Fiquei em dúvida se deveria comentar algo sobre a apresentação de Aida, no Teatro Municipal. Afinal, eu não registro aqui os shows ou filmes que assisto. Mas por mais importante que seja a música em uma ópera, ela só se completa com a encenação mesmo. Hoje as músicas embutidas nas óperas são apreciadas como peças autônomas, mas é sempre bom lembrar que foram criadas para um espetáculo completo, com atores, balés, figurinos, cenários. E se tem uma coisa que me incomoda é o suposto hermetismo das peças líricas. É claro que existem as mais populares, com trechos facilmente reconhecíveis por quem ao menos já tenha tido contato com os desenhos animados do ´Pica-Pau´. Todo mundo já ouviu trechos das ´Bodas de Fígaro´, de ´Cavalleria Rusticana´, e é claro, de ´Aida´, que é uma das obras mais populares de todos os tempos. Então, achei que seria pertinente comentar sobre o que assisti no Municipal de São Paulo. Mesmo porque fiz a assinatura da temporada 2013, e devo ir a mais cinco espetáculos de ópera até o fim do ano, então vai ser bom ter o registro para poder comparar...
Primeiro quero falar sobre o Theatro Municipal de São Paulo, um espaço que é velho conhecido mas que só entra agora nesse blog, pois das outras vezes em que estive lá nesse ano foi para assistir a concertos. O nosso Municipal não é tão luxuoso quanto o do Rio de Janeiro, e se for comparar com o Colón, de Buenos Aires, aí é até covardia... Mas ainda assim é um belo teatro. Chegar lá já foi pior, o centro de São Paulo agora me parece mais iluminado, mais seguro. Como tem a estação Anhangabaú ali perto, o acesso é fácil para ir de Metrô. Indo de carro, é melhor chegar cedo para se conseguir uma vaga em estacionamento na parte dos fundos do Municipal, por que senão lota, e daí para estacionar na Av. São João já fica meio complicado. Nesse caso, se for para chegar com pouca antecedência, é melhor estacionar do outro lado do Viaduto do Chá e ir a pé até o Municipal. Acho mais seguro, sempre há uma viatura da PM em cada extremidade.
Lá dentro o hall é relativamente acanhado, e o bar, sempre lotado, também é pequeno. Foi reformado há pouco tempo pelos irmãos Campana, e ficou muito bonito. Mas meu lugar preferido do Municipal ainda é o terraço. É de lá que se tem uma bela vista do antigo prédio da Light ( hoje um shopping ), do antigo Mappin, viaduto do Chá, do Anhangabaú... afinal, não há muitos lugares de acesso ao público de onde se pode ter uma visão do centro de São Paulo, então, quando há oportunidade, temos mais é que aproveitar. Dentro da sala de espetáculos, em termos de conforto para o espectador, tem de tudo: dos bons lugares nos camarotes, platéia ou balcão nobre, até o auditório, lá em cima, de onde não se vê absolutamente nada do palco. E claro, para quem fica nas extremidades da ´ferradura´ ( que é o formato clássico das casas de ópera ), independentemente do andar, a visão é prejudicada. Dessa vez meu lugar era central, na fila ´A´ do balcão simples. Claro que se fosse no andar debaixo ( balcão nobre ) a vista seria melhor, mas em todo caso, deu para ver bem. No Municipal é sempre bom sentar na fila ´A´, para que o espectador da fileira da frente não atrapalhe a visão quando se debruçar no parapeito, o que todo mundo que senta na primeira fileira faz - inclusive eu. E seria bom se houvesse um pouquinho mais de espaço para as pernas, ajudaria muito quando o espetáculo é demorado, e todas as óperas são. Também ajudaria muito para se chegar às poltronas centrais quando já há gente sentada nas extremidades da fileira.
Antes de começar a apresentação, uma boa surpresa: o programa é maravilhoso, lindo, muito bem impresso, com textos interessantes sobre a Aída, sobre Verdi, e além dos tradicionais textos do diretor artístico, dos currículos dos cantores, há também todo o libreto, todo o texto da ópera. Muito legal, tomara que os próximos também sejam assim.
Mas o que interessa mesmo é o espetáculo, e foi muito bom. É claro que eu já conhecia ´Celeste Aida´, e a ´Marcha Triunfal´, mas é outra coisa ter isso ao vivo. Achei o cenário muito bom, deve ser difícil tratar um tema clássico como esse e não cair no alegórico, no folclórico, e acabar transformando tudo em ´escola de samba´, ou ao contrário, fazer algo tão anódino, tão clean, que acabe não tendo relação com a peça. O cenário era dominado por duas estruturas muito grandes, duas paredes de ´pedra´ em cinza escuro, com inscrições egípcias, claro. Também havia um plano inclinado em formato triangular, que cortava o palco a partir do lado esquerdo. Isso no início, porque o cenário vai se alterando muito durante a encenação. Acho que o momento mais bonito foi quando o exército egípcio é reunido, e vemos o mar de areia do deserto com a céu amarelo, e um foco muito forte projetado no fundo do palco representando o Sol. Mas também foi muito impressionante o trabalho com os alçapões no palco, tem um momento em que quase todo o palco é rebaixado, eu nem imaginava que isso fosse possível. E no final, na última cena, quando o personagem Radamés é encarcerado numa sala que é fechada, para que ele morra ali, também é impressionante. Toda a boca de cena é tomada por uma parede gigante de pedra cinza, com uma pequena ´caverna´ de uns três metros de largura por dois de altura que representa o lugar onde Radamés é enterrado vivo. Mas o detalhe é que essa ´caverna´ está elevada uns três ou quarto metros acima do palco, e a abertura relativamente pequena em relação ao cenário, o tom cinza-chumbo, a iluminação, dão mesmo a sensação de clausura que o personagem vive.
Os figurinos também são muito bonitos, não são ´fantasias´, e sim roupas que através de adereços remetem ao Antigo Egito. Mas não deixou de ser curioso ver uma das bailarinas, uma que faz uma pequena apresentação de dança e contorcionismo, toda pintada de azul, num tom de lápis-lázuli. Impossível não lembrar do filme ´Avatar´...
Quanto ao desempenho técnico dos cantores, não tenho elementos para julgar se foram muito bem ou não. Mas com certeza, não cometeram nenhum erro flagrante. Na récita em que estive presente, o casal de protagonistas foi representado por Maria Billeri ( Aida ), e Stuart Neill ( Radamés ). O reparo que eu posso fazer é que para os padrões atuais, o ´galã´ Radamés está obeso...
Acho que os momentos que eu mais curto em óperas são aqueles em que há um grande coral. É incrível ver 90, 100 pessoas no palco cantando, e ´Aida´ propicia isso, principalmente durante a famosíssima ´Marcha Triunfal´. Nesse momento me projetei ao máximo para a frente, debruçado no guarda-corpo, para que o som viesse diretamente aos meus ouvidos, sem interferência alguma.
A história do amor entre a princesa etíope que é refém no Egito é triste pra caramba, o final é mesmo deprimente para os padrões de hoje, mas deve ter feito muita mocinha suspirar no final do século XIX ( auge do romantismo ), ao ver o casal de protagonistas morrer juntos por causa de seu amor. E Aida parece que são duas peças em uma: o primeiro e o segundo ato ( não houve intervalo entre eles ), são agitados, há a apresentação dos personagens, intrigas, guerra, ciúmes, e isso através de árias, duetos, coro... já depois do intervalo, o terceiro e o quarto atos são quase que ´ópera de câmara´, com um ritmo muito mais lento, canções melancólicas... é um ´anti-climax´, bastante diferente do que costumamos ver nas montagens de musicais contemporâneos, em que o final é sempre em ´crescendo´.
Pra terminar, um comentário: o maestro John Neschling é que está a partir de 2013 à frente do Theatro Municipal de São Paulo, como seu diretor artístico, e nessas apresentações também como regente da Sinfônica Municipal. Ele que foi o grande responsável pelo reerguimento da Osesp, e espero que tenha o mesmo êxito como comandante do Municipal. Deu para ver que há apoio financeiro para isso, a montagem de Aida foi luxuosa, e acho que há muitos e muitos anos o Municipal não tinha uma programação tão extensa de espetáculos de ópera, com um título por mês de agosto a dezembro de 2013, o que não deve ser fácil de gerenciar. Então, só posso desejar boa sorte, e estarei lá novamente no mês que vem, dessa vez para conferir Don Giovanni, de Mozart.
Aida
Com Maria Billeri e Stuart Neill
Ópera de Giuseppe Verdi, sobre libreto de Antonio Ghislanzoni
Regência de John Neschling
Theatro Municipal de São Paulo, até 25/ago/13
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