quarta-feira, 27 de março de 2013

Lampião e Lancelote

Esse final de semana, por questões pessoais, acabou tendo a ´rotina´ um pouco alterada. A saída para o teatro só aconteceu no domingo, e num horário estranho, às oito da noite. Normalmente, de domingo as peças começam mais cedo...







Lampião e Lancelote está em cartaz no teatro do Sesi Paulista, na sede da Fiesp. É claro que sendo um espaço mantido pela principal entidade de classe da indústria brasileira, o teatro está em perfeitas condições. Não chega a ser tão confortável quanto o da Federação do Comércio ( Teatro Raul Cortez ), mas é agradável, tem acesso fácil, há bom espaço entre as poltronas ( se bem que dessa vez acabei ficando na fileira A, e tinha todo o vão do corredor para esticar as pernas ).

A peça  é uma fábula musical, o encontro do cavaleiro do Rei Arthur, Lancelote, com o Rei do Cangaço, Lampião. O narrador é o Cássio Scapin, que além de ser muito conhecido dos trabalhos dele na tv,  vi em cena no ano passado, quando ele deu um show na peça ´O Libertino´, no papel principal.  Todo o texto é feito em versos, mesmo na narração. E as músicas são de Zeca Baleiro, algumas em pareceria com o criador da fábula, Fernando Vilela, e outras com Braulio Tavares, que cuidou da dramaturgia. 

Eu confesso que esse tipo de olhar, misturando a cultura popular brasileira com histórias ´universais´ ( desculpe, mas me falta termo melhor no momento ), é algo que me atrai muito. Mas eu não conhecia o texto do Fernando Vilela, aliás, nem o autor...  Só quando peguei o programa é que descobri que a história foi lançada em um livro ilustrado pelo próprio Fernando em 2006. Aliás, como dá para ver pela capa, o programa é lindo, e traz inclusive as letras das músicas. 

Como afirmei acima, a abordagem da cultura popular que está proposta no próprio título da peça  já me deixava propenso a gostar. O que se por um lado é positivo, por outro, pode causar uma decepção bem maior do que quando a gente vai sem esperar nada.  Mas não foi o caso, gostei muito do que vi. Essa junção de um personagem de cavalaria da Idade Média européia com o universo do sertão tem tudo a ver, já que como a gente aprende com o Ariano Suassuna, parte daquele universo se manteve nas tradições do Nordeste, em especial no sertão.

O cenário é simples e lindo, basicamente um tablado inclinado, que com uma lona preta é o piso de um castelo europeu, e depois, com a lona retirada, aparece uma textura de terra, onde do lado direito é feita a projeção ( no piso mesmo ) de uma vaca.  A encenação ocorre basicamente em ´camadas´,  os movimentos são quase todos paralelos ao palco. O narrador, inclusive, se desloca o tempo todo como um caranguejo, e no chapéu que usa há um guizo, que vai marcando os movimentos. Além dessa primeira ´camada´  do palco, há uma segunda, atrás do plano inclinado, onde os atores entram e saem de cena por um carrinho preto, que fica basicamente escondido atrás do plano inclinado, de tal modo que quando se movimentam no carrinho, pareciam flutuar - pelo menos pra quem estava na parte de baixo da platéia, como eu.

Ainda atrás desse plano onde estava instalado o carrinho, havia uma estrutura vertical, onde a personagem Morgana estava na primeira cena, e Lancelot vai até lá. Mas depois essa estrutura fica quase escondida por um corredor feito de duas ´cortinas´ de cordas pretas, que devem estar afastadas formando um corredor de um metro e meio, mais ou menos. Uma das cenas mais bonitas visualmente é quando a Morgana passa por esse corredor de braços estendidos, mexendo nas cordas.

Outro aspecto muito legal são os figurinos. As roupas dos personagens da Inglaterra são todas em preto, com adereços metalizados. As dos cangaceiros, claro, são em tons de terra e cobre. Mas não são simplesmente ´fantasias´, são mesmo recriações, com vários detalhes de coisas penduradas, cabaças, guizos...   Aliás, uma das cenas mais engraçadas é quando Lampião faz troça com as roupas de Lancelote... e quando os dois vão se comparando, dizendo os nomes das peças que levam com eles.

A história é basicamente a seguinte: Morgana, sentindo-se rejeitada por Lancelote, para se vingar o envia com um feitiço para outro lugar no tempo e no espaço, e ele vai cair no sertão, perto do bando de Lampião.  Obviamente, Lampião e Lancelote, dois guerreiros, se desafiam e vão entrar em confronto...  Morgana então interfere, já que Lancelote está sozinho, e vai atrás do amado. Há também o enfrentamento / estranhamento entre Morgana e Maria Bonita, e tudo isso, entremeado por várias canções, muitas delas com música ao vivo. No final, Lampião e Lancelote se reconhecem como grandes guerreiros, que se respeitam, e de certa maneira surge até uma certa amizade entre eles, sendo a vez de Lancelote tirar um sarro de Lampião.

Aliás, quem representa Lancelote é Leonardo Miggiorin. Eu lembro que no ano passado, quando fui assistir ´Equus´, que ele protagonizava, cheguei ao teatro com um certo preconceito contra ele. Não lembro o nome da novela da Globo em que ele trabalhava, mas que me irritava com sua voz. Passei a antipatizar com a voz dele, antes de mais nada. Mas em ´Equus´  ele atuou muito bem, e a mesma coisa agora, em Lampião. Aliás, todos vão bem na peça, Daniel Infantini ( Lampião ), Luciana Carnieli ( Maria Bonita ), Vanessa Prieto ( Morgana ).

Enfim, foi um espetáculo leve, alegre, divertido, que faz a gente ter aquela sensação gostosa de que valeu muito a pena sair de casa. E pra terminar a noite, uma pizza levinha na Vila Madalena, que o jantar é sempre importante, serve pra esticar um pouco mais o prazer do teatro e ir trocando impressões sobre a peça.

Saí de lá curioso para saber o que o Ariano Suassuna acharia desse espetáculo. Minha opinião é de que ele iria gostar muito...




Lampião e Lancelote
Com Cássio Scapin, Leonardo Miggiorin, Daniel Infantini, Luciana Carnieli, Vanessa Prieto
Direção de Debora Dubois
Dramaturgia de Braulio Tavares, sobre texto de Fernando Vilela

Teatro do Sesi - SP, até 30/jun/13

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