sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A Madrinha Embriagada

E lá fui eu assistir a um musical outra vez... pra quem já declarou que não é especialmente fã de musicais, nesse ano estou fora do padrão. Em todo caso,  havia dois bons motivos para assistir a esse espetáculo: era mais um trabalho do Miguel Falabella, e dessa vez os ingressos eram gratuitos. Não vou falar sobre o espaço físico do teatro, já fiz alguns comentários no post sobre ´Lampião e Lancelote´. O público não diferia muito do pessoal que normalmente frequenta o teatro da Fiesp, já que lá os ingressos são sempre a preços populares. E ao contrário do que acontece muitas vezes em espaços mais ´sofisticados´,  o comportamento do pessoal foi exemplar. Não vi ninguém conversando, fotografando, acessando o Facebook durante a peça.



O Sesi-SP bancou a produção, que vai ficar em cartaz durante 11 meses em São Paulo com entrada gratuita. Ao que parece foi feito um investimento de 14 milhões de reais, e que tem como justificativa a ´formação de público´ para os musicais. É claro que sou totalmente a favor desse tipo de investimento, quem dera outras associações também bancassem espetáculos como esse. Mas não dá pra deixar de registrar que a se há algum problema de acesso da população aos musicais em São Paulo não é de falta de público. O público não precisa ser ´formado´, não acredito que as pessoas que não frequentam esses espetáculos não o façam por não compreender o formato, mas sim pela falta de dinheiro para bancar os preços dos ingressos. Mesmo assim, os musicais ficam meses em cartaz, com valores que chegam a quase 300 reais para quem como eu, tem que pagar o ingresso ´inteiro´, sem descontos de idoso ou estudante. Ou seja, acredito que o que limita o acesso a esse tipo de espetáculo é a questão financeira e não o entendimento da obra. Diferente de ópera, por exemplo, onde há um preconceito contra o formato.

Mas esse musical além de ser gratuito, ainda conta com a direção do Miguel Falabella, o que é uma garantia de qualidade. E não me decepcionei... Dessa vez ele não está no palco, mas dá para perceber claramente a mão dele na peça. Claro que não conheço o texto original da Broadway, mas seja como for, duvido que seja melhor do que essa adaptação para a realidade paulistana que o Falabella fez. A peça tem uma certa ´melancolia doce´, em que a gente sente uma saudade do que não viveu, e há também um respeito pelos mais velhos, um olhar generoso sobre as imperfeições humanas, que eu percebo claramente como marcas do trabalho do Falabella.

A peça é um musical dentro de uma outra peça, a gente vai acompanhando um pouco da vida do ´Homem da Poltrona´ ( Ivan Parente ), um divorciado que mora sozinho em seu apartamento, através dos comentários que são feitos diretamente para a platéia, quebrando a ´quarta parede´. Ele herdou da mãe não só uma coleção de discos de vinil antigos como também a paixão pelos velhos musicais.  E ao contar um pouco de sua vida e de seus interesses, é que ele coloca o primeiro LP de um álbum duplo do que seria a gravação original do musical ´A Madrinha Embriagada´, que teria sido apresentado no Theatro São Pedro em 1928. E aí começa a mágica... os personagens vão entrando em cena, e o ´Homem da Poltrona´ não só vai narrando o que vai acontecer no musical, como também tece comentários bastante espirituosos sobre a estrutura desse tipo de espetáculo, as histórias de vida dos velhos atores, as vaidades e pequenas loucuras das atrizes... então, são várias ´camadas´  de histórias que vão sendo apresentadas no palco.

A encenação toda tinha um ar de fantasia. No início, o cenário evoca um salão de festas de um casarão,  que depois vira um dormitório, ou mesmo um salão de festas de um hotel, mas sem procurar reproduzir esses ambientes com minúcias, e sim através de citações visuais. Havia duas saídas ´lúdicas´ do palco, uma geladeira que se transforma em porta, e uma cama que era rotacionada e a base dela era transformada numa parede. Os figurinos, mais uma vez do Fause Haten, assim como em ´Alô Dolly´,  eram incríveis. Os que mais gostei foram os da ´Madame Francisca´ (Ivanna Domenyco ), que logo em sua primeira aparição tem uma fala que se refere diretamente à sua roupa, aos padeiros ( Rafael Machado e Daniel Monteiro ), que ao final do espetáculo reaparecem como bailarinos com um ´collant´  xadrez, em cinza e preto, que remetia ao primeiro figurino da dupla, e ao mordomo Agildo ( Edgar Bustamante ), que na versão brasileira foi transformado em uma citação ( inclusive no corte de cabelo ) àquele personagem que tinha como bordão ´múmia paralítica´, interpretado pelo Agildo Ribeiro - muito legal. Mas os demais personagens, o galã, a musa, em todos a gente percebia a qualidade do trabalho de figurinos muito acima da média.

A peça tem várias piadas, é uma comédia, e não são só piadas faladas, mas gags visuais também. Claro que não vou contar o texto aqui, mas das piadas visuais dá pra falar: tem um momento que achei divertidíssimo, onde o narrador, o homem da poltrona, diz que desgosta de uma cena e por isso acelera a música. Com isso os personagens que estão no palco naquele momento, Agildo e Madame Francisca, também aceleram seus movimentos numa sincronia incrível. Aliás, as marcações de todo o espetáculo são absolutamente precisas, a gente vê a sincronia perfeita em vários momentos. E ia esquecendo de dizer: nas laterais do palco ficam os músicos, em dois tablados mais ou menos a uns três metros de altura. Esses tablados se encaixam na continuidade de algumas paredes cênicas, e são cercados por um tecido semi-transparente. Então, conforme o momento, a iluminação desses tecidos oculta ou revela a presença dos músicos - também achei um recurso muito interessante. 

Ainda nem falei dos personagens principais, Jane Valadão ( Sara Sarres ), Frederico Reuter ( Roberto Marcos, que também estava em Alô Dolly ) e a Madrinha ( Stella Miranda ).  Frederico é um rico herdeiro, um homem praticamente perfeito, bonito, educado... Jane é uma atriz famosíssima, mas que está entediada com sua carreira e quer desistir de tudo para se casar com Frederico, pois se apaixonaram à primeira vista - literalmente. E a Madrinha ( Stella Miranda ) que está no título da peça, é uma senhora que vive embriagada, obviamente, e que colabora para a grande confusão que acontece quando entra em cena o amante latino, o argentino ´Adolpho´ ( Cleto Baccic, que também é responsável pela produção do espetáculo ).  Quem introduz o Adolpho na história é o ´Sr. Iglesias´ ( Saulo Vasconcellos ), o produtor de Jane Valadão, que não quer perder sua principal atriz, e ainda é chantageado pelos padeiros a impedir o casamento de Jane e Frederico de qualquer maneira. É por isso que ele leva Adolpho à casa de Madame Francisca, para seduzir Jane. Mas por um mal-entendido, ele acaba seduzindo a Madrinha... enfim, existem as trapalhadas no enredo que propiciam as reviravoltas cômicas que vão mantendo a peça sempre interessante. Sobre os atores, todos vão muito bem, mas eu acho que os destaques da noite foram a Stella Miranda, o Edgard Bustamante e o Cleto Baccic. O ´Adolpho´  é um tipo desprezível, caricato ao extremo, e por isso mesmo muito divertido. Também muito divertida é a ´Eva´ ( Kiara Sasso ), uma vedete que pretende herdar o lugar de Jane Valadão no estrelato, e que tem uma voz extremamente estridente, irritante. Enfim, é todo um universo lúdico e muito engraçado, o tempo todo tem algo muito interessante acontecendo em cena. 

É tanta coisa que estava esquecendo de comentar: não há intervalo, o Homem da Poltrona reclama que nos intervalos a magia se esvai e voltamos à realidade das filas nos banheiros... Mas em algum momento termina o primeiro LP e ele tem que colocar o segundo, obviamente ( é bom lembrar que a narrativa vai acontecendo como se fosse acompanhando dois LPs ).  Quando entra o segundo disco, há uma mudança de cenário, com uma cortina com padrões que remetem à China - e que não tem nada a ver com o enredo até então. Daí aparecem alguns atores caracterizados como chineses, e tem início uma cena curta, que logo é interrompida pelo Homem da Poltrona ao se desculpar com a platéia: a empregada doméstica que cuida de seu apartamento não tem o cuidado de guardar cada disco em sua respectiva capa, e ele acabou colocando a trilha sonora de outro musical. A cara do Cleto Baccic, caracterizado como chinês, olhando feio para o Homem da Poltrona pelo erro parece coisa de desenho animado. Ou seja, em alguns momentos o narrador e os personagens interagem diretamente, e fica esse jogo metalinguístico - o narrador se dirige à platéia, os personagens se dirigem ao narrador...

Claro que no final do enredo tudo dá certo, com a providencial entrada em cena de ´Dora, a Aviadora´, ( Adriana Capparelli ), que ajuda no desenlace feliz. E se às vezes a gente sai do teatro pensando que o ´final feliz´ é algo um tanto sem graça por muitas vezes ser o óbvio, em ´A Madrinha Embriagada´  existir essa solução de acabar tudo bem é totalmente pertinente. Não teria sentido acompanhar um trabalho de tão alto-astral que terminasse num tom de tristeza. Por mais que haja uma certa melancolia permeando a história, no final a gente sai feliz simplesmente por ter estado presente ao teatro. Foi interessante ver como a platéia saiu cheia de sorrisos, as pessoas realmente curtiram muito o que viram - e eu também.

É tanta coisa que nem falei das músicas: sinceramente, acho que nenhuma tem uma melodia que ´grude´  na cabeça, que faça a gente sair cantarolando depois. Mas funcionam na peça. Aliás, acho até que ao contrário do que o Narrador afirma, e que é comum nos musicais, de que a história é só um pretexto para unir as músicas, nesse caso não foi essa a impressão que tive, tanto que até agora eu nem tinha citado a parte musical. O que não quer dizer que esse aspecto tenha sido ruim, há momentos muito bonitos, com a entrada do ´coro´ em cena, preenchendo todo o palco, e também quando o Frederico e seu amigo Jorge ( Fernando Rocha ), fazem um número de sapateado.


Dessa vez estou comentando sobre um espetáculo que está em início de uma longa temporada, então, a quem ler esse texto, fica a dica: não deixe de ver ´A Madrinha Embriagada´, duvido que não vá se divertir muito.


 A Madrinha Embriagada
Com  Ivan Parente, Roberto Marcos, Stella Miranda, Cleto Baccic, Sara Sarres, Saulo Vasconcellos, Kiara Sasso
Direção e versão brasileira: Miguel Falabella
Texto original de Bob Martin e Don Mc Kellar
Teatro do Sesi - até 29/jun/2014
 




Um comentário:

  1. eu assisti já duas vezes e amei, maravilhoso uma peça dessa estar sendo exibida gratuitamente.

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