Incrível que uma produção desse porte não conte com um programa impresso. Essa é uma imagem da internet |
Acredito que esse teatro seja um dos mais antigos de São Paulo em atividade. Fica na Rua Augusta, mas do ´lado oposto´ ao Teatro Augusta, ou seja, para o lado do Jardins, e não da Bela Vista. A construção não tem nenhum charme, a fachada é apenas de mais uma loja na rua. A bilheteria fica quase na calçada, junto com as catracas - diferente de outros espaços, não há somente um funcionário controlando o acesso, mas há um equipamento ali para isso. Depois a construção continua com a mesma largura da fachada, e após subir alguns poucos degraus, do lado esquerdo há a bombonière. Então finalmente se chega ao ´foyer´, que é um corredor perpendicular às entradas da sala de espetáculos. Ou seja, não há foyer.... as pessoas se concentram nos corredores enquanto as portas não são abertas, e não há espaço para todo o público. Por isso é que a calçada em frente chega a ficar cheia de gente também. Nas noites de chuva deve ser complicado aguardar a abertura da sala de espetáculos....
Lá dentro a sala é confortável, com um espaço razoável entre as poltronas. Porém pessoas mais baixas podem ter dificuldade de visualizar o palco dependendo de quem estiver à frente, já que o desnível entre os degraus é pequeno. Além disso as poltronas não estão em bom estado de conservação, com o couro bem ressecado, estofamento já achatado... o espaço está precisando de mais uma reforma. Talvez por isso o espetáculo tenha atrasado, o Miguel Falabella saiu de trás das cortinas para pedir desculpas pelo atraso, mas estavam com problemas no som. Depois de alguns minutos a peça finalmente teve início sem o uso de microfones. Isso deve exigir muito dos atores, ainda mais em uma noite com sessão dupla, mas sinceramente, eu prefiro assim. Não gosto de peças com microfone, dá uma sensação de artificialidade.
Ainda não comentei, mas fui ver esse espetáculo basicamente pela presença do Miguel Falabella. Mas até hoje só o tinha visto em musicais, sendo o último deles ´Alô Dolly´. Essa era a primeira vez em uma peça ´comum´, e com a presença de outra grande comediante, mas que eu não havia visto ainda ao vivo, Marisa Orth. Os dois fizeram uma dupla de muito sucesso durante anos na televisão, com o programa ´Sai de Baixo´, da Rede Globo, aliás, gravado nesse mesmo teatro.
A presença de dois atores tão populares só poderia chamar mesmo muito público, e o teatro estava absolutamente lotado. Felizmente, tirando por uma única exceção - uma mulher que atendeu ao celular logo no início da peça, ( e começou a falar! ), tendo sido retirada pelo pessoal do teatro, o resto do público se comportou muito bem. Claro que em uma comédia as pessoas vão rir, se expressar, nada contra isso. O que me irrita são as conversas paralelas, que eu acho uma total falta de respeito com as outras pessoas, tanto do público quanto com quem está em cena.
Mas o que interessa mesmo é a peça. O cenário é fixo, todo branco. É o consultório de um psiquiatra, onde a gente vê à direita a mesa, um pouco atrás uma maca envolta por uma cortina, de modo a criar um espaço reservado. Ao centro, há na parede uma janela e uma porta, que dão para o ´jardim´ da clínica. Na extremidade esquerda há um pequeno sofá, vaso, estante, e mais uma porta. A ação tem início com a entrevista do Dr. Arnaldo ( Miguel Falabella ) com uma pretendente ao cargo de sua secretária, Denise Barcca com dois ´c´, ( Alessandra Verney ) como a personagem faz questão de frisar. O Dr. Arnaldo é um mau-caráter que tenta ludibriar a pretendente e a faz tirar a roupa para a entrevista de emprego. Só que nesse momento irrompe à sala a sua esposa, Mirtes ( Marisa Orth ), e a primeira confusão está armada.
Daí pra frente é uma sucessão de situações-limite que causam o efeito cômico, pois a verdade está sempre a um milímetro de ser descoberta: logo aparece o presidente do conselho de psiquiatria, Dr. Ranço ( Marcello Picchi ) para fazer uma inspeção na clínica do Dr. Arnaldo. A partir daí o Dr. Arnaldo tem que se virar para conseguir dar conta de ludibriar ao mesmo tempo a esposa e o presidente do conselho. E as coisas vão só se complicando, pois a esposa é uma ninfomaníaca que foi fotografada na noite anterior com um funcionário de um hotel decadente da cidade e que agora a está chantageando ( Nico / Magno Bandarz ).
A candidata a secretária é dopada pelo Dr. Arnaldo, mas sendo considerada desaparecida, entra em cena o policial Matos ( Ubiracy Paraná do Brasil ), sendo que ele também está atrás do chantagista Nico. Ou seja, todo mundo tem o ´rabo preso´, e a maior parte das situações cômicas vem das estratégias para dissimular dos outros o que realmente está acontecendo. E com isso, dá-lhe se esconder, se travestir, ter respostas na ponta da língua.... O ritmo não cai em nenhum momento, há sempre uma situação-limite acontecendo.
Sem dúvida o grande atrativo é ver a dupla Miguel Falabella / Marisa Orth em cena. Eu não era grande fã do seriado ´Sai de Baixo´, mas é impossível não pensar nele, principalmente pelo personagem do Falabella, que é capaz de transformar qualquer limão em limonada num piscar de olhos. É o Falabella o grande astro da peça, mais até que a Marisa Orth, e claro, os demais são meros coadjuvantes, apesar de que vale a pena destacar o trabalho do Marcelo Picchi e da Alessandra Verney. Mas todo o elenco está bastante afiado, para que a história não se perca é necessária uma sincronia perfeita entre os atores, pois em vários momentos é por apenas um instante que as mentiras de cada personagem não é descoberta. E essa sincronia é perfeita, em todas as cenas.
´O que o mordomo viu´ é claramente uma comédia popular, feita para divertir o grande público e consegue o seu objetivo. Sem grandes pretensões artísticas ou culturais, é um ótimo entretenimento, a gente vê na cara das pessoas ao sair do teatro que todos se divertiram bastante. E não é também para isso que a gente sai de casa?
´O que o mordomo viu!´
Com Miguel Falabella, Marisa Orth, Marcello Picchi, Alessandra Verney, Magno Bandarz e Ubiracy Paraná do Brasil
Texto de Joe Orton, tradução de Miguel Falabella
Direção de Cininha de Paula e Miguel Falabella
Teatro Procópio Ferreira, SP, até 27/jul/14
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