quarta-feira, 27 de março de 2013

Lampião e Lancelote

Esse final de semana, por questões pessoais, acabou tendo a ´rotina´ um pouco alterada. A saída para o teatro só aconteceu no domingo, e num horário estranho, às oito da noite. Normalmente, de domingo as peças começam mais cedo...







Lampião e Lancelote está em cartaz no teatro do Sesi Paulista, na sede da Fiesp. É claro que sendo um espaço mantido pela principal entidade de classe da indústria brasileira, o teatro está em perfeitas condições. Não chega a ser tão confortável quanto o da Federação do Comércio ( Teatro Raul Cortez ), mas é agradável, tem acesso fácil, há bom espaço entre as poltronas ( se bem que dessa vez acabei ficando na fileira A, e tinha todo o vão do corredor para esticar as pernas ).

A peça  é uma fábula musical, o encontro do cavaleiro do Rei Arthur, Lancelote, com o Rei do Cangaço, Lampião. O narrador é o Cássio Scapin, que além de ser muito conhecido dos trabalhos dele na tv,  vi em cena no ano passado, quando ele deu um show na peça ´O Libertino´, no papel principal.  Todo o texto é feito em versos, mesmo na narração. E as músicas são de Zeca Baleiro, algumas em pareceria com o criador da fábula, Fernando Vilela, e outras com Braulio Tavares, que cuidou da dramaturgia. 

Eu confesso que esse tipo de olhar, misturando a cultura popular brasileira com histórias ´universais´ ( desculpe, mas me falta termo melhor no momento ), é algo que me atrai muito. Mas eu não conhecia o texto do Fernando Vilela, aliás, nem o autor...  Só quando peguei o programa é que descobri que a história foi lançada em um livro ilustrado pelo próprio Fernando em 2006. Aliás, como dá para ver pela capa, o programa é lindo, e traz inclusive as letras das músicas. 

Como afirmei acima, a abordagem da cultura popular que está proposta no próprio título da peça  já me deixava propenso a gostar. O que se por um lado é positivo, por outro, pode causar uma decepção bem maior do que quando a gente vai sem esperar nada.  Mas não foi o caso, gostei muito do que vi. Essa junção de um personagem de cavalaria da Idade Média européia com o universo do sertão tem tudo a ver, já que como a gente aprende com o Ariano Suassuna, parte daquele universo se manteve nas tradições do Nordeste, em especial no sertão.

O cenário é simples e lindo, basicamente um tablado inclinado, que com uma lona preta é o piso de um castelo europeu, e depois, com a lona retirada, aparece uma textura de terra, onde do lado direito é feita a projeção ( no piso mesmo ) de uma vaca.  A encenação ocorre basicamente em ´camadas´,  os movimentos são quase todos paralelos ao palco. O narrador, inclusive, se desloca o tempo todo como um caranguejo, e no chapéu que usa há um guizo, que vai marcando os movimentos. Além dessa primeira ´camada´  do palco, há uma segunda, atrás do plano inclinado, onde os atores entram e saem de cena por um carrinho preto, que fica basicamente escondido atrás do plano inclinado, de tal modo que quando se movimentam no carrinho, pareciam flutuar - pelo menos pra quem estava na parte de baixo da platéia, como eu.

Ainda atrás desse plano onde estava instalado o carrinho, havia uma estrutura vertical, onde a personagem Morgana estava na primeira cena, e Lancelot vai até lá. Mas depois essa estrutura fica quase escondida por um corredor feito de duas ´cortinas´ de cordas pretas, que devem estar afastadas formando um corredor de um metro e meio, mais ou menos. Uma das cenas mais bonitas visualmente é quando a Morgana passa por esse corredor de braços estendidos, mexendo nas cordas.

Outro aspecto muito legal são os figurinos. As roupas dos personagens da Inglaterra são todas em preto, com adereços metalizados. As dos cangaceiros, claro, são em tons de terra e cobre. Mas não são simplesmente ´fantasias´, são mesmo recriações, com vários detalhes de coisas penduradas, cabaças, guizos...   Aliás, uma das cenas mais engraçadas é quando Lampião faz troça com as roupas de Lancelote... e quando os dois vão se comparando, dizendo os nomes das peças que levam com eles.

A história é basicamente a seguinte: Morgana, sentindo-se rejeitada por Lancelote, para se vingar o envia com um feitiço para outro lugar no tempo e no espaço, e ele vai cair no sertão, perto do bando de Lampião.  Obviamente, Lampião e Lancelote, dois guerreiros, se desafiam e vão entrar em confronto...  Morgana então interfere, já que Lancelote está sozinho, e vai atrás do amado. Há também o enfrentamento / estranhamento entre Morgana e Maria Bonita, e tudo isso, entremeado por várias canções, muitas delas com música ao vivo. No final, Lampião e Lancelote se reconhecem como grandes guerreiros, que se respeitam, e de certa maneira surge até uma certa amizade entre eles, sendo a vez de Lancelote tirar um sarro de Lampião.

Aliás, quem representa Lancelote é Leonardo Miggiorin. Eu lembro que no ano passado, quando fui assistir ´Equus´, que ele protagonizava, cheguei ao teatro com um certo preconceito contra ele. Não lembro o nome da novela da Globo em que ele trabalhava, mas que me irritava com sua voz. Passei a antipatizar com a voz dele, antes de mais nada. Mas em ´Equus´  ele atuou muito bem, e a mesma coisa agora, em Lampião. Aliás, todos vão bem na peça, Daniel Infantini ( Lampião ), Luciana Carnieli ( Maria Bonita ), Vanessa Prieto ( Morgana ).

Enfim, foi um espetáculo leve, alegre, divertido, que faz a gente ter aquela sensação gostosa de que valeu muito a pena sair de casa. E pra terminar a noite, uma pizza levinha na Vila Madalena, que o jantar é sempre importante, serve pra esticar um pouco mais o prazer do teatro e ir trocando impressões sobre a peça.

Saí de lá curioso para saber o que o Ariano Suassuna acharia desse espetáculo. Minha opinião é de que ele iria gostar muito...




Lampião e Lancelote
Com Cássio Scapin, Leonardo Miggiorin, Daniel Infantini, Luciana Carnieli, Vanessa Prieto
Direção de Debora Dubois
Dramaturgia de Braulio Tavares, sobre texto de Fernando Vilela

Teatro do Sesi - SP, até 30/jun/13

quinta-feira, 21 de março de 2013

La Cenerentola ( A Cinderela )

Um programa um pouco diferente, ópera ao invés de teatro ´normal´:



O Theatro São Pedro, na Barra Funda, é dos mais antigos de São Paulo, foi inaugurado no início do século XX. Ainda assim eu só vim a conhecê-lo no ano passado, quando assisti a outra ópera nesse espaço. Apesar de ficar em um bairro que precisa ser revitalizado, o trecho onde ele está localizado, na rua Barra Funda, é um lugar de fácil acesso, e eu pelo menos não me sinto acuado ao estacionar nas ruas das imediações ( coisa impossível de fazer na Sala São Paulo, por exemplo ).  E o teatro em si é muito legal, uma construção eclética que atendia à burguesia da época, que morava nos Campos Elíseos, mas que passou por muitos problemas de conservação, tendo ficado fechado por vários anos. Felizmente agora está em bom estado, passou por uma restauração ( é possível ver os testemunhos das pinturas originais nas paredes dos corredores ), e tem uma condição para os espectadores bastante confortável. Dessa vez eu fiquei no balcão superior ( ano passado sentei na platéia ), e pelo fato do teatro ser pequeno, de qualquer lugar dá para ver bem o espetáculo.

A história apresentada em cena é um pouco diferente da que estamos acostumados através da Cinderela da Disney. Não há uma fada-madrinha, o príncipe encarrega um ministro de encontrar uma noiva para ele, que não se importe com sua riqueza. O ministro então sai pelo reino vestido de mendigo, e é mal-tratado pelas irmãs da Cinderela, mas ela demonstra sua bondade oferecendo pão e água a ele.  Depois, a casa onde elas moram é visitada pelo príncipe ( disfarçado de criado ) e por um criado ( fazendo-se passar por príncipe ). Óbvio que as irmãs interesseiras ( e o pai ) bajulam o falso príncipe, enquanto Cinderela se apaixona a primeira vista pelo ´criado´.

Para ir ao baile, não há carruagem feita de abóboras, ratinhos que viram cavalo, nada disso:  quem providência o vestido e as jóias para Cinderela é o ministro. No baile ela é cortejada pelo falso príncipe, que testa as suas intenções mais uma vez, mas ela o rejeita dizendo-se apaixonada pelo criado. Cinderela e o verdadeiro príncipe tem então um breve encontro, ela vestida como uma dama da corte, quando na verdade vive como serviçal na casa do padastro, e o príncipe se fazendo passar por criado. Nenhum dos dois revela sua verdadeira condição, e ao se despedirem ela deixa um bracelete com o príncipe dizendo que quando encontrar o bracelete, saberá que está novamente com ela.

Depois do baile, de onde a Cinderela fugiu para não ser reconhecida pelas irmãs e o padastro ( ao contrário da versão Diseny, não há feitiço que se acaba à meia-noite ), o príncipe sai à procura da sua amada, que é encontrada sendo explorada na casa de Don Magnífico. Então a trama é desfeita, e na cena final, Cinderela se casa com o príncipe e perdoa todo o mal feito por suas irmãs e pelo padastro. Conto de fadas total...

Como era numa terça-feira, o elenco que se apresentou foi o ´elenco B´, formado por cantores mais jovens. Não sou especialista em ópera ( aliás, não sou especialista em nada ), mas deu para perceber os altos e baixos da interpretação.  Na minha opinião, quem se saiu melhor foi o criado Dandini, interpretado pelo Johnny França. Além de ter se saído muito bem como cantor, acho que foi quem interpretou melhor seu personagem, tirando partido da comicidade do papel. As irmãs da Cinderela, Roseane Soares (Clorinda) e Debora Dibi (Tisbe) também tinham inflexões cômicas, mas acho que a maquiagem era tão carregada, com cílios postiços coloridos de uns 2 ou 3cm de comprimento, que matava qualquer expressão facial delas. Outro que acho que foi bem foi o padrasto da Cinderela, Gustavo Lassen ( Don Magnífico ). Já a protagonista, a Cenerentola ( Cinderela ) Josy Santos, eu tive a impressão de que não estava muito à vontade no início, mas foi melhor no final, mostrando uma agilidade vocal na cena do casamento que foi impressionante.  E o par romântico da mocinha, o príncipe Don Ramiro / Cleyton Pulzi, eu achei um tanto apagado. Talvez porque fosse o ´mocinho´ da história, e mocinho é sempre sem-graça mesmo... 

A cenografia não era nenhuma maravilha. De início há dois grandes painéis laterais, que com apliques de molduras e frontões, dão a sensação de um lugar imponente, ok.  Mas o palácio do príncipe... o coitado devia estar falido. Acho que não foi só a falta de verba, o palácio com árvores recortadas e iluminação em contra-luz era feio mesmo... O coro ( 14 homens ) em algumas cenas entra com adereços, umas hastes metálicas com bolas nas pontas, que se transformam conforme a ocasião, sendo às vezes segurados pelos atores, às vezes transformados em adereços fixos da sala do trono. Outra vez, feinho, feinho... 

Mas eu ia esquecendo de falar do coro. É sempre legal ouvir muitas vozes em uníssono, é um som que  sempre me chama muito a atenção, e dessa vez não foi diferente. Não chegou a ser tão impactante pelo fato de serem só 14 cantores, mas de qualquer maneira, foi legal de ouvir.


Outra coisa: eu de vez em quando vou a concertos, a óperas, não tanto quanto gostaria, mas vou. E na média dá para perceber que é um público mais educado, dificilmente há quem precise ser repreendido por fazer barulho. Sempre tem as inevitáveis tosses, mas acho que deve fazer parte da ´etiqueta´ de se assistir a esse tipo de espetáculo... já repararam como sempre tem gente com tosse em apresentações de música clássica?  Deve ser porque confundem ´espectador´ com ´expectorador´....   

Mas o que eu queria registrar é que por estar no balcão, dava para perceber que dois ´espectadores´, ou melhor, dois ´corpos presentes´ na platéia não largavam o smartphone o tempo todo. E a luz desses aparelhos, no escuro, incomoda, desvia a atenção. Se eu estivesse perto dos dois ( um em cada lado da platéia, não estavam juntos ), com certeza teria tomado providências para que desligassem. Ah, e um detalhe: não eram jovens, eram dois senhores,  um calvo e outro de cabelos brancos...   vai entender? Compra ingresso, sai de casa, vai até o teatro pra ficar no smartphoneSe é só pra fazer companhia a alguém, que então fique esperando no lado de fora, acho que deve ser constrangedor para quem está em cena ficar vendo um rosto iluminado por uma tela azul na platéia.

 


La Cenerentola
Com Josy Santos, Cleyton Pulzi, Roseane Soares, Debora Dibi, Johnny França, Gustavo Lassen
Direção de Emiliano Patarra ( direção musical e regência ) e Davide Garattini ( direção cênica )
Música de Gioacchino Rossini
Theatro São Pedro, até 25/mar/13

domingo, 10 de março de 2013

Batom Comedy

Sábado à noite, horário propício para uma diversão leve:


Dessa vez não havia programa, então a imagem acima foi retirada da internet

Eu já conhecia a Sil Esteves de alguns vídeos de humor da internet, do ´Parafernalha´. E esse foi o gancho para que eu me interessasse por esse espetáculo. Eu já assisti a alguns shows de humor, mas é algo esporádico, não é bem a minha preferência... Mas de vez em quando é claro que é muito bom assistir a alguma coisa leve, descompromissada. E foi a pedida desse sábado.

O horário do show, 23:30h, sugeria que o jantar acontecesse antes de ir ao teatro. Pensei até em aproveitar que iria até o Brás ( o Teatro Anhembi-Morumbi fica lá ), e passar na Castelões, que se não for a pizzaria mais antiga e tradicional de São Paulo, deve ser uma delas. Mas outros compromissos, junto com o verdadeiro dilúvio que caiu em São Paulo nessa noite, fez com que essa idéia fosse abortada.

Eu já conhecia o teatro Anhembi-Morumbi por ter assistido ´Mulheres Alteradas´ nesse espaço, no ano passado - por coincidência, outro espetáculo de humor protagonizado por mulheres. Lá é o teatro-auditório de uma faculdade, e acho ótimo que seja aproveitado para espetáculos para o público externo também. É uma sala sem luxos, mas confortável, com bons assentos e espaço para quem como eu, não é exatamente pequeno. Mas dessa vez, por causa da chuva, notei algo que não tinha percebido no ano passado: quando a gente passa pelo portão que dá para a rua, há um hall externo com uma cobertura bem alta. Só que essa cobertura não se sobrepõe à cobertura de vidro bem mais baixa que faz as vezes de marquise e que cobre o acesso à bilheteria e ao teatro. Ou seja, na transição entre elas você vai embaixo de chuva... o que era um problema, pelo menos no momento em que cheguei. Pelo menos aquela chuva toda também fez uma coisa boa: dessa vez não havia nenhum flanelinha para ´guardar´  o carro.

Mas falando agora do espetáculo, sem dúvida valeu a pena ter enfrentado o dilúvio para ir até lá. Como não poderia deixar de ser, os avisos de segurança já são humorísticos, e há uma pequena brincadeira com o incauto ( ou no caso, a incauta ) que sentou na poltrona C4. Aliás, a plateia não estava cheia, não sei se por falta de divulgação ou se a chuva fez com que algumas pessoas desistissem de sair de casa.

Quando as duas entram em cena, há a inevitável apresentação, e aí ficamos sabendo que a Giovanna Fraga é carioca - mas era só ela abrir a boca para isso fica claro - e que se apresentou em alguma competição de humor do Domingão do Faustão. Não estou querendo ser ´blasé´  ao dizer que não sabia disso por se tratar do Faustão, é que realmente, não sabia... não vi mesmo. E a Sil Esteves se apresentou e disse que é paulista, o que leva às primeiras piadas, das diferenças entre Rio e São Paulo. 

Não sou capaz de lembrar de todas as histórias e piadas, mas se não me engano, depois vem a Giovanna Fraga com uma história sobre ser recepcionista bilíngue. E mesmo sendo ela a ´dona´ da história, é claro que a companheira de palco também dá os seus pitacos, e quando inverte acontece a mesma coisa, uma sempre interferindo na história da outra, às vezes demonstrando uma certa competição entre elas, às vezes explorando algum detalhe...  E com certeza no texto dessa noite teve algumas referências pensadas especialmente para o público de São Paulo, tratando do Corinthians ( ou melhor, da torcida do Corinthians ) e da situação atual do Palmeiras.

Lá pela metade do show as duas dão espaço para a entrada do convidado da noite, o Zé Américo. Eu não o reconheci imediatamente, mas depois lembrei de já tê-lo ouvido no rádio. Ele não deixou a peteca cair, claro que aí alguns paradigmas se inverteram, e ao invés de tirar sarro dos homens, o tema passou a ser ´loiras´. Ele interagiu mais diretamente com a plateia do que elas, tratando com um casal que estava sentado na primeira fileira. E depois partiu para algumas imitações, sendo que a do Faustão foi a melhor.

Quando as duas voltam à cena, vêm vestidas com um visual ´funkeiro´ do Rio, o que dá motivo para mais algumas piadas. Aliás, não é à toa que eu não havia feito até agora nenhuma referência visual ao espetáculo: isso realmente não é importante. Não há diferenças de figurino entre elas, de início estavam com uma camiseta branca, simples, somente com o logo do ´Batom Comedy´. Quando vieram com roupas de ´funk´,  eram calças justas e uma blusa, mas nada de transparências ou de mini-saias...  O que é absolutamente pertinente. O show não é para exibir dotes físicos, é um show de humor para divertir com idéias, não com a exposição de corpos. Eu estou marcando, reforçando isso porque hoje em dia o jeito mais fácil de fazer sucesso, especialmente para mulheres, é explorar o lado físico. E ao se recusar a entrar por esse caminho, acho que as duas mostram que estão no palco não para se mostrar, mas para mostrar o seu talento, o que é  bem diferente.

Não que elas fiquem só falando apoiadas nos banquinhos, nada disso, é claro que o gestual reforça o que está sendo dito. Não sei da história das duas, mas me parece que a Sil Esteves tem um lado de atriz mais desenvolvido ( posso estar sendo injusto por ter visto trabalhos anteriores dela na internet, e nada da Giovanna, mas foi a impressão que tive ).  Acho que um dos pontos altos do espetáculo é a história do ´peido´, de como os homens e as mulheres se relacionam com o assunto. Se de início o caminho da história é pelo humor que a gente poderia esperar ao se falar de homens, no caso retratados como verdadeiros ogros, quando elas passam a tratar do peido no universo feminino, aí é de rachar de rir. Inclusive pela interpretação da Sil Esteves. Havia uma mulher sentada umas duas fileiras à minha frente, que acho que se identificou tão perfeitamente com o que estava sendo apresentado no palco, que se contorcia de tanto gargalhar.

No final, como fechamento do show, elas apresentam um funk, e a Giovanna capricha numa voz bem estridente, totalmente irritante, como são mesmo essas ´cantoras´  de funk. E ao final da música, nos agradecimentos ao produtor e aos apoiadores do espetáculo, mais piadas, e aí também fomos avisados de que a cada final de semana haverá um convidado diferente.

Só achei um pouco esquisito quando elas se despediram e saíram rapidamente do palco. Não que eu esperasse um bis, mas a impressão que tive é que assim como eu, outras pessoas levantaram para aplaudir de pé, e elas nem viram.

Enfim, comparando com outras experiências que tive de ´stand-up´, me diverti muito mais com esse show do que por exemplo com a famosa ´Terça Insana´, que assisti ano passado.




Batom Comedy
Com Giovanna Fraga e Sil Esteves
Texto de Giovanna Fraga e Sil Esteves
Teatro Anhembi-Morumbi, até 30/mar/13




sábado, 9 de março de 2013

Édipo Rei

Sexta-feira, noite de assistir ´Édipo Rei´ no Teatro do Sesc Belenzinho.



Estava ansioso para ver a peça, mais uma tragédia grega a ser encenada exatamente no mesmo espaço que ´Medéia´. Como já comentei sobre o Sesc, além da qualidade em geral dos espetáculos que se pode ver lá a bons preços, ainda tem outra vantagem: também para comer por lá é bastante barato. Antes de entrar na fila do espetáculo ( novamente a peça foi encenada no espaço ´alternativo´, sem lugares marcados ), parei na lanchonete que há no terceiro andar. E que aliás, é muito bonita, inclusive com mesas externas, numa varanda. Mas o que eu queria contar é o seguinte: pedi duas águas e dois pães-de-queijo, e a atendente do caixa me disse o valor: seis reais e noventa centavos. Daí eu achei que ela  havia esquecido de marcar alguma coisa, e disse, olha, são dois pães e duas águas... Ela confirmou o valor, e aí é que me caiu a ficha, pedi desculpas e disse que a gente está tão acostumado a pagar muito caro, que quando ouvi o valor da minha conta, achei que ela tivesse esquecido de anotar algum ítem...

Mas indo ao que interessa, ao entrar na sala de espetáculos o que vi foi um palco circular, em madeira, com uns 60cm de altura, e recortado em alguns lugares, por onde vazava luz de baixo para cima. Parecia uma mandala.  No fundo, uma construção com um portal ao centro, tudo em tons de ocre, marrom, bege. E nas laterais e na frente, três arquibancadas onde estavam dispostas cadeiras para o público. No meio dessas três arquibancadas, havia atores / músicos que tocavam tambores bastante grandes. Nós nos sentamos na arquibancada que dava de frente para o palco, bem perto do eixo da sala. O músico que estava ali, além de tocar o tambor com toda a força, também gritava num tom desesperado: ´Édipooooo.... Édipoooo´...  e no palco, três mulheres já estavam em cena, duas jovens e uma mais idosa, as jovens com vestidos drapeados, e a outra com várias sobreposições de peças em tons de terra, além de um xale preto. 

A primeira impressão foi de uma certa estranheza, pois no nosso subconsciente, quando se pensa em Grécia Antiga vem logo com a imagem da Acrópole de Atenas. Mas em seguida lembrei das aulas de História da Arquitetura, das aulas sobre a civilização grega, e é claro que aquilo que a gente admira tanto só se desenvolveu plenamente no Período Clássico. Então, a estranheza se tranformou em admiração pela cenografia, evitaram o efeito fácil das colunas gregas. E além do mais, a ação se passa em Tebas, não em Atenas...  

É claro que como todo mundo, eu sabia um pouco da história de Édipo, da maldição de seu destino de matar o próprio pai e desposar a própria mãe. Mas não conhecia direito os detalhes, meu conhecimento não ia muito além disso. O que de certa maneira, ajuda a se interessar mais pelo que se está vendo, pois é necessário descobrir o enredo enquanto ele é apresentado - mesmo sabendo o final.

A ação é sempre entremeada pelos comentários do Corifeu, que no caso, era representada pela Fabiana de Mello e Souza. Os lamentos que ela dizia logo no início da peça já davam o tom do espetáculo, mesmo que em alguns momentos, pelo fato do palco ser circular e ela se movimentar em todas as direções, não fosse possível compreender exatamente o que ela estava falando. É claro que a coisa esquenta mesmo quando entra em cena o rei Édipo ( Gustavo Gasparani ), que é chamado para que livre a cidade de uma peste, assim como a livrou anteriormente ao desvendar o enigma da Esfinge - razão pela qual se tornou rei.

Não vou ficar comentando muito sobre o enredo, já confessei a minha ignorância em não saber de antemão maiores detalhes de uma história clássica, mas é muito fácil de encontrar tudo na internet. O que eu quero registrar aqui é a experiência teatral que tive.

Se não há nenhum ator que se destaque em um atuação ´de gala´, nem mesmo a Eliane Giardini, o nome mais conhecido do elenco, ainda assim acho que vale a pena registrar o desempenho de Amir Haddad, que interpreta o adivinho cego Tirésias.  Não só pela dificuldade em dar credibilidade a ser um cego, mas pelas inflexões na voz que transmitiam o medo, a angústia, o horror de quem sabia o que viria, mas não era compreendido.

A Nina Malm ( Ismênia ) e a Louise Marrie ( Antígona ), eu só descobri que faziam personagens com nome quando peguei o programa para ver o nome dos atores e escrever aqui no blog... elas são o ´coro´, o ´povo´ que assiste a tudo mas não toma a iniciativa de nada, durante 90% do tempo. Só no finalzinho, quando Édipo está cego, é que as chama de filhas e elas vão para junto dele,  e então ele pede desculpas pelo terrível futuro que elas terão por serem suas filhas. E é somente aí que elas saem da borda do palco...  Acho que eu nunca tinha visto duas atrizes com papéis tão fáceis! hehehe...  em compensação, há um outro ator, César Augusto, que faz o papel de Creonte, que honra o nome que tem. Ele também não fica em cena durante muito tempo, mas tem uma presença, uma altivez, que combina perfeitamente tanto com o seu personagem quanto com seu nome verdadeiro. 

Enfim, se não foi uma daquelas encenações que a gente vai lembrar pro resto da vida, posso dizer sem dúvida que é um belo espetáculo teatral. Mesmo que seja só para conhecer uma das obras seminais da civilização ocidental, e que depois de Freud ficou mais conhecida como nome de complexo, foi uma bela noite de teatro. O tempo passou rápido enquanto assistia a essa peça, foram quase duas horas de encenação, e eu só me dei conta disso quando a peça acabou.


Pra finalizar, uma curiosidade: o ator que faz o Édipo, Gustavo Gasparini, é fisicamente bem parecido com o ex-marido da Eliane Giardini, o também ator Paulo Betti






Édipo Rei
Com Gustavo Gasparini, Fabiana de Mello e Souza, Eliane Giardini, César Augusto
Direção de Eduardo Wotzik
Texto de Sófocles
Sesc Belenzinho, até 31/mar/13

sexta-feira, 1 de março de 2013

O Grande Viúvo

Ontem a noite foi dedicada a ´O Grande Viúvo´, no Sesc Ipiranga:




Essa peça fez uma longa temporada em 2012 no Tucarena, mas acabei perdendo. O texto é do Nelson Rodrigues, cujo centenário foi comemorado no ano passado, o que me deu oportunidade de assistir a várias peças dele, então era mais um motivo para assistir a ´O Grande Viúvo´, mas principalmente, eu estava curioso em ´ver´ o tal Teatro Cego, onde não se enxerga nada...

Ainda não conhecia o Sesc Ipiranga, já havia passado em frente, na Rua Bom Pastor, mas nunca havia entrado. Como cheguei com um pouco de antecedência, acabei dando uma voltinha por lá, fui até a lanchonete e passei por uma sala de exposições, onde havia uma mostra dedicada ao Mazzaropi. O edifício é mais antigo do que os outros Sescs que costumo frequentar, não sei bem mas deve ter uns 30 anos. A manutenção está em dia, ´padrão Sesc´, mas claramente é de uma época em que as unidades eram construídas com projetos mais simples. No teatro, a mesma coisa, a entrada é um tanto acanhada, não há um foyer, o espaço de espera é o hall de distribuição geral do Sesc, e ultrapassando as portas do teatro em caixilhos de alumínio anodizado,  há simplesmente um corredor que leva às laterais da sala de espetáculos. O que interessa mesmo, é claro, são as condições do teatro, e no pouco tempo em que ficamos sentados nas poltronas, pareceu tudo ok.

Foi por pouco tempo que ficamos nas poltronas por um motivo inusitado: o público é chamado para subir ao palco.  Ontem o teatro não chegou a ficar lotado, e claro, por causa da dinâmica da peça, não havia lugares marcados. Quando chegou o horário de início da peça houve uma pequena introdução, primeiro de um integrante do staff contou que alguns dos atores em cena são realmente cegos, e trouxe ao palco uma atriz cega chamada Paula. Ela explicou que seríamos todos conduzidos ao palco ( há uma rampa ligando o palco ao corredor junto à ribalta ) em grupos de quatro pessoas. Que então deveríamos nos sentar, e que seríamos avisados de em qual setor estávamos, pois caso alguém passasse mal deveria levantar uma mão e dizer em que lugar estava, e alguém da produção iria ´resgatar´ a pessoa.  Mas que só deveríamos fazer isso em último caso, pois isso quebraria a magia da experiência. E contou também que a peça era no escuro mas não era de terror, e que não precisávamos ficar preocupados, não  haveria nenhum contato físico com a platéia, nós apenas sentiríamos o espetáculo com todos os nossos outros sentidos, pois a visão estaria anulada pela escuridão.

Fomos então conduzidos pelo staff para detrás da cortina de cena. Lá já reinava a escuridão total, éramos guiados em fila indiana, cada um com a mão no ombro da pessoa em frente, e o guia levava uma lanterninha muito fraca apontada para o chão, apenas para não tropeçar. Fomos dos primeiros a subir ao palco, então ficamos no setor 1. O que deu para perceber é que o nosso setor era composto por 3 fileiras de 4 cadeiras de plástico cada, sendo que a fileira em que eu estava ficava de frente para as outras duas. Aguardamos todos os ´expectadores*´ tomarem seus lugares, e a peça começou.

Após uma introdução de música instrumental, ouvimos rezas, Aves-Marias, e choros. Logo a gente se dá conta que estamos em um velório, e a morta é Dalila, esposa de Jair, que está inconsolável. Daí a instantes, quando aconteceu o enterro, os atores ficaram bem atrás da fileira onde estava sentado e então dava para sentir a trepidação do palco a cada vez que a ´pá´  estava escavando a terra. A sonoplastia é incrível, você realmente ouve o baque surdo do caixão batendo em alguma coisa, a terra sendo jogada, as flores...

Depois de mais um trecho instrumental, que era usado para marcar as mudanças de cena, ouve-se a família do viúvo, chamado Jair, preocupada com a saúde dele. A mãe, com sotaque que me pareceu ser do leste europeu, o pai, a filha e o genro, que tem todo o jeito de malandro. O pai diz que a viuvez se cura em 48 horas, mas ao ouvir isso Jair entra no ambiente e anuncia que a vida dele acabou, e que ele só não vai se matar naquele dia mesmo porque pretende construir um mausoléu para ele e Dalila, e que inclusive já tratou da compra do terreno para isso.

Novo corte de cena, o pai chega em casa para o café da manhã com pão quente, é feito um café fresco, e sentimos cheiro de pão e café. Há uma outra conversa da família, ainda sobre o sofrimento de Jair, especulações se ele é capaz de se suicidar ou não. Paralelamente, ficamos sabendo que o genro é um vagabundo, sem emprego, que vive às custas da família da mulher. Coisa que aliás é típica dos personagens do Nelson Rodrigues, e a essa hora eu já estava vendo aquelas casas de subúrbio do Rio de Janeiro nos anos 50.  Ainda durante o café da manhã, que Jair recusa a compartilhar,  ele anuncia que como todos os dias vai ´visitar´  a falecida no cemitério. A mãe dele o repreende por não se alimentar e por sair na chuva fria, diz que o corpo dele não vai aguentar e que  vai ficar doente. Em seguida ouvimos Jair no cemitério, conversando com Dalila em seu túmulo, e como está garoando, sentimos que está garoando na platéia também.

Outra cena, de volta à casa. Era o momento do almoço, então sentimos o cheiro de carne assada - mas dessa vez acho que o ´tempero´ não estava bom, achei um tanto enjoativo...  E vamos acompanhando o desenrolar da história pelas falas dos personagens, e essa ´radionovela´  é acrescida de outras sensações, principalmente através dos ruídos da sonoplastia e dos cheiros.

Mas retomando o enredo, nesse momento a família discute inclusive se era o caso de internar o Jair, estão preocupados com a possibilidade de suicídio dele, pois ao contrário do que o pai previra de início o tempo não está trazendo melhora alguma ao seu filho, muito pelo contrário.

A mãe então revela que chamou um primo para o jantar, e esse primo, por ser extremamente religioso, ter sido coroinha por anos e anos, poderia ajudar a ´curar´  o Jair, já que o ´problema dele é espiritual´.  Não pude deixar de notar que se fosse hoje em dia, certamente haveria referências a psicólogos, depressão, drogas para controlar desvios de comportamento....  Mas isso não fazia parte do universo de Nelson Rodrigues. A idéia da mãe é rechaçada pelo resto da família, o pai acredita que o tal primo é um fracassado que nem conseguiu passar de coroinha a padre, e todos os demais o acham extremamente chato. Mas a mãe mantém a esperança de que isso ajude seu filho.

Novo corte musical, nova cena, e Jair é flagrado usando uma calcinha da falecida como lenço. Ele sai batendo a porta, e a família volta a conversar sobre o futuro de Jair. Então o genro, o malandro que vive às custas da família, aparece com uma idéia: o problema de Jair é o amor que continua sentindo pela falecida. Então o jeito de curar o viúvo é acabar com esse amor. Todos em princípio acham a idéia absurda, pois não há meios de conseguir isso. O genro diz que mulher alguma está livre de ser vítima de ´uma boa calúnia´,  e com uma morta é ainda mais fácil,  pois ela não poderá negar. A idéia é convencer Jair de que Dalila tinha um amante, e com isso destruir o amor que ele ainda sente por ela. Apesar do espanto, mesmo porque Dalila teria sido ´honestíssima´ em vida, o pai começa a achar a idéia interessante. 

Essa conversa em família ocorre antes do jantar onde o tal primo, o ex-coroinha, está sendo aguardado. Ao final da conversa, sentimos o cheiro da sopa que estava sendo preparada.  A conversa é interrompida pela chegada de Jair, que quer saber o que estava sendo dito. Em princípio todos tentam desviar o assunto, mas o pai acaba cometendo a ´inconfidência´  de dizer que Dalila tinha um amante. Jair a princípio refuta essa possibilidade e mostra que está armado com um revólver, que aponta para a própria cabeça e ameaça atirar se não disserem o nome do tal possível amante. A  mãe entra em desespero, todos falam coisas desconexas, e nisso, chega o tal primo coroinha. Para que o filho não se suicide, a mãe indica que o primo é que foi o amante de Dalila.

O Jair então vai armado em direção ao primo, que recua apavorado, pois não está sabendo o que ocorre ali, e claro, pensa que será morto.  Mas aí vem o grande fecho nelsonrodrigueano, com um final que não era o que se poderia esperar, e que eu não vou contar aqui. Só o que posso dizer é que absolutamente pertinente com o universo do autor...

E então, termina o espetáculo. Um dos atores acende uma vela, e vai apresentando os outros, um a um. Conforme tem seu nome chamado, cada ator ( agora iluminado pela vela ) repete uma frase de seu personagem, de modo que podemos saber quem interpretou a mãe, o pai, a filha, o cunhado, e claro, Jair.  A vela é novamente apagada, mas as luzes do palco não são acesas, apenas as luzes da platéia, que vazam pelas frestas das laterais da cortina. Daí é que pude perceber melhor o espaço onde estávamos: havia dois corredores ortogonais que se cruzavam no centro do palco, com mais ou menos um metro e meio de largura. Nesses corredores, bem no eixo, há cabos de aço a mais ou menos dois metros de altura, e obviamente são esses cabos de aço que guiam os atores na escuridão total.

Eu não sei relacionar os nomes dos atores com os dos personagens, e o programa fornecido não traz essa informação. Mas só o ´pai´  que eu achei que destoava um pouco, tinha a voz muito empostada, que não condizia com o restante das interpretações, e por isso me parecia um tanto falsa. De qualquer maneira, isso não chega a comprometer o prazer de acompanhar essa peça, a gente realmente ´entra´ no enredo, e vai acompanhando tudo como se realmente estivesse vendo. Eu preferi ficar de olhos abertos, mesmo não enxergando absolutamente nada. Quando fechei os olhos, me pareceu que desconcentrava um pouco. Então, acabava olhando naturalmente para cima, como se estivesse evitando ´encarar´ o expectador que estava na minha frente ( nossas fileiras eram voltadas uma para a outra ), e ia virando a cabeça de modo a direcionar os ouvidos para onde vinha o som. Foi uma experiência interessante,  ´assistir´  uma peça sem ver nada.

Dessa vez foram apenas duas apresentações no Sesc Ipiranga, mas sei que vão haver mais, em outros espaços. Vale a pena conferir. 



* Agora parei para pensar no assunto: expectadores, platéia, assistir à peça, ver o espetáculo.... tomamos a visão como o sentido primordial, e obviamente, isso se reflete na linguagem. Mas para dar conta de fazer esse texto, essas palavras não são as mais adequadas, apesar de ser difícil escapar delas.




O Grande Viúvo
Com Bruno Righi, Giovana Maira, Manoel Lima, Paulo Palado, Sara Bentes e Sérgio Sá
Direção de Paulo Palado
Texto de Nelson Rodrigues
Sesc Ipiranga, até 01/mar/13