domingo, 26 de janeiro de 2014

A arte da comédia

Primeira peça do circuito Sesc no ano, e comecei muitíssimo bem. Sem dúvida ´A arte da Comédia´  já pode ser considerada uma das melhores do ano que começa:




O Sesc Santana para mim tem  uma vantagem adicional: é perto de casa. Mas melhor do que isso, também é de fácil acesso para quem vai de metrô, conta com um estacionamento de tamanho razoável para as suas instalações, e sempre é possível encontrar vagas - ao contrário do Sesc Vila Mariana, por exemplo. Lá dentro, o teatro propicia uma boa visualização do palco em praticamente qualquer posição ( com exceção das extremidades próximas ao palco, claro ). Os degraus entre as fileiras são bem altos, e mesmo com alguém alto sentado à sua frente não haveria problemas. O desconforto acontece só pela distância entre as poltronas, muito pequena para acomodar as pernas...   E mais uma coisa: tem dois lugares para jantar depois que gosto bastante e que ficam perto do Sesc Santana: o ´Pizzas e Pizzas´, na Av. Altinópolis, um lugar simples mas que para mim faz uma das melhores pizzas da cidade, e o ´Dona Carmela´,  restaurante italiano na Av. Braz Leme, que foi o escolhido dessa noite.

Só que o que interessa mesmo é a peça... e foi ótima. De início há um monólogo feito pelo personagem Orestes ( Ricardo Blat ), onde ele fala basicamente sobre a arte de representar, e o que isso significa na vida de quem é tomado por essa profissão / paixão. Aliás, tempos atrás eu vi uma entrevista do Ricardo Blat, e o texto da peça nem parecia coisa de um personagem, mas sim do próprio ator falando de sua relação com os palcos. O ator certo para o personagem, sem dúvida. O cenário nesse momento é dominado por um pano branco, que junto com uma parede com uma porta ao fundo, dá a medida de um pátio de 20x20 metros. Essa informação de medida é dada pelo próprio texto, que afirma que cenários precisos, com detalhes realistas é coisa de... cinema. Que no teatro as coisas são sugeridas, e o espectador preenche as lacunas com a sua imaginação. Ou seja, o cenário é a expressão clara do texto - bem legal.

Depois desse monólogo o tecido branco que representava a neve foi recolhido, e por debaixo dele havia um  tapete. Mesas e cadeiras são colocadas sobre o tapete, um quadro desce do teto,  ao fundo o cenário com a parede e a porta continua o mesmo, e pronto: fomos transportados a uma sala da prefeitura de uma pequena cidade italiana. Aí a história começa a ficar mais clara: Orestes é um diretor-proprietário de uma pequena companhia teatral, formada basicamente pela sua família. Ele tinha um barracão na periferia, onde encenava suas peças para o pessoal mais pobre da cidade. Agora ele até conseguiu do prefeito anterior a cessão do Teatro Municipal da cidade para continuar seu trabalho, mas não vem dando certo: a elite não quer ver suas peças, e o ´povão´  não se sente à vontade, e consequentemente não frequenta o espaço.

Depois de ser humilhado pelo aspone do novo prefeito, representado por Gustavo Wabner, Orestes consegue uma audiência logo no primeiro dia de trabalho do prefeito ( Thelmo Fernandes ), que é um forasteiro nomeado para cuidar da administração da cidade, e que portanto ainda não conhece ninguém. O prefeito tem uma lista de personalidades locais para receber - o padre, o médico - mas como ele foi um ator amador na juventude, tem algum interesse especial em teatro e atende a Orestes na esperança de ter um momento mais ameno em sua rotina.

Daí acontece uma conversa hilária entre os dois, com Orestes procurando ser subserviente ao prefeito para conseguir as benesses que foi pedir à administração pública ( um novo barracão para encenar seus espetáculos, já que o antigo foi consumido por um incêndio ), mas ao mesmo tempo discordando das ideias absolutamente convencionais do prefeito. É um jogo de esperteza de Orestes, uma malandragem que dá a entender ao prefeito obtuso que concorda com ele, ao mesmo tempo em que não nega as suas crenças - e o texto é divertidíssimo. A conversa entre os dois, simulacro e realidade, sonho e objetividade, leva a um embate no qual Orestes ao ver negado o seu pedido, diz que o prefeito pode muito bem ser enganado por seus atores, numa provocação em que procura mostrar ao prefeito o poder da fantasia. E aí, por um erro do aspone, Orestes sai com a lista dos ´notáveis´  da cidade que o prefeito deve receber naquele dia.

A dúvida se instala no gabinete do prefeito: quem irá aparecer nas audiências, as personalidades da cidade ou atores travestidos? E a cada palavra dita pelos visitantes que remete ao universo do teatro, o prefeito e seu assistente vão se convencendo de que estão diante de farsantes. O texto tem sempre esse tom dúbio, de desconfiança, e muito divertido. Essas referências à própria arte de representar levam a  trama a uma situação em que os personagens não sabem se estão vivendo a realidade ou uma representação...  E é essa a grande questão da peça: a vida é um teatro?

Ricardo Blat e Thelmo Fernandes realmente merecem muitos e muitos aplausos, a atuação dos dois é incrível. Os outros atores, claro, também. E eu não conhecia o autor, o italiano Eduardo di Felippo. Daqui pra frente vou ficar de olho para mais montagens de texto dele.










A Arte da Comédia
Com Ricardo Blat, Thelmo Fernandes, Erika Riba, Gustavo Wabner, Alcemar Vieira, Celso André, Alex Pinheiro, Sávio Moll, Teresa Tostes, Poena Viana, Bruno Gonçalves, Sergio Somene e Renato Bavier.
Texto de Eduardo Di Felippo
Direção de Sérgio Modena
Sesc Santana, até 09/fev/14


sábado, 25 de janeiro de 2014

Bem-vindo, Estranho

Uma curiosidade que só foi possível perceber por estar escrevendo esse blog, é que no ano passado a primeira montagem que assisti foi ´A entrevista´, no Teatro Vivo. Em 2014 esse teatro ficou para a segunda peça da temporada, pouco mais de um ano depois da última visita:





´Bem-vindo, Estranho'  tem o apelo de contar com  uma das mais populares atrizes da história da televisão, Regina Duarte. E mesmo eu não sendo exatamente alguém que acompanhe novelas, às vezes dava mesmo a impressão de se estar assistindo à tv, por contar com uma voz tão familiar ali no teatro.

Mas ´Bem-vindo, Estranho´  tem características mais próximas do cinema, dos filmes ´noir´, do que das novelas brasileiras. É quase como se a gente estivesse assistindo a um filme de suspense, só que ao vivo. Não acho que haja grandes reflexões sobre a vida, as relações familiares, as aparências, a justiça, apesar de esses assuntos serem pertinentes ao universo da peça. Eu pelo menos encarei mais como um grande entretenimento, sem maiores pretensões, e acho que a montagem cumpre muito bem esse papel. Acho que quem for ao Teatro Vivo procurar um bom entretenimento vai gostar da peça, assim como eu.

É a história de duas mulheres, mãe e filha, que vivem sozinhas em um apartamento popular em Londres. A mãe, Jaki ( Regina Duarte ), é mais descontraída, meio ´porra-louca´,  e a filha Elaine ( Mariana Loureiro ), é uma jovem advogada, toda certinha, que foi criada somente pela mãe. Há um conflito permanente entre as duas, com Jaki sendo provocada o tempo todo por sua mãe, que tem um comportamento entre infantilizado e auto-destrutivo, e que procura manipular a filha a seu bel-prazer.

Mas a relação familiar complica mesmo quando Elaine traz para morar com ela o namorado, Joseph ( Kiko Bertholini ). Joseph acabou de sair da prisão, onde estava por ser acusado te ter matado a sua ex-namorada, e foi como defensora dele que Elaine o conheceu - daí o título da peça. Mas vou parar de contar o enredo por aqui, já que é uma história de suspense. Mesmo não indo até o final, que foi mesmo surpreendente, há pequenas revelações no enredo que vale a pena quem for assistir poder curtir também, então é melhor não revelar mais nada.

O cenário da peça é fixo, um apartamento antigo da classe baixa londrina. Aliás, com alguns detalhes muito elegantes: porta dupla, barra-lisa de papel de parede com rodameio, janelas altas... ok, ser pobre em Londres deve ser mesmo muito chique!  Ao mesmo tempo em que vemos a sala onde se desenvolve boa parte da trama, também temos a vista do banheiro, pois os momentos em que os personagens estão lá são os mais dramáticos. O figurino é ´ok´, nada que tenha me chamado a atenção. O que me irritou um pouco na montagem foi a sonoplastia... as músicas para criar o clima de suspense eram sempre muito altas, óbvias, e davam um ar forçado à cena. Comparando, me pareceu algo tão natural quanto àquelas risadas nos programas de humor popular... totalmente dispensáveis.

Como já disse, a voz da Regina Duarte é tão familiar que fica difícil esquecer que é a Regina Duarte em cena, mas isso é mérito de toda uma vida, de toda a carreira dela. O fato é que ela está muito à vontade no papel de uma mãe que amando muito a filha, a inferniza o tempo todo. O Kiko Bertholini tem um biotipo bem europeu, adequado ao personagem, mas apesar de não comprometer a peça, em minha opinião teve um desempenho um pouco abaixo das mulheres. Pra mim o grande destaque da apresentação foi a Mariana Loureiro, que faz uma filha oprimida e amorosa, uma namorada apaixonada e vingativa...  



Bem-vindo, Estranho
Com Regina Duarte,  Mariana Loureiro e Kiko Bertholini 
Direção de Murilo Pasta
Texto de Angela Clerkin
Teatro Vivo, até 09/fev/14

domingo, 12 de janeiro de 2014

A vida sexual da mulher feia


A primeira peça de 2014 acabou sendo ´A Vida Sexual da Mulher Feia´, no Teatro Folha, que fica no Shopping Higienópolis:

Não  havia programas disponíveis, essa é uma imagem da internet.

Teatro de shopping tem sempre algumas características especiais: facilidade para estacionar, praça de alimentação à disposição... mas esse tem toda a cara de que foi feito somente para aproveitar os benefícios fiscais que a Prefeitura de São Paulo dá a quem mantém teatros em centros comerciais. Claramente se percebe que o espaço não foi projetado desde o início para a função a que se destina, que foi algo um tanto improvisado. O mínimo que se pode dizer da decoração é que é de ´gosto duvidoso´. Dessa vez sentei nos balcões laterais, que são péssimos.... primeiro que mal se consegue achar a indicação da fileira correta, a plaqueta não é iluminada, e ao invés de ficar nas laterais das poltronas, ficam em pequenos degraus, de mais ou menos 5cm de altura, sob as poltronas. Ou seja, só se tivéssemos olhos nos pés é que o público acharia a indicação com facilidade.  Como eu cheguei relativamente cedo, acabei ajudando outras pessoas a localizarem os seus lugares, inclusive o repórter da Rede Globo, Márcio Canuto.  Mas de qualquer maneira, sentar nos balcões não é legal... as poltronas são viradas em direção ao palco, e há bastante espaço para as pernas. Mas a grade atrapalha demais a visão, e não se tem uma visão livre do palco.

O Otávio Muller entra como ´pessoa física´, no palco, que tem as cortinas abertas desde o início. Ele conversa com a platéia, brinca com quem está chegando atrasado, e vai criando o clima para a comédia. Até que se dirige a  um mancebo onde estão os figurinos ( não há cenografia, apenas um mancebo e uma poltrona ), e começa o espetáculo.

Como eu já sabia, é uma comédia de uma piada só: as desventuras Maricleide, uma mulher feia, da infância à maturidade. Há sim boas sacadas no texto, e uma piada que ficou gravada para mim, em um momento ´auto-ajuda´ da personagem:  ´Há sempre duas palavras que abrem todas as portas: ´Entrada´  e ´Saída´!   Mas as demais piadas são ´variações sobre o tema´ e claro, vão se esgotando. Tem gente que se esborracha de rir ao ver o Otávio Muller de cuecas, colocando soutien e vestido - mas não é meu caso.

Não quero tirar o mérito do ator, acho mesmo que ele vai muito bem com o material que tem em mãos. A gente até desenvolve uma certa empatia com o personagem, que acha a redenção no final, reencontrando o primeiro amor. E eu sei que ninguém me obrigou a ir, sendo que eu sabia que não é bem o tipo de peça que me atrai.  Mas a peça acabou e nem deu assunto pro jantar que veio depois. Fraquinha, fraquinha...




A Vida Sexual da Mulher Feia
Com Otávio Muller
Texto de Claudia Tajes
Teatro Folha, até 02/mar/14