sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A Madrinha Embriagada

E lá fui eu assistir a um musical outra vez... pra quem já declarou que não é especialmente fã de musicais, nesse ano estou fora do padrão. Em todo caso,  havia dois bons motivos para assistir a esse espetáculo: era mais um trabalho do Miguel Falabella, e dessa vez os ingressos eram gratuitos. Não vou falar sobre o espaço físico do teatro, já fiz alguns comentários no post sobre ´Lampião e Lancelote´. O público não diferia muito do pessoal que normalmente frequenta o teatro da Fiesp, já que lá os ingressos são sempre a preços populares. E ao contrário do que acontece muitas vezes em espaços mais ´sofisticados´,  o comportamento do pessoal foi exemplar. Não vi ninguém conversando, fotografando, acessando o Facebook durante a peça.



O Sesi-SP bancou a produção, que vai ficar em cartaz durante 11 meses em São Paulo com entrada gratuita. Ao que parece foi feito um investimento de 14 milhões de reais, e que tem como justificativa a ´formação de público´ para os musicais. É claro que sou totalmente a favor desse tipo de investimento, quem dera outras associações também bancassem espetáculos como esse. Mas não dá pra deixar de registrar que a se há algum problema de acesso da população aos musicais em São Paulo não é de falta de público. O público não precisa ser ´formado´, não acredito que as pessoas que não frequentam esses espetáculos não o façam por não compreender o formato, mas sim pela falta de dinheiro para bancar os preços dos ingressos. Mesmo assim, os musicais ficam meses em cartaz, com valores que chegam a quase 300 reais para quem como eu, tem que pagar o ingresso ´inteiro´, sem descontos de idoso ou estudante. Ou seja, acredito que o que limita o acesso a esse tipo de espetáculo é a questão financeira e não o entendimento da obra. Diferente de ópera, por exemplo, onde há um preconceito contra o formato.

Mas esse musical além de ser gratuito, ainda conta com a direção do Miguel Falabella, o que é uma garantia de qualidade. E não me decepcionei... Dessa vez ele não está no palco, mas dá para perceber claramente a mão dele na peça. Claro que não conheço o texto original da Broadway, mas seja como for, duvido que seja melhor do que essa adaptação para a realidade paulistana que o Falabella fez. A peça tem uma certa ´melancolia doce´, em que a gente sente uma saudade do que não viveu, e há também um respeito pelos mais velhos, um olhar generoso sobre as imperfeições humanas, que eu percebo claramente como marcas do trabalho do Falabella.

A peça é um musical dentro de uma outra peça, a gente vai acompanhando um pouco da vida do ´Homem da Poltrona´ ( Ivan Parente ), um divorciado que mora sozinho em seu apartamento, através dos comentários que são feitos diretamente para a platéia, quebrando a ´quarta parede´. Ele herdou da mãe não só uma coleção de discos de vinil antigos como também a paixão pelos velhos musicais.  E ao contar um pouco de sua vida e de seus interesses, é que ele coloca o primeiro LP de um álbum duplo do que seria a gravação original do musical ´A Madrinha Embriagada´, que teria sido apresentado no Theatro São Pedro em 1928. E aí começa a mágica... os personagens vão entrando em cena, e o ´Homem da Poltrona´ não só vai narrando o que vai acontecer no musical, como também tece comentários bastante espirituosos sobre a estrutura desse tipo de espetáculo, as histórias de vida dos velhos atores, as vaidades e pequenas loucuras das atrizes... então, são várias ´camadas´  de histórias que vão sendo apresentadas no palco.

A encenação toda tinha um ar de fantasia. No início, o cenário evoca um salão de festas de um casarão,  que depois vira um dormitório, ou mesmo um salão de festas de um hotel, mas sem procurar reproduzir esses ambientes com minúcias, e sim através de citações visuais. Havia duas saídas ´lúdicas´ do palco, uma geladeira que se transforma em porta, e uma cama que era rotacionada e a base dela era transformada numa parede. Os figurinos, mais uma vez do Fause Haten, assim como em ´Alô Dolly´,  eram incríveis. Os que mais gostei foram os da ´Madame Francisca´ (Ivanna Domenyco ), que logo em sua primeira aparição tem uma fala que se refere diretamente à sua roupa, aos padeiros ( Rafael Machado e Daniel Monteiro ), que ao final do espetáculo reaparecem como bailarinos com um ´collant´  xadrez, em cinza e preto, que remetia ao primeiro figurino da dupla, e ao mordomo Agildo ( Edgar Bustamante ), que na versão brasileira foi transformado em uma citação ( inclusive no corte de cabelo ) àquele personagem que tinha como bordão ´múmia paralítica´, interpretado pelo Agildo Ribeiro - muito legal. Mas os demais personagens, o galã, a musa, em todos a gente percebia a qualidade do trabalho de figurinos muito acima da média.

A peça tem várias piadas, é uma comédia, e não são só piadas faladas, mas gags visuais também. Claro que não vou contar o texto aqui, mas das piadas visuais dá pra falar: tem um momento que achei divertidíssimo, onde o narrador, o homem da poltrona, diz que desgosta de uma cena e por isso acelera a música. Com isso os personagens que estão no palco naquele momento, Agildo e Madame Francisca, também aceleram seus movimentos numa sincronia incrível. Aliás, as marcações de todo o espetáculo são absolutamente precisas, a gente vê a sincronia perfeita em vários momentos. E ia esquecendo de dizer: nas laterais do palco ficam os músicos, em dois tablados mais ou menos a uns três metros de altura. Esses tablados se encaixam na continuidade de algumas paredes cênicas, e são cercados por um tecido semi-transparente. Então, conforme o momento, a iluminação desses tecidos oculta ou revela a presença dos músicos - também achei um recurso muito interessante. 

Ainda nem falei dos personagens principais, Jane Valadão ( Sara Sarres ), Frederico Reuter ( Roberto Marcos, que também estava em Alô Dolly ) e a Madrinha ( Stella Miranda ).  Frederico é um rico herdeiro, um homem praticamente perfeito, bonito, educado... Jane é uma atriz famosíssima, mas que está entediada com sua carreira e quer desistir de tudo para se casar com Frederico, pois se apaixonaram à primeira vista - literalmente. E a Madrinha ( Stella Miranda ) que está no título da peça, é uma senhora que vive embriagada, obviamente, e que colabora para a grande confusão que acontece quando entra em cena o amante latino, o argentino ´Adolpho´ ( Cleto Baccic, que também é responsável pela produção do espetáculo ).  Quem introduz o Adolpho na história é o ´Sr. Iglesias´ ( Saulo Vasconcellos ), o produtor de Jane Valadão, que não quer perder sua principal atriz, e ainda é chantageado pelos padeiros a impedir o casamento de Jane e Frederico de qualquer maneira. É por isso que ele leva Adolpho à casa de Madame Francisca, para seduzir Jane. Mas por um mal-entendido, ele acaba seduzindo a Madrinha... enfim, existem as trapalhadas no enredo que propiciam as reviravoltas cômicas que vão mantendo a peça sempre interessante. Sobre os atores, todos vão muito bem, mas eu acho que os destaques da noite foram a Stella Miranda, o Edgard Bustamante e o Cleto Baccic. O ´Adolpho´  é um tipo desprezível, caricato ao extremo, e por isso mesmo muito divertido. Também muito divertida é a ´Eva´ ( Kiara Sasso ), uma vedete que pretende herdar o lugar de Jane Valadão no estrelato, e que tem uma voz extremamente estridente, irritante. Enfim, é todo um universo lúdico e muito engraçado, o tempo todo tem algo muito interessante acontecendo em cena. 

É tanta coisa que estava esquecendo de comentar: não há intervalo, o Homem da Poltrona reclama que nos intervalos a magia se esvai e voltamos à realidade das filas nos banheiros... Mas em algum momento termina o primeiro LP e ele tem que colocar o segundo, obviamente ( é bom lembrar que a narrativa vai acontecendo como se fosse acompanhando dois LPs ).  Quando entra o segundo disco, há uma mudança de cenário, com uma cortina com padrões que remetem à China - e que não tem nada a ver com o enredo até então. Daí aparecem alguns atores caracterizados como chineses, e tem início uma cena curta, que logo é interrompida pelo Homem da Poltrona ao se desculpar com a platéia: a empregada doméstica que cuida de seu apartamento não tem o cuidado de guardar cada disco em sua respectiva capa, e ele acabou colocando a trilha sonora de outro musical. A cara do Cleto Baccic, caracterizado como chinês, olhando feio para o Homem da Poltrona pelo erro parece coisa de desenho animado. Ou seja, em alguns momentos o narrador e os personagens interagem diretamente, e fica esse jogo metalinguístico - o narrador se dirige à platéia, os personagens se dirigem ao narrador...

Claro que no final do enredo tudo dá certo, com a providencial entrada em cena de ´Dora, a Aviadora´, ( Adriana Capparelli ), que ajuda no desenlace feliz. E se às vezes a gente sai do teatro pensando que o ´final feliz´ é algo um tanto sem graça por muitas vezes ser o óbvio, em ´A Madrinha Embriagada´  existir essa solução de acabar tudo bem é totalmente pertinente. Não teria sentido acompanhar um trabalho de tão alto-astral que terminasse num tom de tristeza. Por mais que haja uma certa melancolia permeando a história, no final a gente sai feliz simplesmente por ter estado presente ao teatro. Foi interessante ver como a platéia saiu cheia de sorrisos, as pessoas realmente curtiram muito o que viram - e eu também.

É tanta coisa que nem falei das músicas: sinceramente, acho que nenhuma tem uma melodia que ´grude´  na cabeça, que faça a gente sair cantarolando depois. Mas funcionam na peça. Aliás, acho até que ao contrário do que o Narrador afirma, e que é comum nos musicais, de que a história é só um pretexto para unir as músicas, nesse caso não foi essa a impressão que tive, tanto que até agora eu nem tinha citado a parte musical. O que não quer dizer que esse aspecto tenha sido ruim, há momentos muito bonitos, com a entrada do ´coro´ em cena, preenchendo todo o palco, e também quando o Frederico e seu amigo Jorge ( Fernando Rocha ), fazem um número de sapateado.


Dessa vez estou comentando sobre um espetáculo que está em início de uma longa temporada, então, a quem ler esse texto, fica a dica: não deixe de ver ´A Madrinha Embriagada´, duvido que não vá se divertir muito.


 A Madrinha Embriagada
Com  Ivan Parente, Roberto Marcos, Stella Miranda, Cleto Baccic, Sara Sarres, Saulo Vasconcellos, Kiara Sasso
Direção e versão brasileira: Miguel Falabella
Texto original de Bob Martin e Don Mc Kellar
Teatro do Sesi - até 29/jun/2014
 




terça-feira, 20 de agosto de 2013

Aida

Fiquei em dúvida se deveria comentar algo sobre a apresentação de Aida, no Teatro Municipal. Afinal, eu não registro aqui os shows ou filmes que assisto. Mas por mais importante que seja a música em uma ópera, ela só se completa com a encenação mesmo. Hoje as músicas embutidas nas óperas são apreciadas como peças autônomas,  mas é sempre bom lembrar que foram criadas para um espetáculo completo, com atores, balés, figurinos, cenários. E se tem uma coisa que me incomoda é o suposto hermetismo das peças líricas. É claro que existem as mais populares, com trechos facilmente reconhecíveis por quem ao menos já tenha tido contato com os desenhos animados do ´Pica-Pau´. Todo mundo já ouviu trechos das ´Bodas de Fígaro´, de ´Cavalleria Rusticana´, e é claro, de ´Aida´, que é uma das obras mais populares de todos os tempos. Então, achei que seria pertinente comentar sobre o que assisti no Municipal de São Paulo. Mesmo porque fiz a assinatura da temporada 2013, e devo ir a mais cinco espetáculos de ópera até o fim do ano, então vai ser bom ter o registro para poder comparar...



Primeiro quero falar sobre o Theatro Municipal de São Paulo, um espaço que é velho conhecido mas que só entra agora nesse blog, pois das outras vezes em que estive lá nesse ano foi para assistir a concertos. O nosso Municipal não é tão luxuoso quanto o do Rio de Janeiro, e se for comparar com o Colón, de Buenos Aires, aí é até covardia...  Mas ainda assim é um belo teatro. Chegar lá já foi pior, o centro de São Paulo agora me parece mais iluminado, mais seguro. Como tem a estação Anhangabaú ali perto, o acesso é fácil para ir de Metrô. Indo de carro, é melhor chegar cedo para se conseguir uma vaga em estacionamento na parte dos fundos do Municipal, por que senão lota, e daí para estacionar na Av. São João já fica meio complicado. Nesse caso, se for para chegar com pouca antecedência, é melhor estacionar do outro lado do Viaduto do Chá e ir a pé até o Municipal. Acho mais seguro, sempre há uma viatura da PM em cada extremidade.

Lá dentro o hall é relativamente acanhado, e o bar, sempre lotado, também é pequeno. Foi reformado há pouco tempo pelos irmãos Campana, e ficou muito bonito. Mas meu lugar preferido do Municipal ainda é o terraço. É de lá que se tem uma bela vista do antigo prédio da Light ( hoje um shopping ), do antigo Mappin, viaduto do Chá, do Anhangabaú...  afinal, não há muitos lugares de acesso ao público de onde se pode ter uma visão do centro de São Paulo, então, quando há oportunidade, temos mais é que aproveitar.  Dentro da sala de espetáculos, em termos de conforto para o espectador, tem de tudo: dos bons lugares nos camarotes, platéia ou balcão nobre, até o auditório, lá em cima, de onde não se vê absolutamente nada do palco. E claro, para quem fica nas extremidades da ´ferradura´ ( que é o formato clássico das casas de ópera ),  independentemente do andar, a visão é prejudicada. Dessa vez meu lugar era central, na fila ´A´ do balcão simples. Claro que se fosse no andar debaixo ( balcão nobre ) a vista seria melhor, mas em todo caso, deu para ver bem. No Municipal é sempre bom sentar na fila ´A´,  para que o espectador da fileira da frente não atrapalhe a visão quando se debruçar no parapeito, o que todo mundo que senta na primeira fileira faz - inclusive eu. E seria bom se houvesse um pouquinho mais de espaço para as pernas, ajudaria muito quando o espetáculo é demorado, e todas as óperas são. Também ajudaria muito para se chegar às poltronas centrais quando já há gente sentada nas extremidades da fileira.

Antes de começar a apresentação, uma boa surpresa: o programa é maravilhoso, lindo, muito bem impresso, com textos interessantes sobre a Aída, sobre Verdi, e além dos tradicionais textos do diretor artístico, dos currículos dos cantores, há também todo o libreto, todo o texto da ópera. Muito legal, tomara que os próximos também sejam assim.

Mas o que interessa mesmo é o espetáculo, e foi muito bom. É claro que eu já conhecia ´Celeste Aida´, e a ´Marcha Triunfal´,  mas é outra coisa ter isso ao vivo. Achei o cenário muito bom, deve ser difícil tratar um tema clássico como esse e não cair no alegórico, no folclórico, e acabar transformando tudo em ´escola de samba´, ou ao contrário, fazer algo tão anódino, tão clean, que acabe não tendo relação com a peça. O cenário era dominado por duas estruturas muito grandes, duas paredes de ´pedra´ em cinza escuro, com inscrições egípcias, claro. Também havia um plano inclinado em formato triangular, que cortava o palco a partir do lado esquerdo. Isso no início, porque o cenário vai se alterando muito durante a encenação. Acho que o momento mais bonito foi quando o exército egípcio é reunido, e vemos o mar de areia do deserto com a céu amarelo, e um foco muito forte projetado no fundo do palco representando o Sol. Mas também foi muito impressionante o trabalho com os alçapões no palco, tem um momento em que quase todo o palco é rebaixado, eu nem imaginava que isso fosse possível. E no final, na última cena, quando o personagem Radamés é encarcerado numa sala que é fechada, para que ele morra ali, também é impressionante. Toda a boca de cena é tomada por uma parede gigante de pedra cinza, com uma pequena ´caverna´ de uns três metros de largura por dois de altura que representa o lugar onde Radamés é enterrado vivo. Mas o detalhe é que essa ´caverna´ está elevada uns três ou quarto metros acima do palco, e a abertura relativamente pequena em relação ao cenário, o tom cinza-chumbo, a iluminação, dão mesmo a sensação de clausura que o personagem vive. 

Os figurinos também são muito bonitos, não são ´fantasias´, e sim roupas que através de adereços remetem ao Antigo Egito. Mas não deixou de ser curioso ver uma das bailarinas, uma que faz uma pequena apresentação de dança e contorcionismo, toda pintada de azul, num tom de lápis-lázuli. Impossível não lembrar do filme ´Avatar´...

Quanto ao desempenho técnico dos cantores, não tenho elementos para julgar se foram muito bem ou não. Mas com certeza, não cometeram nenhum erro flagrante. Na récita em que estive presente, o casal de protagonistas foi representado por Maria Billeri ( Aida ), e Stuart Neill ( Radamés ). O reparo que eu posso fazer é que para os padrões atuais, o ´galã´ Radamés está obeso...  

Acho que os momentos que eu mais curto em óperas são aqueles em que há um grande coral. É incrível ver 90, 100 pessoas no palco cantando, e ´Aida´ propicia isso, principalmente durante a famosíssima ´Marcha Triunfal´. Nesse momento me projetei ao máximo para a frente, debruçado no guarda-corpo, para que o som viesse diretamente aos meus ouvidos, sem interferência alguma.  
A história do amor entre a princesa etíope que é refém no Egito é triste pra caramba, o final é mesmo deprimente para os padrões de hoje, mas deve ter feito muita mocinha suspirar no final do século XIX ( auge do romantismo ), ao ver o casal de protagonistas morrer juntos por causa de seu amor. E Aida parece que são duas peças em uma: o primeiro e o segundo ato ( não houve intervalo entre eles ), são agitados, há a apresentação dos personagens, intrigas, guerra, ciúmes, e isso através de árias, duetos, coro... já depois do intervalo, o terceiro e o quarto atos são quase que ´ópera de câmara´, com um ritmo muito mais lento, canções melancólicas...  é um ´anti-climax´, bastante diferente do que costumamos ver nas montagens de musicais contemporâneos, em que o final é sempre em ´crescendo´.

Pra terminar, um comentário: o maestro John Neschling é que está a partir de 2013 à frente do Theatro Municipal de São Paulo, como seu diretor artístico, e nessas apresentações também como regente da Sinfônica Municipal. Ele que foi o grande responsável pelo reerguimento da Osesp, e espero que tenha o mesmo êxito como comandante do Municipal. Deu para ver que há apoio financeiro para isso, a montagem de Aida foi luxuosa, e acho que há muitos e muitos anos o Municipal não tinha uma programação tão extensa de espetáculos de ópera, com um título por mês de agosto a dezembro de 2013, o que não deve ser fácil de gerenciar.  Então, só posso desejar boa sorte, e estarei lá novamente no mês que vem, dessa vez para conferir Don Giovanni, de Mozart.


 
Aida
Com Maria Billeri e Stuart Neill
Ópera de Giuseppe Verdi, sobre libreto de Antonio Ghislanzoni
Regência de John Neschling
Theatro Municipal de São Paulo, até 25/ago/13





sábado, 10 de agosto de 2013

Rock In Rio

Mais uma vez, um musical. Esse nem estava na minha lista de prioridades, mas apareceu uma oportunidade de ir assistir, e lá fui eu mais uma vez ao Auditório Ibirapuera:



E não me arrependi nem um pouco, foi uma surpresa bastante agradável. Pra começar, ir ao Auditório Ibirapuera é sempre um prazer. Como arquiteto, nem preciso dizer da admiração que tenho pela obra do Niemeyer. E o velhinho mais uma vez acertou em cheio, é incrível ver a simplicidade com que a obra foi composta. Pra chegar a esse nível se síntese, de domínio espacial, só mesmo com muito, muito tempo de prancheta, e claro, um talento absurdo.

Lá dentro, além do foyer lindo com a escultura da Tomie Ohtake, a sala de espetáculos, por onde a gente chega através de uma rampa helicoidal, também é muito interessante. É um espaço muito mais largo do que profundo, com um palco gigante, uma boca de cena que eu acho que não tem igual em São Paulo. E o espaço para a platéia também é generoso, com boas poltronas, bom espaço para as pernas. Eu já havia visto vários shows nesse auditório, mas nunca uma peça de teatro.  E o fato de ser um musical, com bastante gente em cena fazendo o coro, fez com que o palco não ficasse ´sobrando´, o espaço foi bem ocupado durante a encenação.

Logo na primeira cena aparece o protagonista Alef (  Hugo Bonemer ), interpretando ´Pro dia nascer feliz´, do Cazuza e Frejat. Em seguida vão aparecendo outros atores caracterizados como Freddie Mercury, Elton John, Tina Turner... a primeira impressão foi de que assistiria a uma série de ´covers´  dos artistas que se apresentaram nas várias edições do festival. Mas não foi bem assim... 

A história trata do encontro de Alef, um universitário problemático, que deixou de emitir qualquer som desde que seu pai morreu, vítima da ditadura, 15 anos antes. Ele mora com a mãe ( Glória / Lucinha Lins ), professora de Literatura na mesma universidade onde seu filho estuda. Alef passa todo seu tempo livre ouvindo música, é a fuga dele da realidade. Em paralelo, somos também apresentados a Sofia ( Yasmin Gomlevsky ), filha do publicitário Orlando ( Claudio Lins, que só agora imaginei que poderia ser filho da Lucinha Lins  - e é ), que tem um desvio oposto:  desde que sua mãe, que era cantora, desapareceu, ela não suporta mais ouvir música. Daí fica na cara de que no final da história os dois jovens vão se encontrar e complementar um ao outro, e talvez mesmo os pais também acabassem formando outro casal ( mas disso o roteirista nos poupou ). Enfim, a história é uma bobajada que só serve mesmo para costurar os números musicais. O personagem Orlando  ( alter-ego do Roberto Medina, criador do Rock in Rio ), é um ser humano quase perfeito, um pai preocupado com a filha, que muito mais do que buscar o lucro, trabalhar para propiciar ao Brasil um momento de alegria depois da decepção da rejeição da emenda das diretas no fim da ditadura, que no momento em que fraqueja é levado a recomeçar pela lembrança das lições que seu pai lhe ensinou... Orlando é alguém que vai atrás de seus objetivos, sempre com ética, com altos ideais...  espero mesmo que o Roberto Medina seja tão bom-caráter quanto o personagem Orlando, mas para mim, soou como algo ´chapa-branca´, puxa-saquismo demais...  enfim, até mais do que em outros musicais, a história em si é uma bobajada.

Mas no meio disso tudo, tem dois personagens que se destacam: Marvin, interpretado por Ícaro Silva, e Geraldo, por Caike Luna. Marvin é um colega de Alef, safo, desbocado, com respostas rápidas e irônicas. Da boca do personagem Marvin saem as melhores piadas do texto, e é claro, com esse nome ele interpreta ´Marvin´, que fez sucesso no Brasil na versão dos Titãs. Já Geraldo é o assistente gay do Orlando, um homossexual daqueles de programas de humor popular: exagerado, escrachado, dramático... mas com muito carisma, e com provocações dirigidas ao deputado Marcos Feliciano, tratando da ´cura gay´, que eram cacos muito bem inseridos nas falas. 

Outra coisa: quando eu digo ´personagens que se destacam´, é porque são os que realmente abrem espaço para os atores brilharem. Os outros são meros instrumentos, são personalidades simplórias: o colega de turma drogado, a trabalhadora explorada na loja de discos, a menina sem opinião própria que busca se inserir na turma seguindo os outros, o garoto que esconde sua predileção musical para não ser ridicularizado pelos amigos...  enfim, são personagens que estão na faculdade, mas que poderiam perfeitamente compor uma dessas ´sitcoms´  americanas passadas no ´high-school´. O que por outro lado ajuda na identificação da platéia com a situação apresentada no palco, já que o público, ao contrário do que se vê normalmente nos espetáculos teatrais, na sua maioria era bem jovem.

Os números musicais, que aliás são muitos, na média são bem executados. Há uma pequena banda nos fundos, à esquerda do palco, que obviamente dá suporte ao que acontece em cena, mas os músicos não interagem fisicamente com os atores. Alguns números são muito bem encaixados na trama, como ´Primeiros erros´, do Kiko Zambianchi, e ´Ovelha Negra´ da Rita Lee ( apesar de ser  uma escolha um tanto óbvia ).  Outros são só um jeito de registrar a passagem de alguns artistas...  mas a música que me irritou foi a versão em português de ´Don´t let the sun go down on me´, do Elton John...  a versão foi péssima, acabou com a letra. Por outro lado, foi bonito ver a Lucinha Lins cantando ´You´ve got a friend´, e principalmente ´Desesperar jamais´, do Ivan Lins e Vitor Martins. É claro que ter gostado disso também reflete as minhas preferências pessoais, mas esse blog não é de um crítico especializado que pretensamente vai analisar o que vê com neutralidade ( coisa que aliás, não acredito que aconteça ).

Enfim, a história é uma bobajada, o cenário não é grande coisa, nem os figurinos. Como os personagens são bem planos, também não há grandes atuações. Não gosto de todas as músicas que foram apresentadas, aliás, não gosto de muitas delas, mas no final das contas, a coisa toda funciona. É um espetáculo demorado, são quase três horas de encenação ( claro, há um intervalo ), mas a sensação ao sair de lá é de que vimos um espetáculo agradável, com uma história que a gente sabe desde o início como vai terminar, que é longa para dar conta de conectar tantas músicas ( aliás,  fazem a gente ouvir mil vezes o tema musical do Rock in Rio...).  Mas no final o saldo é positivo, o conjunto todo funciona bem. E na última cena tem o que acredito seja o maior momento de todas as edições do festival: ´Love of my life´,  com a projeção do Freddie Mercury num telão. Valeu.




Rock in Rio
Com Hugo Bonemer, Yasmin Gomlevsky, Lucinha Lins, Claudio Lins, Ícaro Silva, Caike Luna
Direção de João Fonseca
Texto e versões musicais de Rodrigo Nogueira
Auditório Ibirapuera, até 11/ago/13

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Quanto Custa?

De novo no Centro Cultural Banco do Brasil, de São Paulo, agora para assistir ´Quanto Custa?´, do Brecht:




Dessa vez fiquei exatamente no mesmo assento em que vi ´Eu Não Dava Praquilo´, então, os comentários sobre como é ver uma peça ali são exatamente os mesmos, apesar de que dessa vez demorei mais para entrar no clima da peça.

Quando ainda estava esperando o início, tentei ler o programa, mas foi impossível. A luz estava fraca, o que é absolutamente normal. O problema foi a programação visual do folheto, com boa parte do texto de apresentação em letras pretas sobre fundo marrom... ou seja, sem contraste nenhum, difícil de ler até em uma situação de luz mais forte. Ou seja, só li agora o texto, e para mim, tem algo ´errado´ ali. A apresentação diz: 'a música é trazida para o centro da cena e a separação entre palco e platéia é rompida´.  Desculpem-me o diretor, os atores, o autor da trilha sonora, a assessoria de imprensa, mas quem rompeu a separação entre palco e platéia foi o Cássio Scapin em ´Eu Não Dava Praquilo´.  Em ´Quanto Custa?´, ao contrário, a estética adotada remete aos filmes ´noir´, aqueles policiais em preto-e-branco, e me deixou mesmo a sensação de estar assistindo um ´filme ao vivo´, o que é exatamente o oposto de uma situação onde se rompe a separação palco / platéia.

O que acabei de escrever acima indica que eu não gostei da peça? Muito pelo contrário... foi uma experiência bastante interessante assistir  ´Quanto Custa?´,  justamente por essa opção de se fazer uma estética diferente. Algumas cenas eram divididas por um narrador em ´off´ ( o que lembrou a peça ´Atreva-se´, com direção do Jô Soares, que assisti uns dois anos atrás, antes de começar esse blog ). A música pontuava alguns momentos de forma bastante forte, mas o que na minha opinião se destacou mesmo foi a iluminação. O cenário, também muito bom, é bastante delgado, os elementos se definem basicamente com linhas: o açougue é o espaço de uma ´arara´ onde pendem carcaças, o depósito de ferro é definido por telas metálicas, e somente a banca de jornais é que tem planos opacos, mas mesmo assim mais no fundo, e que durante o desenrolar da trama a gente vê que isso tem uma função mais do que estética. Mas na frente da banca de jornais, somente colunas finas. Com isso a iluminação em muitos momentos era feita pelo fundo do palco, e então o que víamos eram as silhuetas. Em outros momentos, somente os rostos dos atores eram iluminados. Enfim, achei perfeito o casamento da luz com os outros elementos da encenação.

A história é um suspense: numa rua pacata, onde todos os vizinhos se conhecem e convivem bem, um garoto que vende cigarros é seguido por um forasteiro, que oferece a ele um contrato de ´proteção´ ( ambos não aparecem ao mesmo tempo em cena, pois são interpretados pelo Pedro Felício ). Em seguida o garoto aparece morto. Dois dos personagens, o açougueiro Dansen ( Luis Mármora ) e o dono de depósito Svenson ( Ernani Sanchez ) tem mais afinidade entre si e trocam impressões sobre o acontecido. Há também a Sra. Norsen que é vendedora de jornais ( também representada pelo Pedro Felício ), e que pretende que haja uma união maior entre os comerciantes.

O tal forasteiro é o representante de uma incorporadora e passa a assediar a todos os comerciantes com os tais contratos de proteção, e também mostrando interesse em seus imóveis. A próxima vítima é a Sra. Norsen, que ao assinar o tal contrato de proteção, é assassinada nos fundos de sua própria banca de jornais ( aquele plano opaco que eu comentei antes, fora da nossa visão que os dois personagens do Pedro Felício se encontram ). O açougueiro ouve os gritos, mas não toma nenhuma iniciativa. O vendedor de ferro Svenson, mesmo desconfiado de que as barras de ferro que ele vende ao forasteiro são utilizadas para os assassinatos, prefere não meter o nariz onde não é chamado e continua vendendo suas barras de ferro normalmente. O clima então fica pesado, há desconfianças de todos contra todos, cada um querendo se proteger sem pensar em mais ninguém, até que acontece o desfecho, que obviamente não vou contar.

Eu falei que a peça é um suspense, um ´filme noir´, mas também é uma fábula. Aos poucos vamos vendo a personalidade mais individualista de Svenson, e depois, a covardia e o oportunismo egoísta do açougueiro Dansen, e além da trama propriamente dita a gente vai percebendo uma certa ´moral da história´, que vai mostrando que o egoísmo e a falta de solidariedade no fim levam à ruína de todos. Até onde sei, típico da obra de Brecht, que naquele momento histórico tinha a preocupação de elevar os padrões da humanidade através da arte. Aliás, o texto é na verdade a fusão de duas peças, ambas de 1937: ´Quanto Custa o Ferro?´ e ´Dansen´. Dá pra fazer uma relação bastante direta com o que acontecia na Alemanha nazista, às vésperas da Segunda Guerra.

Ah, quase ia esquecendo de comentar: na minha opinião, todos os três atores vão bem, mas o destaque é o Pedro Felício, que interpreta o garoto assassinado, o forasteiro e a vendedora de jornais ( nesse caso, sempre com um lenço sobre o rosto, e um grande chapéu ). Quando caracterizado como o forasteiro, ele tem um gestual muito sedutor no início das conversas e depois muito anguloso, muito decidido quando seu personagem é  contrariado. Dá até uma sensação de desenho animado, ver os gestos daquela maneira. E os figurinos também são muito bons, apesar do exagero da luz de led vermelho por dentro do terno do assassino nas cenas finais.







Quanto Custa?
Com Luis Mármora, Ernani Sanchez e Pedro Felício

Direção de Pedro Granato
Texto de Bertold Brecht
CCBB SP, até 23/set/13