segunda-feira, 17 de junho de 2013

A Descida do Monte Morgan

Finalmente a primeira peça de junho: A Descida do Monte Morgan




A peça está em cartaz no Teatro Nair Bello, que também fica no Shopping Frei Caneca, assim como o teatro do mesmo nome. Mas é um espaço bem menor, onde funciona a escola de atores do Wolf Maia, e é também menos confortável. A visualização do palco é boa, já que o espaço é pequeno e os degraus entre as fileiras é grande, então mesmo que alguém alto sente na frente,  não atrapalha. Mas a distância entre as poltronas é mínima, fica difícil passar se alguém já estiver sentado, e cruzar as pernas, então, nem pensar.

Quando entramos, não havia cortinas fechadas, o cenário já estava à mostra. Eram vários móveis e objetos espalhados em cena, e como o teatro conta com um pequeno mezanino no palco, que circunda todo o espaço, havia ali também vários ítens, bem como alguns até pendurados a partir do teto. Avião de radiocontrole,  bicicletas, raquetes de tênis, tinha de tudo pendurado. Depois, vamos percebendo que esses objetos têm a ver com a narrativa, são como ´pedaços de memória´ dos personagens que estão ali expostos. No  nível do palco, ao fundo, cômodas, mesas, armários, e bem ao centro, uma cama de hospital.

A peça de Arthur Miller é sobre um bígamo, um homem bem-sucedido que se apaixona por uma mulher mais nova, casa com ela, mas mantém o casamento antigo. Só que ele acaba se acidentando quando descia de automóvel o tal Monte Morgan que dá título à peça, e ao ser encontrado ferido, pela placa do carro a polícia localiza a família ´oficial´ em Nova York, e a avisa. Mas o tal Monte Morgan fica na cidade pequena onde ele mantém a amante...  e é quando ele está se recuperando no hospital que as duas esposas se encontram na sala de espera, e acabam descobrindo toda a verdade. A partir daí a história segue um curso que se pode dizer ´clássico´,  com as reações das mulheres e da filha do primeiro casamento. As decepções, as reações de incredulidade das esposas, a revolta da filha, tudo é dentro do esperado. O que sai do padrão no enredo é a postura do bígamo...

O tal homem ( Lyman Felt / Ary França ), por mais que esteja ciente da situação complicadíssima em que se meteu, inclusive por ser um empresário de sucesso e uma figura pública, com a imprensa tratando do caso, tem uma postura que vai além do arrependimento: ele também questiona a fidelidade, de um modo mais profundo do que simplesmente a fidelidade ao parceiro: questiona a fidelidade a seus próprios princípios, e vê que isso ele não traiu. E é a partir disso que a trama não se torna uma história banal.

Conforme já dito, a reação das duas esposas, a primeira ( Theodora Felt / Lavínia Pannunzio ), e a segunda ( Leah Felt / Samya Pascotto ) ao saber da traição do marido é a que se espera. Mas depois, ele vai lembrando às duas que os últimos nove anos, o período do duplo casamento, foi o melhor período da vida de todos, nunca antes foram tão felizes. Ambas estavam satisfeitas até então. E ele, que admirava profundamente as duas, também era feliz, por conseguir fazê-las felizes. Mas ele também afirma ser o mais prejudicado entre todos por aquela situação, já que era ele quem tinha que se desdobrar para manter as duas esposas. A partir disso, então, qual o mal que ele realmente causou? Ele se justifica dizendo que fez o que seu coração mandava, nunca traiu seus sentimentos... E questiona se isso que ele fez está errado, se ele deveria ter traído seus sentimentos ou traído as suas esposas, e concluindo que não se traiu, fez o certo... O que é uma saída bem interessante para quem foi pego num flagrante de bigamia.

A encenação é bastante interessante: na primeira cena, quando Lyman Felt é atendido na cama do hospital pela enfermeira Logan ( Jú Colombo ), a gente fica sabendo da angústia do personagem principal ao se dar conta do que certamente acontecerá, que é o encontro das duas mulheres. Daí, há um corte para a sala de espera, onde chegam a primeira esposa, Theo, junto com a filha Bessie ( Paula Ravache ), e depois a segunda esposa, Leah. Mas além do drama que se desenrola, da descoberta da traição, tem algo interessantíssimo acontecendo na cena: Lyman sai da cama e vai acompanhando a conversa entre as suas duas mulheres e a filha, e fazendo comentários sobre o que elas dizem, como se fosse um fantasma. E daí pra frente, a cada vez que algum personagem sai de cena, não sai do palco. Ficam sempre no fundo, numa área de penumbra, acompanhando o que acontece no centro do palco, e entram para participar conforme a cena.

Mais uma vez, acho que não cabe aqui ficar discorrendo sobre todo o enredo. A peça é uma comédia, sem dúvida, mas também tem momentos de drama, e tudo vai se alternando, já que a história não é contada de modo linear, mas se utiliza de ´flahsbacks´.  O Ary França, mais uma vez mostra que é um grande ator, dá credibilidade aos sentimentos do Lyman, mostrando a angústia ao saber que vai ser desmascarado, a ternura com suas duas mulheres e sua filha, o desamparo ao ver que ficará sem as duas, a busca de conselho e depois de alguma cumplicidade com seu advogado e amigo Tom ( Fábio Nassar ). Outra interpretação de destaque foi da Lavínia Pannunzio, como a mulher madura e traída que de repente vê seu mundo desmoronar. Já a Samya Pascotto entrou nitidamente nervosa, errando as falas, com um gestual exagerado. Depois, fomos informados que a sessão em que eu estive presente foi a primeira atuação dela na peça ( no programa ela aparece como assistente de direção ). Isso deve explicar o nervosismo...  Mas por outro lado, fiquei decepcionado com a atuação do Fábio Nassar. Eu o conhecia dos programas da tv com a Denise Fraga, mas ali ao vivo, no teatro, ele parecia deslocado, simplesmente falando as suas cenas, e não propriamente interpretando. Uma pena.

Mas no cômputo geral, gostei, vale a pena assistir. Existe uma verdadeira simbiose entre cenário, enredo e encenação, algo que não se vê normalmente de um modo tão bem concatenado. O texto é muito rico, como era de se esperar de um dramaturgo que é considerado um dos maiores do século XX nos Estados Unidos. O Ary França, que na última peça que havia assistido com ele ( Como se tornar uma super-mãe em 10 lições ) simplesmente não saía do lugar e fazia rir somente com as expressões do rosto, dessa vez mostrou uma vitalidade impressionante, se deslocando por todo o cenário praticamente o tempo todo. E a peça não é curta, são quase duas horas de encenação... 




A Descida do Monte Morgan
Com Ary França, Lavínia Pannunzio, Samya Pascotto, Fábio Nassar, Paula Ravache, Jú Colombo
Direção de Luiz Villaça
Texto de Arthur Miller
Teatro Nair Bello,  até 14/jul/13


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