Em um teatro que ainda não conhecia, o Cacilda Becker, está em cartaz ´Sonata a Kreutzer´, que ano passado estava no Sesc:
Eu já esperava uma peça ´difícil´, pois é uma adaptação para o teatro de um livro de Tolstói, do mesmo nome. Acompanhar a peça é mesmo complicado, são dois atores em cena que trocam de ´persona´ o tempo todo. Eu já tinha a informação de que o livro é a narração de um crime, o marido matou a esposa por ciúmes. Na verdade, na encenação não existe ´narrador´ e ´personagem´, mas dois atores interpretando o mesmo homem atormentado. A peça começa com um deles mexendo em uma maleta que contém uma vitrola de 78 rotações, sobre uma mesa. Isso com a cortina ainda fechada.
Depois, quando a cortina é aberta, vemos alguns móveis clássicos, antigos: cadeira, quadros, um suporte de partitura, um ´case´ de violino, tapete... E o texto começa muito hermético, depois de um tempo é que se vai compreendendo melhor o enredo. Mas isso não quer dizer que seja desinteressante, muito pelo contrário. Logo no início o diretor usa um recurso muito interessante: de repente um dos atores diz ´intermezzo!´ e as luzes da platéia se acendem, e o que acontece é como um comentário, algo ´fora´ da narração linear do enredo. Esse recurso é utilizado várias vezes, e é muito interessante, mas de vez em quando, com as luzes da platéia se acendendo após uma cena escura, causa um certo desconforto nos olhos. E tudo isso, claro, entremeado pela ´Sonata a Kreutzer´, de Beethoven, que vai sendo tocada na vitrola.
A interpretação dos dois atores é ótima, os dois agem como se realmente fossem um só personagem, em alguns momentos na mais perfeita sincronia, para acender um cigarro, por exemplo. O gestual é todo duro, como convém a um aristocrata do século XIX. Mas quando aparece o causador dos ciúmes que levam à morte da esposa, um violinista, a partir daí em alguns momentos eles se alteram para ilustrar cenas com os outros dois personagens da história também, o violinista e a esposa. Aliás, o personagem do violinista é introduzido de uma forma muito cuirosa, através de um quadro: um retrato é retirado da parede, e enquanto um dos atores vai descrevendo algumas de suas características, outro pega pincel e tinta e vai desenhando sobre o vidro... algo totalmente non-sense, que a platéia não esperava.
E há também momentos de humor, quando o personagem faz algumas reflexões sobre o casamento, por exemplo. E a gente vê que as atribulações sobre relacionamentos não são diferentes no século XXI do que eram no século XIX...
Enfim, é uma peça complexa, um texto complexo, totalmente diferente da comédia que assisti no dia anterior. E também ótima, à sua maneira. A temporada acaba amanhã, mas quem sabe ainda volte em outro espaço.
No início eu comentei que foi a primeira vez em que estive nesse teatro. É um espaço da Prefeitura de São Paulo, foi reformado em 2009, e está sendo mantido em bom estado de conservação desde então. As poltronas são confortáveis, há bom espaço entre as fileiras, mas a altura entre elas é um pouco pequena, imagino que pessoas mais baixas possam ter alguma dificuldade em ver o palco, dependendo de quem sentar à sua frente. As paredes laterais são decoradas com um tipo de xadrez, alternando elementos pré-moldados e massa pintada - não há revestimento acústico, então não sei como o teatro se comportaria em uma apresentação musical, por exemplo. Mas as portas de emergência estão lá, uma em cada lado da platéia, e claro, desde que estejam destravadas, dá pra todo mundo sair num instante em caso de emergência.
Sonata a Kreutzer
Com André Capuano e Ernani Sanchez
Direção de Marcello Airoldi
Dramaturgia: Cássio Pires, sobre texto de Liev Tólstoi
Teatro Cacilda Becker, até 21/abr/13
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