sexta-feira, 19 de abril de 2013

Academia das Eruditas

Academia das Eruditas, na Sala Experimental do Teatro Augusta:




Essa sala é, digamos.... perigosa. Ela fica no subsolo do Teatro Augusta, e sinceramente, não sei como a Prefeitura e o Corpo de Bombeiros deixam aquele espaço ser utilizado. O acesso do público se dá por uma escada caracol, com não mais de 60cm de raio. E ao que me parece, é também a única saída...  Antes do início do espetáculo ouvimos uma gravação ´padrão´, que diz que as ´portas de emergência estão devidamente sinalizadas, e em caso de falta de energia luzes de emergência se acenderão automaticamente´.  Luz de emergência eu vi, mas porta de emergência, ainda mais sinalizada, não faço idéia de onde possa haver...   Ou seja, se acontecer uma situação de pânico lá embaixo, justificado ou não, a evacuação do espaço vai ser demorada. A entrada e a saída normais já são lentas, apenas uma pessoa por vez... 

Lá dentro há uma pequena arquibancada de quatro degraus, com cadeiras de plástico preto guarnecidas com almofadinhas soltas, para dar um pouco mais de conforto. As cadeiras estavam  tão próximas umas das outras que as pessoas, na medida do possível, as afastavam  um pouco para que as pernas não ficassem coladas, como se estivéssemos sentados numa arquibancada em final de campeonato de futebol. A sala estava tão lotada, com todos os lugares ocupados, que algumas pessoas sentaram no canto esquerdo do palco, fora da arquibancada. Eu consegui um bom lugar, no terceiro degrau, e mais ou menos ao centro. Ainda assim um pilar à esquerda às vezes impedia a visão, mas nada que chegasse a atrapalhar muito.

No ano passado assisti a ´Apocrifas - Histórias revisitadas´, nesse mesmo espaço. Ou seja, apesar de saber da inadequação da sala para receber o público, sou reincidente...  Mas o que eu não sabia era que iria assistir a outro espetáculo do mesmo grupo, não me atentei a isso quando peguei os ingressos. Só percebi quando estava no foyer, aguardando o início da peça, e dois atores passaram por ali já caracterizados para os personagens. Um deles era o Fernando Silva Jr., e assim que desci, reconheci a Jolanda Gentilezza, também de ´Apócrifas´. Acontece que eu não me informei muito sobre a peça antes, o que me interessou foi saber que era uma adaptação de Molière, já foi suficiente para me dar vontade de assistir. E pelo que percebi do programa, apesar de repetir parte do elenco, o grupo que se apresentou não é um grupo estável, com nome estabelecido. Ou se é, não informaram...

Mas se até agora parece que eu fiquei insatisfeito por causa do espaço, a verdade é exatamente o oposto disso. Assim como em ´Apócrifas´,  o cenário é simples ( ainda mais simples, até: apenas um tecido pintado, com alusões a uma decoração clássica ), uma mesinha, alguns assentos e dois pufes, tudo adaptado, nada se fazendo passar por móveis de luxo que poderiam ser encontrados em um palacete francês. Os figurinos também não tentam ser fiéis a roupas de época, são antes alusões que brincam com as cores da bandeira da França. As mulheres todas, com exceção da criada Martineuza ( Priscila Ioli ), usam corpetes com a frente semi-transparente, que deixam aparecer um busto falso, de plástico, com seios exagerados. E esse visual farsesco é ótimo, se encaixa perfeitamente ao espetáculo.

A ação se passa na França pré-revolução, na casa de uma família aristocrática onde a madrasta Filaminte ( Lígia Hsu ) é uma mulher dominadora que se impõe ao marido e que está criando uma academia de filosofia somente para mulheres. Aliás, a primeira cena é justamente a apresentação dessa academia, e para comemorar todos são servidos com espumante ( inclusive nós, da platéia ).  Uma das enteadas, Armanda ( Laís Blanco ) segue fielmente as idéias de Filaminte, enquanto a outra ( Henriquete  / Daniela Dams ), só quer saber de se casar. O pretendente de Henriquete é Leandro ( Fernando Silva Jr ), que passou dois anos cortejando a outra irmã e nunca foi correspondido, pois ela só se interessava por filosofia.

Há também a tia das moças, Belisa ( Jolanda Gentilezza ), que junto com Leandro, protagoniza a primeira cena hilária da peça: Leandro vai à Belisa pedir que lhe ajude a convencer o pai ( Crisálido / Xico ) a lhe dar a mão de sua filha em casamento, mas Belisa mal o ouve, e menos ainda o deixa falar, e com isso gera um mal-entendido como se o rapaz estivesse apaixonado por ela, Belisa...

Mas não vou relatar todo o enredo aqui. No programa, está registrado que ´Academia das Eruditas´ é uma adaptação livre do texto ´As Eruditas´,  de Molière. Não sei até onde o texto foi ´enxugado´,  mas de qualquer maneira, o que está sendo apresentado ao público é uma comédia de primeira. O texto é incrível, muitas passagens são feitas em versos, e na tradução feita, há ótimas sacadas que só devem funcionar na língua portuguesa, como no início, onde a madrasta fala de sua intenção de livrar a língua de palavras obscenas, e com isso transformar ´nauseabunda´ em ´nauseanádegas ou náuseatraseiro´. Ou seja, a tradução foi uma recriação  muito bem-feita.

Também há inserções ´modernas´ no texto, quando um personagem canta ´Esse cara sou eu´, do Roberto Carlos, ou quando Crisálido reclama dos impostos que têm que pagar: iptu, ir...  Mas é tudo colocado de forma leve, natural, o que enriquece a peça. 

A criada Martileuza faz o papel de ´bobo da corte´, falando verdades inconvenientes e servindo de contraponto à sua patroa, Filaminte. A atuação dela arranca algumas das melhores risadas da peça, mas na minha opinião o grande destaque da noite foi o Rael Godoy, que interpreta três personagens: Aristides ( irmão do ´patriarca´ molenga, Crisálido ), Valdius, um erudito que tem um embate com o rival de Leandro, o falso poeta e erudito Tricotô ( Guilherme Vale ), que na verdade só está interessado no dinheiro da família; e ao final, ouvimos a voz dele como o ´escrivão´ que não aparece em cena mas que está presente no ´quase-casamento´. O Rael é também cantor, ele durante a peça ´compõe´ a Marselhesa junto com Crisálido, e também faz algumas intervenções operísticas. Mas principalmente, a interpretação de ´Valdius´ e o sarcasmo que imprimiu a ´Aristides´  foram os aspectos da atuação dele que mais gostei. Aliás, o texto, a encenação toda é  tão boa, que não se desgruda do que está sendo apresentado nem por um segundo. Não que o ritmo da peça seja alucinante, nada disso. Mas a  história é tão bem construída, o texto é tão bom, que não dá para desgrudar os olhos e ouvidos, em atenção máxima para não se perder nada - e ao mesmo tempo, é tudo muito divertido.

Enfim, se o espaço onde a peça é encenada não parece ser o mais adequado, a gente logo esquece disso quando o espetáculo começa. E aí fica claro, mais uma vez, que para se ter um espetáculo teatral de primeira não é necessário nenhuma pirotecnia, nenhum efeito especial, nem cenários ou figurinos luxuosos, ´apenas´  um conjunto de bom texto, bons atores e direção.  A meu ver, esse espetáculo merece um espaço maior, onde mais gente possa desfrutar desse trabalho. Mas em todo caso, felizmente a temporada foi estendida, após os aplausos fomos informados que a peça ficará em cartaz no mesmo lugar por mais cinco semanas, agora de sexta a domingo. Ótimo, mais quinze chances de assistir a ´Academia das Eruditas´.





Academia das Eruditas
Com Lígia Hsu, Guilherme Vale, Daniela Dams, Laís Blanco, Prisicla Ioli, Jolanda Gentilezza, Fernando Silva Jr., Rael Godoy, e Xiko
Direção de Jolanda Gentilezza
Texto: adaptação livre sobre ´As Eruditas´, de Molière
Teatro Augusta, Sala Experimental, até 01/jun/13

2 comentários:

  1. Olá, Marcel
    Como produtora e atriz do espetáculo fiquei muito feliz em ler suas palavras.Somos um grupo de atores que se reuniu para estudar dramaturgia e que agora está se configurando como grupo de teatro, temos vários projetos e espero que volte mais vezes para nos prestigiar. A apresentação do dia 18 de abril realmente foi um sucesso de público. O teatro é pequeno e infelizmente não conseguimos oferecer muito conforto para nossos espectadores, tentamos compensar isso oferecendo um bom espetáculo. Para te deixar tranquilo na próxima vez que vier à Sala Experimental, ela conta com uma saída de emergência à direita do palco, no camarim. Vou pedir ao teatro que a sinalize melhor.
    Agradeço em nome de todos do grupo!
    Um grande abraço,
    Lígia

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    1. Oi Lígia

      Então, parabéns mais uma vez pelo espetáculo, agora ´pessoalmente´.
      Eu realmente fiquei preocupado pela saída de emergência, até por causa da minha profissão ( sou arquiteto ) costumo reparar nessas coisas. Mas se é só um aviso que falta colocar, então tá fácil de resolver.
      E pretendo acompanhar os próximos espetáculos de vocês, gostei muito dos dois a que já assisti, 100% de aprovação!

      Marcel

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