segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Deus é um DJ

A ´maldição´ do Teatro Jaraguá continua...



A ´maldição´  é a seguinte: até hoje não consegui assistir a uma peça de que realmente gostasse nesse teatro. Sei que a culpa também é minha, lá já estiveram em cartaz, entre outras,  ´Nara´, mas essa eu assisti no Teatro Augusta,  ´Em nome do Jogo´, que parece que foi muito boa e eu perdi. Medianas, assisti no Teatro Jaraguá ´Segredo entre mulheres´ e ´Guarde um beijo meu´, que era uma peça para adolescentes, feita por jovens atores, então foi mais ou menos como assistir a um espetáculo escolar - nem conta muito. Agora, a lista de ´roubadas´ em que já me meti nesse espaço é longa: ´Pessoas absurdas´, ´Três homens baixos´, ´Os Penetras´  e a hors-concours ´Manual Prático da Mulher Desesperada´,  a atuação mais bisonha que já vi, com a Adriana Biroli.  Meu consolo é que em nenhum desses desastres eu cheguei a pagar o ingresso...

Sobre o espaço do Teatro Jaraguá, no qual fiz minha primeira visita nesse ano, é um teatro que fica no subsolo do hotel de mesmo nome, no Centro de São Paulo. Há dificuldade para estacionar, já que costumo ir de carro: existe um serviço de valet do próprio hotel, mas muito caro. Deixar na rua é complicado porque sempre há ´flanelinhas´  para achacar os motoristas, então o jeito é deixar o carro em um estacionamento próximo. O teatro, que também é usado para convenções do hotel, fica no segundo sub-solo e tem um foyer com aqueles carpetes incrivelmente desenhados de hotéis internacionais. Na minha humilde opinião, um horror... mas pelo menos há um bom número de poltronas e cadeiras, e quase sempre dá para esperar o início da peça sentado. Lá embaixo não tem bar, e nem mesmo um bebedouro onde se possa aliviar a sede. Como tenho o costume de beber bastante água, tenho que lembrar sempre de levar uma garrafinha comigo. Por outro lado, o fato do teatro ficar no subsolo tem uma grande vantagem: não há sinal de celular! É muito mais difícil algum aparelho tocar, ou mesmo ter que aguentar a tela azul do Facebook no smartphone de quem está sentado à sua frente. E lá dentro, o conforto das poltronas é razoável, o mobiliário foi bem escolhido, mas poderia haver alguns centímetros a mais entre as fileiras.

Mas o que interessa mesmo é a peça. Foi a estréia na direção do escritor Marcelo Rubens Paiva, uma pessoa a quem admiro, e foi essa a razão que me levou a ver esse espetáculo, já que o universo dos DJs e da música eletrônica não é bem minha praia. A peça já começa de um jeito interessante: o casal de atores entra, se acomoda numa chaise, e fica ali, ouvindo música enquanto o pessoal se acomoda na platéia. Depois, vem a apresentação muito espontânea do Marcos Damico e da Guta Ruiz, que interagem com o público, e chegam a incentivar que todos tirem fotos com seus celulares e postem nas redes sociais, principalmente no Instagram. Em seguida acontece quase um monólogo do Marcos, que se apresenta como sendo um DJ e vai contando de sua grande viagem pelos Estados Unidos, das experiências inesquecíveis que teve por lá, de como foi roubado por uma garota, e aí vem o gancho para que a Guta entre na ´conversa´ entre o DJ e o público, e demonstrando certo ciúme, inicia uma pequena discussão. Depois que esse assunto é superado, é a vez dela de se apresentar, e aí ficamos sabendo que ela é uma VJ, que teve um programa na tv fechada que durava horas, no qual ela ficava falando sem parar, qualquer coisa que passasse pela sua cabeça. E ela acredita que fez sucesso, e que é reconhecida por isso...

O cenário, além da chaise onde começa a peça, conta com um telão ao fundo e uma mesa com vários equipamentos eletrônicos à esquerda: tv, notebook, tablet, mesa de mixagem, câmera de vídeo... e esses equipamentos vão sendo manipulados pelo Marcos durante a peça, imagens que são captadas ao vivo são transmitidas para o telão e a tv. Aliás, a apresentação em que estive presente foi a última da temporada, e a webcam falhou algumas vezes. Eles não perderam o rebolado, isso foi incorporado à peça.  Do lado direito há uma parede, de onde sai uma mesa escamoteável que faz as vezes de um fogão cênico, de um modo muito divertido. 

O que vamos acompanhando, depois das devidas apresentações, é o relacionamento entre o casal. Como se conheceram, as incompreensões, as inconfidências, os conflitos e as reconciliações entre os dois, os planos para o futuro ( ela quer ter um filho dele...),  tudo isso através de uma narrativa fragmentada e com o uso intenso dos equipamentos de áudio e vídeo. Essa é a grande sacada da peça, os dois estão em um tipo de ´big brother´, sendo transmitido por um canal de tv a cabo, e fazem tudo em frente à platéia e à câmera. O texto trabalha sempre nessa dualidade: estamos vendo a ´realidade´ de um casal ou o que vemos é uma encenação para um programa de tv? Os personagens são rasteiros em suas ambições e em seu aspecto intelectual, a Guta é louca pela fama, o Marcos é um tipinho que acha que vai mudar o mundo com inserções de batidas eletrônicas em músicas alheias.  Por outro lado, eles desenvolvem um relacionamento amoroso profundo, onde os dois se desnudam totalmente um para o outro, e consequentemente, para a platéia e a tv. 

Eu fiz essa postagem propositadamente citando os nomes dos atores, pois a linha entre representação e realidade é muito tênue nessa peça. Ao final, o Marcos agradece a presença de todos, agradece à equipe técnica pela temporada e fala de sua satisfação em ter a Guta Ruiz como parceira nesse espetáculo, mas exatamente com o mesmo tipo de discurso do seu personagem DJ. Ele estava representando ou estava sendo ele mesmo? Onde termina a ficção, até onde o que ouvimos foi texto do autor alemão Falk Richter, até onde foi a realidade durante aqueles momentos no teatro?

Para quem como eu, não tem especial predileção pelo mundo da ´fama instantânea´ e não está lá muito interessado em discutir a relação entre imagem e realidade, a peça não deixa saudades, mas acho que vale a pena registrar que isso é uma questão muito pessoal minha. Não tenho maior interesse por esse universo, e ponto. Afinal, esse é um blog pessoal, e não de crítica especializada, então acho que cabe sempre colocar a minha opinião sobre o que me satisfez ou não, e afirmar que não saí satisfeito do teatro, mesmo que eu reconheça qualidades na montagem.  A encenação é sim interessante, o recurso dos vídeos ao vivo é muito pertinente. Essa dualidade entre real e ficção é presente o tempo todo, o que também é muito legal. Mas por outro lado, dá a impressão de que estamos vendo um ´big brother´ ao vivo. E para quem encarar o texto como um simulacro do tempo em que vivemos... deixo essa análise para o pessoal de semiótica. 

No final, não vou colocar essa peça como uma das roubadas a que estive presente no Teatro Jaraguá, mas a ´maldição´ de não sair satisfeito daquele teatro continua.




PS: mesmo com a orientação para que os celulares ficassem ligados, nenhum tocou durante a peça... foi ótimo estarem todos sem sinal por alguns minutos. Acho que vou começar uma campanha por bloqueadores de celular em todos os espaços culturais, já que nos presídios eles não funcionam, quem sabe nos teatros...


Deus é um DJ
Com Guta Ruiz e Marcos Damigo
Direção de Marcelo Rubens Paiva
Texto de Falk Richter
Teatro Jaraguá, SP, até 08/set/13


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