sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Jocasta

Jocasta, no Teatro Eva Herz:



Engraçado que eu não achava que fazia tanto tempo desde a última vez em que estive no Eva Herz, para assistir ´Nise da Silveira - Senhora das Imagens´, mas isso foi em 2012, antes do início desse blog. Então vão algumas informações sobre o Eva Herz, que fica dentro da Livraria Cultura do Conjunto Nacional:  é um lugar de fácil acesso, com metrô na porta. Para quem vai de carro é mais complicado conseguir lugar para estacionar, mas a dica é se afastar um pouco do Conjunto Nacional, assim o custo do estacionamento fica bem mais baixo, e se tiver sorte, dá até para encontrar lugar na rua mesmo, já que na R. Pe. João Manuel e na Alameda Jaú é possível estacionar depois das oito da noite.  Pelo fato do teatro ficar dentro da livraria, o foyer é o próprio espaço de venda de livros, o que é muito bom pra ficar garimpando alguma coisa.  Lá dentro a sala de espetáculos não tem charme nenhum, carpete, poltronas, tudo liso, sem nenhum detalhe. Isso chama a atenção pelo contraste com a própria livraria, um projeto tão legal do arquiteto Fernando Brandão. Dá a impressão de que para o teatro foi suficiente proporcionar as condições básicas de conforto para a platéia, sem a mesma preocupação estética e lúdica da livraria. Tudo certo em termos de conforto, as poltronas são boas, o espaço para as pernas não é muito apertado, enfim, se contentaram em fazer o básico, mas fizeram bem feito.

A peça dessa quinta-feira era ´Jocasta´, um monólogo interpretado pela Débora Duboc com o texto de uma adaptação feita pelo Elias Andreato ( que entre outros trabalhos, também esteve em ´Eu não dava praquilo´  e ´Cruel´  para o mito grego. O que se poderia esperar, além de uma boa peça? E cumpriu a expectativa. 

Essa versão do mito de Édipo é narrada a partir o ponto de vista da mãe e esposa dele, a própria Jocasta. No programa a plateia é informada de que no mito original Jocasta quase não tem falas, e como está na boca da personagem e também no programa, ´Jocasta faz tudo o que está ao seu alcance para cumprir com seu papel de Rainha, Mulher e Mãe. Com Rainha, ela tem que submeter-se aos poderes de seu rei. Como Mulher, ela é obrigada a submeter-se aos desejos de seu homem. Como Mãe, ela é obrigada a submeter-se aos desígnios cruéis dos deuses.´.   Mas dessa vez será Jocasta quem irá falar diretamente à plateia, ou melhor, à Assembleia de Tebas, que é como a personagem se refere a quem ouve a sua história. 

O cenário é simples, duas pequenas mesas nas laterais com jarro e uma boneca sobre elas, uma cadeira de acrílico transparente, um fio vermelho que pende do teto. As paredes laterais e o fundo do palco são fechadas por cortinas.  A peça tem início com Jocasta deitada no centro do palco, com fios que prendem suas mãos aos céus. Ao se levantar, ela tem um gestual de marionete, como se fosse uma boneca manipulada pelos deuses, e aos poucos vai se livrando desses fios em suas mãos, e também esse gestual vai diminuindo. Outra coisa que chama a atenção é o figurino, um vestido azul do Fause Haten - de novo ele, acho que já posso dizer que quando for a uma peça e o figurino for impecável, 90% de chance dele ser o responsável.

O texto, é claro, é pesado. Uma mulher que é indicada para desposar o rei ( Laio ), mas este só lamenta a morte de seu amante, até que finalmente ele faz um filho nela. Esse filho é o portador de uma maldição, e é levado para ser morto...  anos depois Laio morre, e a cidade de Tebas vive um período de fome e peste, que só é encerrado com a chegada de Édipo, que ao salvar a cidade é consagrado como o novo rei, e portanto, marido de Jocasta. Ela então vive um período de felicidade, até descobrir que na verdade seu novo marido é seu filho com Laio... e novamente a tragédia dá as caras em sua vida. Foi interessante que enquanto a peça se desenrolava, eu também lembrava da encenação de ´Édipo Rei´, que assisti ano passado. De certa maneira, uma complementou a outra. 

O texto é um prato cheio para psicólogos, psiquiatras, feministas, mas eu não entrei nesse caminho durante a apresentação. Me fixei mais em perceber como era apresentado o sofrimento extremo dessa mulher, e como a atriz transmitia isso. Em nenhum momento a interpretação resvala para o sentimentalismo barato, o dramalhão. Pelo contrário, é o sofrimento apresentado de forma profunda, ´limpa´,  sem excessos, sem maneirismos.  Alguns ´respiros´  eram dados em pequenas músicas interpretadas ao vivo pela Débora Duboc, que davam mais leveza à encenação.

Mas teve uma coisa de que não gostei: a iluminação em determinados momentos é voltada direta para a Assembleia de Tebas, ou seja, para o público. E isso incomodava, a luz relativamente forte nos olhos de quem está no escuro chega a doer os olhos, e se a intenção foi a de trazer o público para dentro da peça, na minha opinião isso causou o efeito contrário. 

Não é uma peça fácil, dessas que se vai comer uma pizza e bater papo. Pelo contrário, pede uma reflexão para digerir todo esse sofrimento. 






Jocasta
Com Débora Duboc

Texto e Direção de Elias Andreato
Teatro Eva Herz, até 27/mar/14

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