sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Quanto Custa?

De novo no Centro Cultural Banco do Brasil, de São Paulo, agora para assistir ´Quanto Custa?´, do Brecht:




Dessa vez fiquei exatamente no mesmo assento em que vi ´Eu Não Dava Praquilo´, então, os comentários sobre como é ver uma peça ali são exatamente os mesmos, apesar de que dessa vez demorei mais para entrar no clima da peça.

Quando ainda estava esperando o início, tentei ler o programa, mas foi impossível. A luz estava fraca, o que é absolutamente normal. O problema foi a programação visual do folheto, com boa parte do texto de apresentação em letras pretas sobre fundo marrom... ou seja, sem contraste nenhum, difícil de ler até em uma situação de luz mais forte. Ou seja, só li agora o texto, e para mim, tem algo ´errado´ ali. A apresentação diz: 'a música é trazida para o centro da cena e a separação entre palco e platéia é rompida´.  Desculpem-me o diretor, os atores, o autor da trilha sonora, a assessoria de imprensa, mas quem rompeu a separação entre palco e platéia foi o Cássio Scapin em ´Eu Não Dava Praquilo´.  Em ´Quanto Custa?´, ao contrário, a estética adotada remete aos filmes ´noir´, aqueles policiais em preto-e-branco, e me deixou mesmo a sensação de estar assistindo um ´filme ao vivo´, o que é exatamente o oposto de uma situação onde se rompe a separação palco / platéia.

O que acabei de escrever acima indica que eu não gostei da peça? Muito pelo contrário... foi uma experiência bastante interessante assistir  ´Quanto Custa?´,  justamente por essa opção de se fazer uma estética diferente. Algumas cenas eram divididas por um narrador em ´off´ ( o que lembrou a peça ´Atreva-se´, com direção do Jô Soares, que assisti uns dois anos atrás, antes de começar esse blog ). A música pontuava alguns momentos de forma bastante forte, mas o que na minha opinião se destacou mesmo foi a iluminação. O cenário, também muito bom, é bastante delgado, os elementos se definem basicamente com linhas: o açougue é o espaço de uma ´arara´ onde pendem carcaças, o depósito de ferro é definido por telas metálicas, e somente a banca de jornais é que tem planos opacos, mas mesmo assim mais no fundo, e que durante o desenrolar da trama a gente vê que isso tem uma função mais do que estética. Mas na frente da banca de jornais, somente colunas finas. Com isso a iluminação em muitos momentos era feita pelo fundo do palco, e então o que víamos eram as silhuetas. Em outros momentos, somente os rostos dos atores eram iluminados. Enfim, achei perfeito o casamento da luz com os outros elementos da encenação.

A história é um suspense: numa rua pacata, onde todos os vizinhos se conhecem e convivem bem, um garoto que vende cigarros é seguido por um forasteiro, que oferece a ele um contrato de ´proteção´ ( ambos não aparecem ao mesmo tempo em cena, pois são interpretados pelo Pedro Felício ). Em seguida o garoto aparece morto. Dois dos personagens, o açougueiro Dansen ( Luis Mármora ) e o dono de depósito Svenson ( Ernani Sanchez ) tem mais afinidade entre si e trocam impressões sobre o acontecido. Há também a Sra. Norsen que é vendedora de jornais ( também representada pelo Pedro Felício ), e que pretende que haja uma união maior entre os comerciantes.

O tal forasteiro é o representante de uma incorporadora e passa a assediar a todos os comerciantes com os tais contratos de proteção, e também mostrando interesse em seus imóveis. A próxima vítima é a Sra. Norsen, que ao assinar o tal contrato de proteção, é assassinada nos fundos de sua própria banca de jornais ( aquele plano opaco que eu comentei antes, fora da nossa visão que os dois personagens do Pedro Felício se encontram ). O açougueiro ouve os gritos, mas não toma nenhuma iniciativa. O vendedor de ferro Svenson, mesmo desconfiado de que as barras de ferro que ele vende ao forasteiro são utilizadas para os assassinatos, prefere não meter o nariz onde não é chamado e continua vendendo suas barras de ferro normalmente. O clima então fica pesado, há desconfianças de todos contra todos, cada um querendo se proteger sem pensar em mais ninguém, até que acontece o desfecho, que obviamente não vou contar.

Eu falei que a peça é um suspense, um ´filme noir´, mas também é uma fábula. Aos poucos vamos vendo a personalidade mais individualista de Svenson, e depois, a covardia e o oportunismo egoísta do açougueiro Dansen, e além da trama propriamente dita a gente vai percebendo uma certa ´moral da história´, que vai mostrando que o egoísmo e a falta de solidariedade no fim levam à ruína de todos. Até onde sei, típico da obra de Brecht, que naquele momento histórico tinha a preocupação de elevar os padrões da humanidade através da arte. Aliás, o texto é na verdade a fusão de duas peças, ambas de 1937: ´Quanto Custa o Ferro?´ e ´Dansen´. Dá pra fazer uma relação bastante direta com o que acontecia na Alemanha nazista, às vésperas da Segunda Guerra.

Ah, quase ia esquecendo de comentar: na minha opinião, todos os três atores vão bem, mas o destaque é o Pedro Felício, que interpreta o garoto assassinado, o forasteiro e a vendedora de jornais ( nesse caso, sempre com um lenço sobre o rosto, e um grande chapéu ). Quando caracterizado como o forasteiro, ele tem um gestual muito sedutor no início das conversas e depois muito anguloso, muito decidido quando seu personagem é  contrariado. Dá até uma sensação de desenho animado, ver os gestos daquela maneira. E os figurinos também são muito bons, apesar do exagero da luz de led vermelho por dentro do terno do assassino nas cenas finais.







Quanto Custa?
Com Luis Mármora, Ernani Sanchez e Pedro Felício

Direção de Pedro Granato
Texto de Bertold Brecht
CCBB SP, até 23/set/13

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