Essa peça acontece num dia inusitado... há apresentações em plena segunda-feira!
Já comentei aqui sobre como é assistir a uma peça no CCBB ( no caso, quando estive lá para ver ´Vingança, o Musical´ ), só que agora que pela primeira vez fiquei no balcão, não consegui lugar na platéia. Meu ingresso era na primeira fila e tive que me abaixar, escorregar na poltrona para poder ver melhor. O guarda-corpo, por mais delgada que fosse a barra de ferro na parte superior, atrapalhava bastante. Então o jeito foi procurar uma posição em que eu pudesse olhar por debaixo da barra, pois as divisões intermediárias são feitas por cabos de aço e atrapalham menos. De início parecia que estava assistindo a peça através de uma cerca, mas logo abstraí e aproveitei a cena.
Antes mesmo de começar a peça, que eu sabia ser sobre a Myriam Muniz, uma atriz e diretora já falecida sobre a qual não tinha mais do que vagas referências, vi algo que achei muito interessante no programa: o texto, compilado pelo próprio Cassio Scapin junto com Cassio Junqueira,
são falas da própria Myriam, e no programa há os endereços da internet
com as páginas utilizadas na pesquisa, além das referências utilizadas em livros e dvd. Ou seja,
toda a ´bibliografia´ da pesquisa está disponível para quem quiser buscar mais informações.
A peça é um monólogo, quando de abrem as cortinas vemos o Cassio Scapin sentado em uma cadeira de madeira, todo vestido de preto. A cadeira está no centro de um tablado circular onde há também um maço de cigarros e um caderno, ou apostila. Ele tem um xale preto e ao virar de costas para a platéia, se cobre com o xale e começa a falar... Daí vamos percebendo a voz rouca, grave, mas de uma mulher. A entonação, o ´sotaque´, logo me fizeram lembrar daquelas senhoras de origem italiana, desbocadas - como eu já disse, não tinha maiores referências sobre a Myriam Muniz, para mim era um nome conhecido, mas não lembro de ter visto alguma entrevista com ela para saber se a caracterização era fidedigna ou não. Mas obviamente, pela qualidade do trabalho do Cassio Scapin, só podia acreditar que fosse.
De início, talvez pelo problema de assistir ao espetáculo através do guarda-corpo, por ver um homem que estava simplesmente interpretando uma mulher, com sua voz, seu corpo, mas sem ´travestismo´, sem utilizar nenhum adereço feminino, confesso que senti um certo estranhamento. Mas logo isso passou, e parecia mesmo que estávamos vendo ali um senhora já idosa, com forte sotaque paulistano, falando sobre a sua infância, juventude, seu modo de ver o teatro e a vida. Era como se ela estivesse ali dando um depoimento em primeira pessoa. O texto tinha algumas frases ótimas, de quem observava o ser humano com muita acuidade, frases que são bastante duras às vezes, cruas, mas não que não são feitas para machucar. Fiquei com a impressão de que ela deveria ser uma daquelas ´italianonas´ de São Paulo, desbocadas mas com um coração enorme.
E para dar uma idéia da verdadeira transformação que ocorreu em cena, de como o Cassio Scapin realmente se transformou na Myriam Muniz, em um determinado momento da peça, ele/ela diz que vai demonstrar um pouco de seu método de ensino teatral, e fala algo como ´então agora vocês levantem´... e imediatamente as pessoas levantaram, como se realmente fossem os alunos da Myriam! Eu não esperava isso, nessa cena não há nada de diferente em relação às outras, ele/ela continuava dando seu depoimento, não houve uma mudança, uma entonação mais forte, nada. Mas realmente, naquele momento ele/ela era o maestro, dominando totalmente o palco e a platéia. Incrível. Essa mágica do teatro acontecendo ali, na nossa frente, sem a necessidade de nenhum apoio, nenhum adereço, nada além do corpo do ator... é pra ver isso que eu saio de casa numa segunda-feira chuvosa, é isso que faz com que ir ao teatro seja uma experiência incomparável.
A peça foi relativamente curta, mais ou menos uma hora de espetáculo. Dessa vez poderia ter durado mais, que eu assistiria sem esforço algum. Mas depois, ainda houve um bônus: no CCBB há a exposição ´Mestres do Renascimento - Obras-primas Italianas´, que tem levado muita gente até lá, às vezes com horas de espera na fila. Só que na saída da peça o acesso para a exposição já estava livre, e entrar numa sala e dar de cara com a ´Anunciação´, de Boticelli, é de tirar o fôlego. Ótima noite, pra não esquecer mais.
Eu Não Dava Praquilo
Com Cassio Scapin
Direção de Elias Andreato
Roteiro de Cássio Junqueira e Cassio Scapin
CCBB SP, até 23/set/13
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