaço à visão do espectador ou somente determinados módulos.
Então, por isso tudo, eu estava com uma ótima expectativa para o que iria assistir. Mas no final saí um tanto decepcionado, não achei a peça tão boa não... pelo seguinte: as interpretações são ok, com o óbvio destaque da protagonista Vanessa Gerbelli; o cenário é bem bolado, os figurinos são adequados, a iluminação é ótima, dialoga bem com os figurinos e cenário, mas o principal de um musical, as músicas... aiaiaiai. ´Quase Normal´ também pode ser chamada de ´Ópera Rock´, mas o rock apresentado é bastante pueril. São duas horas e meia de músicas, mas não se salva uma. Na verdade é mais um ´teatro cantado´, salvo raros comentários do personagem médico e mais algumas coisinhas, quase tudo é dito através de músicas, mas elas não empolgam. O que quero dizer é que não tem nenhuma música que também ´funcione´ de forma autônoma, que possa ser escutada fora do espetáculo. Na entrada a produção vende camisetas do espetáculo ( e também o programa ) mas não vendem cds com a trilha sonora, e não há razão mesmo para isso. Eu logo cansei do formato apresentado, a impressão que eu tive é de que estava vendo a um daqueles clipes de ´Disney XD´, canal de tv a cabo que minha filha assiste... Ou seja, uma música infantilizada, com a emoção pasteurizada, arroubos fáceis e que a partir da 2a ou 3a música, você já é capaz de entender a estrutura e ´adivinhar´ o que vem a seguida. Por isso o meu enfado com a parte musical do espetáculo...
A história é basicamente a seguinte: a dona de casa Diana Goodman ( Vanessa Gerbelli ) de uma família aparentemente ´normal´, na verdade sofre de transtorno bipolar. E essa mulher, mesmo depois de 16 anos de tratamento com vários remédios e vários médicos, ainda não reencontrou o seu equilíbrio. O marido Dan Goodman ( Cristiano Gualda ) é quase um super-herói sempre ao lado da mulher para o que der e vier, e que mantém seus votos de estar ao lado das esposa ´na alegria e na dor´ custe o que custar. Claro que com uma dinâmica familar complicada pela doença da esposa, a filha do casal, Natalie ( Carol Futuro ) é uma adolescente problemática, carente e fechada. Também há o filho, Gabriel Goodman ( Olavo Cavalheiro ), que é a alegria da mãe, mas que depois de um tempo acabamos descobrindo que na verdade esse filho é uma alucinação da mente de Diana, pois na verdade ele morreu com oito meses de idade. E provavelmente esse foi o ´gatilho´ que desencadeou o desenvolvimento da doença, ou seja, além de bipolar, Diana também é esquizofrênica, tem uma alteração no contato com a realidade. E com o tempo, vai se tornando cada vez mais depressiva. Há também os médicos, ambos interpretados por André Dias, que com a barba e o cabelo comprido, me deu a impressão de psicólogo argentino, e Henry ( Victor Maia ), o músico relaxado e usuário de maconha que se torna namorado de Natalie.
No desenrolar da peça acompanhamos os tratamentos de Diana, com os remédios sendo prescritos por tentativa e erro, a ´não-aderência´ da paciente ao tratamento, que em sua recusa de tomar os remédios conforme prescritos acaba tendo uma crise e tenta o suicídio, e depois disso vem a internação e o tratamento por eletroconvulsoterapia, com a consequente perda de memória, e depois acompanhamos o rearranjo familiar ao receber em casa uma mãe que não é capaz nem de lembrar de sua filha, nem de sua casa. E paralelamente a isso tudo descobrimos a verdadeira história de Gabriel, o filho morto ainda bebê, mas que nas alucinações da mãe aparece já crescido, e que dialoga e influencia Diana. Também vemos o início do relacionamento entre Natalie e Henry, dois adolescentes de personalidades opostas que se conhecem em um conservatório musical ( ela muito compenetrada em seus estudos de música clássica, ele muito relaxado com seu jazz e sua maconha ).
Eu não sou psicólogo, não tenho nenhuma formação na área, mas já tive a experiência de conviver com portadores de transtorno bipolar, e sou filho de uma psicóloga que trata de pessoas com esse problema. Então, por saber um pouco sobre o tema, acho que ficou faltando no texto os momentos de euforia para caracterizar melhor essa doença, pois afinal bipolaridade é exatamente isso, a alteração brusca e radical nos estados de humor. Tirando uma pequena referência no início do espetáculo, onde numa canção se fala dos gastos no cartão de crédito, não lembro de mais nenhuma referência a esse aspecto da doença. É claro que a peça também não tem que ser didática, mas imagino que esses momentos de euforia poderiam ser representados com muito humor ( na vida real, tem coisas que essas pessoas fazem que de tão absurdas são mesmo engraçadas ).
Como já falei do que não gostei, quero falar dos aspectos positivos. A personagem principal, Diana, é a de personalidade mais rica e por isso mesmo a mais difícil e o melhor
veículo para a expressão de um ator, e a Vanessa Gerbelli se sai muito bem. Sem dúvida ela é o grande destaque, é quem dá sentido ao espetáculo. Não que alguém na peça esteja atuando mal, comprometendo o conjunto, mas o que menos me impressionou foi o Olavo Cavalheiro ( o filho, Gabriel ), talvez por seu papel ser muito previsível, e as suas interferências musicais mais ainda. O pai, Cristiano Gualda, também tem seus bons momentos, apesar do personagem ser muito mais ´plano´ do que a Diana, e a mesma coisa pode ser dita sobre André Dias. O jovem casal representado por Carol Futuro e Victor Maia vão muito bem, entre os coadjuvantes são eles quem se destacam em suas atuações, principalmente Victor, que consegue passar a alienação descompromissada de seu personagem, mas também o carinho e a solidariedade nos momentos difíceis por que passa a sua namorada. Musicalmente, se nenhum chega a ser brilhante, também não comprometem.
Algo que dessa vez me chamou muito a atenção foi a iluminação. Além de obviamente marcar as cenas e ajudar na configuração do espaço da boate, por exemplo, no início do texto eu afirmei que ela dialogava muito bem com a cenografia e os figurinos. Isso porque em vários momentos os personagens se vestem com roupas em tom de vermelho-violeta, e a iluminação incidindo sobre os degraus da escada fixa, fazia com que eles se aproximassem bastante dos tons das roupas, dando uma unidade em cena que era muito interessante. O cenário, que já descrevi, também era bem montado, com muitas variações do espaço dadas através da movimentação de panos, escada e mesa de jantar, em cima de um cenário fixo.
Então, por tudo isso, não posso dizer que a peça tenha sido ruim. As músicas sim, a meu ver, deixam muito a desejar. E pra terminar, quero fazer alguns comentários sobre o Teatro Faap, pois nesse ano foi a primeira vez que estive lá.
O teatro é o auditório da Faap, instalada num bairro ´nobre´ de São Paulo. O acesso de carro é fácil, e agora dá para usar o estacionamento da própria faculdade, que conta com o sistema ´Sem Parar´. Achei o preço bastante salgado ( 20 reais ), mas não há muitas alternativas, já que os carros dos estudantes ocupam todas as vagas do entorno e para conseguir estacionar livremente teria que deixar o carro bem longe. Antigamente não havia esse estacionamento pago, mas no acesso direto do teatro à rua havia algumas poucas vagas gratuitas. Isso acabou, ontem eu fui orientado a entrar por dentro do prédio da Faap mesmo, o que não deixa de ser interessante, no caminho para o subsolo onde está localizado o teatro passamos pelo hall monumental da faculdade, que conta com reproduções dos profetas de Aleijadinho e de algumas portadas de igrejas de Minas Gerais. Mas por outro lado, poderia haver um acesso direto do estacionamento, pois somos obrigados a subir pela rampa de veículos até a calçada, e depois voltar para o prédio. Felizmente, não estava chovendo.
Lá dentro da sala de espetáculos, se o espaço entre as poltronas não é generoso, também não chega a comprometer o conforto. A boca de cena é bem larga, maior do que a de muitas outras salas de São Paulo. Nessa peça o cenário não explorava muito a profundidade do palco, mas do que me lembro de outras peças vistas na Faap, o palco é realmente grande, além de largo é também bem profundo.
Mas outra coisa que me chamou a atenção nesse dia é que apesar de estar no final da temporada em São Paulo, já estando a três meses em cartaz, a platéia estava bastante cheia, pelo menos 80% dos assentos estavam ocupados. É muito bom ver que isso acontece, mesmo eu não tendo gostado muito dessa peça, casa cheia é a garantia de que teremos mais espetáculos - e isso me interessa.
Ah, e mais um comentário, sem juízo de valor: o texto é norte-americano, se fosse brasileiro com certeza nas aparições do filho morto haveria uma sugestão de tratamento espiritual, com médiuns ou pais de santo. Mas esse aspecto não é abordado em nenhum momomento do texto. Há sim uma fala no final, em que a Diana diz ao médico que não adianta ele tentar curar a sua mente, já que sua doença é da alma, mas isso não se traduz em nenhuma sugestão de tratamento espiritual, ou religioso.
Quase Normal
Com Vanessa Gerbelli, Cristiano Gualda, Olavo Cavalheiro, Carol Futuro, Victor Maia e André Dias
Direção de Tadeu Aguiar
Texto e Letras de Brian Yorkey, com versão brasileira de Tadeu Aguiar
Música de Tom Kitt
Teatro Faap, SP, até 12/mai/13
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