domingo, 7 de abril de 2013

O Desaparecimento do Elefante

Sábado, 6 de abril, noite já reservada há tempos para ´O Desaparecimento do Elefante´. Essa peça estreou no Rio de Janeiro, fez sucesso por lá antes de vir a São Paulo, o que eu já estava aguardando. Por sorte veio ao Sesc, o que facilita muito, pois o preço do ingresso fica sempre bem barato.




Claro que eu já fui várias vezes ao Sesc Pinheiros, onde a peça foi apresentada. Mas nesse ano foi a primeira vez, então não falei sobre o local aqui no blog.  O Sesc Pinheiros, na Rua Paes Leme, é de fácil acesso, mas num lugar um tanto complicado de se estacionar. Quando se consegue vaga no próprio Sesc é ótimo, mesmo com o longo tempo de espera para receber o carro depois, vale a pena.  As alternativas são estacionar na própria rua e ser achacado por um ´guardador´  de carros, ou buscar vaga um pouco mais longe, o que eu sempre prefiro. Ontem consegui vaga dentro do Sesc, caso contrário teria procurado vaga ao lado ou nos fundos da Igreja de Pinheiros, onde fica o ´Cu do Padre´.

Mas se cheguei a tempo de estacionar lá dentro, não foi o suficiente para comprar ingressos para os outros espetáculos que vão acontecer na rede Sesc nos próximos dias, nem para dar uma passadinha na ´comedoria´ do Sesc Pinheiros, que entre as que eu conheço, é a mais bonita. O teatro em si é ok, tem um foyer generoso, com uma instalação interessante de uma sala de estar suspensa, ao lado da loja de publicações do Sesc.  Dessa vez, quem estava lá para assistir eram o Antunes Filho e a Bia Seidl - mas não juntos, pelo que percebi.  Dentro da sala de espetáculo, as fileiras de poltronas têm uma boa diferença de altura entre elas, o que garante a visibilidade em qualquer lugar. Mas a distância entre as fileiras não é tão boa assim, por isso quando comprei os ingressos escolhi um assento que ficava na ponta do corredor lateral, de modo a poder colocar as pernas para fora.

Mas o que interessa mesmo é a peça, ´O Desaparecimento do Elefante´.  O que havia me chamado a atenção, quando soube que a peça estava no Rio de Janeiro, foi a presença de três atores:  Caco Ciocler, que eu vi em cena tanto em ´Casting´, no próprio Sesc Pinheiros, quanto em ´45 minutos´, um monólogo - e ambos ótimos espetáculos; Maria Luísa Mendonça, que esteve em cena ano passado com ´Boca de Ouro´; e Marjorie Estiano, que eu só conhecia do trabalho na tv, mas que acho ótima atriz, além de boa cantora.

Após os avisos iniciais de segurança, a produção comunicou que o Caco Ciocler seria substituído pelo André Frateschi, e ouviu-se um grande ´ohhhhhhh´ feminino, de clara decepção com a substituição. Imagino que não seja fácil para um ator ouvir isso da coxia....  Porque ele foi o primeiro a entrar em cena.

A peça é dividida em 5 atos, mas sem interrupções para intervalo. São cinco histórias curtas, baseadas em contos do escritor japonês Haruki Murakami, de quem eu absolutamente nunca tinha ouvido falar...  a primeira história foi ´O pássaro de cordas e as mulheres de terça-feira´, acho que a mais comprida das cinco encenações.  No palco, vemos um homem sozinho dentro de casa,  um tanto deprimido, pois está desempregado. Toca o telefone, e aí a luz se acende na parte superior do cenário, onde lá no fundo, por trás de uma rede, vê-se uma mulher nua ( Marjorie Estiano ), sentada numa poltrona e falando ao telefone, ao mesmo tempo em que se masturba. Ela tenta fazer com que ele seja seduzido pela conversa sensual, mas em princípio, ele entende que é papo de vendedora e desliga o telefone. Ela insiste e mostra ter certo conhecimento sobre ele, mostra que sabe coisas como idade e signo, e revela que já esteve interessada nele anos antes.  Ele desliga o telefone, mas ela volta a insistir.

A Marjorie Estiano aparece nua na parte de cima do cenário, mas se alguém foi até lá só para ver isso, perdeu a viagem. A sensualidade está muito mais na voz do que na visão que se tem, já que além de estar no fundo do palco, atrás de uma tela, há uma iluminção que dá um efeito ´chiaro-scuro´ que esconde muito mais do que revela.

Depois o telefone toca novamente, e da mesma maneira, no fundo do cenário e atrás de uma tela, vemos a Maria Luisa Mendonça falando ao telefone, mas por detrás de uma mesa de escritório. Ela é a esposa, e falando com o marido desempregado, mostra que é o atual ´homem da casa´, dando ordens e de certa maneira o humilhando, ainda mais depois que ele não aceita uma proposta de emprego que não considera adequada para ele. A esposa  também se mostra preocupada com o gato do casal, que sumiu há quatro dias. O telefone volta a tocar, e é novamente a voz da Marjorie Estiano, novamente tentando seduzir o homem, que resiste, e vai procurar seu gato, em um beco perto de onde mora.

Nesse beco há uma jovem tomando sol ( Fernada de Freitas ), que ainda que de modo muito mais sutil, também tenta seduzir o tal homem. Ela está em recuperação após ter sofrido um acidente, e por isso passa o dia numa espreguiçadeira tomando sol. Se estabelece um longo diálogo entre os dois, sendo que ele a trata como uma adolescente fútil tentando mostrar uma sabedoria que não tem, e ela o trata como um ´tiozão´ esquisito. Tudo isso entremeado pela espera do gato, que tem o nome de ´Noboru Watanabe´. Gostei do nome, se um dia vier a ter um gato, acho que vai se chamar ´Noboru´. 

Após uma tarde de espera pelo gato, o marido retorna à sua casa, e lá encontra a mulher, que voltou do trabalho. Ele chega com lenços de papel azuis, e papel higiênico com estampa florida. Há então uma discussão, a esposa não se conforma por ele tem comprado aqueles produtos que ela ´não suporta´, e que é um absurdo depois de seis anos de casamento ele não saber que ela detesta papel higiênico florido....   A cena termina com o marido desconsolado, suspirando pelo dia difícil.

Nessa apresentação, essa foi a única trama que não foi aplaudida ao final, mas acredito que por timidez da platéia. Sem dúvida, foi a história que eu mais gostei, havia sempre uma tensão no ar, algo mais sendo dito através da linguagem corporal, que ia muito além do texto. E o destaque nessa cena foi justamente o André Frateschi, que substituiu o Caco Ciocler. Parabéns a ele por ter levado tão bem a cena, em situação que começou tão adversa... 

Em seguida, veio ´O Comunicado do Canguru´, que é  um monólogo feito pelo Kiko Mascarenhas. Nesse trecho do espetáculo, ele é um funcionário de uma loja de departamentos que é encarregado de responder às demandas dos clientes. O cenário é uma mesa, e  uma cadeira, e ele fala para uma câmera de vídeo, pois está gravando uma resposta ( totalmente fora dos padrões ) para um cliente que comprou um CD de música clássica de um autor, mas queria trocar por outro, só que sem nota fiscal, com a embalagem violada.... ou seja, coisa que loja nenhuma aceitaria.  Mas a carta do cliente de algum modo toca o funcionário de maneira especial, e o que vemos é esse funcionário, esse burocrata que faz suas tarefas de modo absolutamente automático, revelar muito de sua vida, de sua personalidade, de suas inseguranças, nesse vídeo que está gravando para o cliente.  E nós vemos o que a câmera está gravando projetado num telão à direita do palco, e nos fundos, há também telas onde são projetados slides que sugerem um escritório. Esse recurso, de projetar o cenário num anteparo, é muito bem explorado na trama seguinte, chamada ´Sono´.

Em ´Sono´, novamente há o casal formado pela Maria Luísa Mendonça e o André Frateschi. Mas agora é ela quem domina a cena, é  uma dona de casa que sofre de insônia crônica, e que está há dias sem dormir. O marido é um dentista em início de carreira, e ambos têm um filho. Trata-se de uma família de ´comercial de margarina´, mas a mulher, por não dormir, começa a ter alucinações com o livro ´Anna Karenina´, de Tolstoi, que está lendo. Essa crônica é a mais lírica, com os personagens se transformando a todo momento em marido / mulher contemporâneos ou personagens do livro. E houve uma solução na encanação que achei muito legal: o cenário é projetado sobre superfícies verticais, uma mais larga ao centro, e outras duas menores e mais recuadas nas laterais, de modo que há um corredor entre elas. Por esse corredor os personagens entram e saem do palco, e as projeções vão alternando os ambientes entre o apartamento do casal e a Rússia do século XIX. Mas o mais interessante em relação ao cenário foi quando o filho vai para o quarto dormir, e depois o marido: nas superfícies laterais estão projetadas camas, na vertical. Então cada um deles se encosta, de pé na frente da superfície, e ´deita´ sobre a projeção, em posição de dormir.

A trama não tem uma ´solução´, não é revelado o que acontece com a personagem, se ela resolve o seu problema de insônia ou não. E nem é necessário, o que fica é o jogo entre alucinação e realidade, de um modo bastante fluido, e muito bonito. Agora foi a vez da Maria Luísa Mendonça brilhar, numa atuação  muito delicada.

Depois vem a encenação cômica do espetáculo, a crônica ´Segundo Ataque´.  Há  um ´mano´  de periferia ( Kiko Mascarenhas ), com seu linguajar cheio de gírias, que está com fome e sem nada na geladeira, em plena madrugada. Ele está recém-casado com uma japonesa ( Marjorie Estiano ), que o faz pegar a sua pistola, e juntos saem para um assalto à uma lanchonete, no caso a ´WcDonald´s´.  Essa foi a encenação que eu menos gostei, achei inclusive que a platéia tinha muitos risos forçados, coisa que não era tão engraçada assim, mas que as pessoas gargalhavam como se estivessem vendo uma grande comédia. Nada disso. A encenação tem as críticas óbvias ao fast-food, o casal de ladrões são dois boçais... O que chamou mais a atenção foi a encenação da Marjorie Estiano, ela estava caracterizada como uma boneca japonesa, e tinha um gestual todo fragmentado. A voz, com sotaque nipônico, claro, em alguns momentos ficava ininteligível, simplesmente não dava para entender o que ela falava. Essa ´esquete´  foi a que eu achei mais fraca, poderia ter feito parte de um show de humor qualquer. Apesar do desempenho físico da Marjorie, não havia nada que trouxesse um ´algo a mais´, nenhum lirismo, apenas uma caricatura.

E por fim, chegamos ao texto que dá nome ao espetáculo, ´O Desaparecimento do Elefante´. Numa loja de móveis planejados, a jornalista ( Fernanda de Freitas ) vai ao encontro do representante da loja ( Rafael Primot ), saber dos lançamentos da empresa para uma matéria em revista de decoração. Na verdade, os dois estão ali apenas para cumprir o seu papel profissional, nenhum dos dois têm real interesse nos produtos. Nem o funcionário acha que as modificações da nova linha têm real importância, ele apenas repete o que lhe foi dito pelos seus superiores.  Mas a partir da sinceridade dos dois, há uma relação mais humana, menos profissional, e ambos mostram um certo interesse um pelo outro. Sentam-se lado a lado na loja vazia, e começam a conversar sobre suas vidas.

Em determinado momento, o assunto chega no desaparecimento de um elefante e de seu tratador, ocorrido na cidade cinco anos antes. A cidade desativou seu zoológico por causa dos autos custos, transferindo os animais para outros zoológicos. Mas ninguém aceitou um velho elefante, que ficou em um viveiro sozinho, sendo cuidado apenas por um tratador. Num certo dia, ambos sumiram sem deixar pistas, o elefante simplesmente ´evaporou´,  não havia marca nenhuma no chão de areia. E esse caso passa a intrigar a cidade por meses.

O funcionário da loja, em tom de confidência, revela que provavelmente foi o último a ver o elefante e seu tratador, pois tinha costume de andar por uma trilha perto do viveiro, e no final da tarde quando o desparecimento aconteceu, ele estava lá. A encenação então passa a utilizar de recursos de flashback, com projeções em uma tela de um telejornal da época, os dois âncoras relatando a notícia e comentando, assim como imagens do funcionário em meio à trilha, observando o elefante - que nunca é  mostrado.

A teoria do funcionário para explicar o desaparecimento do elefante é que ele encolheu, e assim foi levado embora - mas ele não sabe por quem. A decepção da jornalista é clara, e ela vai embora. Em seguida, ele, sozinho, acaba desistindo de telefonar e convidá-la para jantar. É um final um tanto melancólico, mas aí entrou uma música que achei totalmente desnecessária: ´Maluco Beleza´, do Raul Seixas. Até aquele momento eu estava achando a encenação bastante lírica, sutil, mas a presença dessa música me trouxe a sensação de que ´a interpretação do que vocês viram é análoga a essa letra e ponto final´, uma trilha sonora muito óbvia, que destoou do resto do espetáculo. Nada era muito comum, as histórias não são comuns, o cenário com projeções onde os atores ´deitam´ de pé nas camas, e no final me aparecem com uma música óbvia? Não gostei.

Aliás, ia esquecendo de dizer, mas obviamente nessa última parte a Fernanda de Freitas teve mais destaque. Não que na trama inicial, quando ela fez o papel da garota que está tomando banho de sol, ela tenho ido mal, mas é que naquele momento, a personagem era mais ´simples´, e ela deu conta apenas com os trejeitos de adolescente. No final, no papel de jornalista, aí sim havia um texto melhor, e a encenação funcionou muito bem com o Rafael Primot. O que não gostei mesmo foi da música no final...


Mas o saldo final do espetáculo foi bom. Não foi tudo o que eu esperava, tinha  uma certa expectativa sobre a peça, pelo sucesso que foi no Rio. Mas valeu sair de casa para vê-la, foi uma experiência interessante, com boas atuações, no geral, mesmo que eu não tenha gostado de alguns detalhes.






O Desaparecimento do Elefante
Com André Frateschi, Maria Luísa Mendonça, Marjorie Estiano, Kiko Mascarenhas, Fernanda de Freitas, Rafael Primot
Direção de Monique Gardenberg e Michele Matalon
Texto de Haruki Murakami
Sesi Pinheiros, SP, até 05/mai/13  

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