terça-feira, 23 de julho de 2013

Eu Não Dava Praquilo

Essa peça acontece num dia inusitado...  há apresentações em plena segunda-feira!



Já comentei aqui sobre como é assistir a uma peça no CCBB ( no caso, quando estive lá para ver ´Vingança, o Musical´ ), só que agora que pela primeira vez fiquei no balcão, não consegui lugar na platéia. Meu ingresso era na primeira fila e tive que me abaixar, escorregar na poltrona para poder ver melhor. O guarda-corpo, por mais delgada que fosse a barra de ferro na parte superior, atrapalhava bastante. Então o jeito foi procurar uma posição em que eu pudesse olhar por debaixo da barra, pois as divisões intermediárias são feitas por cabos de aço e atrapalham menos. De início parecia que estava assistindo a peça através de uma cerca, mas logo abstraí e aproveitei a cena.

Antes mesmo de começar a peça, que eu sabia ser sobre a Myriam Muniz, uma atriz e diretora já falecida sobre a qual não tinha mais do que vagas referências, vi algo que achei muito interessante no programa:  o texto, compilado pelo próprio Cassio Scapin junto com Cassio Junqueira, são falas da própria Myriam, e no programa há os endereços da internet com as páginas utilizadas na pesquisa, além das referências utilizadas em livros e dvd. Ou seja, toda a ´bibliografia´ da pesquisa está disponível para quem quiser buscar mais informações.

A peça é um monólogo, quando de abrem as cortinas vemos o Cassio Scapin sentado em uma cadeira de madeira, todo vestido de preto. A cadeira está no centro de um tablado circular onde há também um maço de cigarros e um caderno, ou apostila. Ele tem um xale preto e ao virar de costas para a platéia, se cobre com o xale e começa a falar... Daí vamos percebendo a voz rouca, grave, mas de uma mulher. A entonação, o ´sotaque´, logo me fizeram lembrar daquelas senhoras de origem italiana, desbocadas - como eu já disse, não tinha maiores referências sobre a Myriam Muniz, para mim era um nome conhecido, mas não lembro de ter visto alguma entrevista com ela para saber se a caracterização era fidedigna ou não. Mas obviamente, pela qualidade do trabalho do Cassio Scapin, só podia acreditar que fosse.

De início, talvez pelo problema de assistir ao espetáculo através do guarda-corpo, por ver um homem que estava simplesmente interpretando uma mulher, com sua voz, seu corpo, mas sem ´travestismo´, sem utilizar nenhum adereço feminino, confesso que senti um certo estranhamento. Mas logo isso passou, e parecia mesmo que estávamos vendo ali um senhora já idosa, com forte sotaque paulistano, falando sobre a sua infância, juventude, seu modo de ver o teatro e a vida. Era como se ela estivesse ali dando um depoimento em primeira pessoa. O texto tinha algumas frases ótimas, de quem observava o ser humano com muita acuidade, frases que são bastante duras às vezes, cruas, mas não que não são feitas para machucar. Fiquei com a impressão de que ela deveria ser uma daquelas ´italianonas´  de São Paulo, desbocadas mas com um coração enorme.

E para dar uma idéia da verdadeira transformação que ocorreu em cena, de como o Cassio Scapin realmente se transformou na Myriam Muniz, em um determinado momento da peça, ele/ela diz que vai demonstrar um pouco de seu método de ensino teatral, e fala algo como ´então agora vocês levantem´...  e imediatamente as pessoas levantaram, como se realmente fossem os alunos da Myriam!  Eu não esperava isso, nessa cena não há nada de diferente em relação às outras, ele/ela continuava dando seu depoimento, não houve uma mudança, uma entonação mais forte, nada. Mas realmente, naquele momento ele/ela era o maestro, dominando totalmente o palco e a platéia. Incrível. Essa mágica do teatro acontecendo ali, na nossa frente, sem a necessidade de nenhum apoio, nenhum adereço, nada além do corpo do ator... é pra ver isso que eu saio de casa numa segunda-feira chuvosa, é isso que faz com que ir ao teatro seja uma experiência incomparável.

A peça foi relativamente curta, mais ou menos uma hora de espetáculo. Dessa vez poderia ter durado mais, que eu assistiria sem esforço algum. Mas depois, ainda houve um bônus: no CCBB há a exposição ´Mestres do Renascimento - Obras-primas Italianas´, que tem levado muita gente até lá, às vezes com horas de espera na fila. Só que na saída da peça o acesso para a exposição já estava livre, e entrar numa sala e dar de cara com a ´Anunciação´, de Boticelli, é de tirar o fôlego. Ótima noite, pra não esquecer mais.



Eu Não Dava Praquilo
Com Cassio Scapin
Direção de Elias Andreato
Roteiro de Cássio Junqueira e Cassio Scapin
CCBB SP, até 23/set/13



domingo, 21 de julho de 2013

Ah, a Humanidade! E Outras Boas Intenções

Depois de um certo intervalo sem ir ao teatro, mas pelo melhor motivo do mundo ( ficar com a minha filha! ), eis que estou de volta ao Sesc Consolação, para assistir  'Ah, a Humanidade! E Outras Boas Intenções':



Eu já conhecia o Sesc Consolação, ano passado assisti lá ´Toda Nudez Será Castigada´, do Nelson Rodrigues. É um espaço antigo, um teatro diferente das outras unidades do Sesc, pois lá o teatro dá diretamente para a rua, não está inserido em uma unidade maior.  Ou seja, não tem estacionamento. Felizmente, até hoje consegui parar relativamente próximo ao teatro, e nunca tive problemas. Mas estamos em São Paulo, há sempre moradores de rua na praça próxima ao Sesc, e infelizmente, a gente tem que se preocupar com a segurança, especialmente à noite. Não dá para saber de antemão se quem está ali deitado é somente um morador de rua, ou um ´nóia´  que pode te atacar sob efeito de crack.

Lá dentro o foyer é apertado, mas o que interessa mesmo, que é a sala de espetáculos, é bem confortável para a platéia. Dessa vez sentei no bloco dos fundos, mas ainda assim tinha uma boa visão do palco.

E ainda bem que as poltronas são confortáveis, com bom espaço para as pernas... porque dessa vez eu estava querendo que a peça terminasse logo. O meu interesse foi rever dois bons atores, Guilherme Weber e Celso Frateschi. Mas a peça é longa, e apesar de serem cinco temas diferentes entre si, acaba sendo enfadonho. Na prática, são cinco peças apresentadas em sequência, e na maior parte do tempo o que se vê são monólogos. Isso não teria o menor problema se o texto fosse mais interessante, mas não é o caso. O cenário é sempre o mesmo, com uma barafunda de coisas espalhadas pelo palco, onde se sobressai uma escrivaninha, à direita, e um poste tombado, que vai do fundo do palco ao centro.

É na escrivaninha que acontece a primeira parte do espetáculo: o Celso Frateschi aparece como um treinador de uma equipe esportiva ( se não me engano não há nenhuma menção explícita a qual esporte se refere ), que está dando uma entrevista coletiva, fazendo um balanço do ano que passou. De início vem aquela lenga-lenga de técnico que não conseguiu um bom resultado, dizendo que fez tudo de coração, pensando na torcida, e bla-bla-blá. Depois, ele vai se justificando, pedindo a compreensão de todos, falando que isso faz parte da vida, e acredito que para conseguir mais empatia, passa a falar da sua vida pessoal, da perda da mulher, ou namorada...  Nada é muito preciso, são frases vagas.  Mas o problema é que essa cena, onde ele fica parado atrás de uma mesa até os minutos finais, deve ter algo como 30 minutos de duração. Por melhor ator que seja o Celso Fratechi ( e ele é sim um ótimo ator ), não dá pra segurar a atenção por tanto tempo com um texto solto como aquele. Sinto muito se o New York Times chamou o autor, Will Eno, de ´novo Beckett´.  O texto é chato, e ponto.

A cena seguinte é sobre a gravação de vídeos para um site de relacionamentos, feitos simultâneamente por um homem e uma mulher ( Guilherme Weber e Erica Migon ). Dessa vez é mais interessante: vemos os dois gravando seus filmes ao mesmo tempo, mas separadamente, e conforme vão se expondo, procurando primeiro obviamente  mostrar suas qualidades, aos poucos mostrando seus lados mais patéticos, e há um encadeamento entre as falas, de tal maneira que é possível estabelecer paralelos ou diferenças entre as apresentações dos dois. Do mesmo modo que na primeira cena, conforme os personagens vão falando, o discurso vai saindo de controle, e acabam dizendo coisas além do que se espera na situação em que vivem. 

Em seguida, um novo monólogo: a Renata Hardy aparece como a porta-voz de uma empresa aérea que teve um acidente com um de seus aviões, sem sobreviventes. Assim como o treinador, ela sai do discurso que se espera numa ocasião como essa, e ao tratar diretamente com os parentes das vítimas, usa seu exemplo pessoal da perda do pai para tentar criar alguma empatia. De novo é o discurso saindo dos trilhos, com algumas falas que buscam o humor negro. Mas nessa parte, acho que o estoque de boa vontade da platéia já estava se esgotando, e havia bem menos manifestações do que no esquete anterior. E de novo, fiquei com a sensação de que a mensagem poderia ser transmitida de em muito menos tempo, digamos que se a tradução tivesse cortado 40% do texto, não haveria perda nenhuma para a compreensão da mensagem...  ou pelo menos do que eu entendi.  

Depois vem em cena de novo o Celso Frateschi e a Erica Migon. Ele é um fotógrafo, e ela sua assistente. Os dois tem como missão reproduzir uma foto histórica feita em Cuba, 100 anos antes, durante a Guerra Hispano-Americana. Dessa vez há alguma interação direta com a platéia, já que a câmara está virada do palco em direção a nós, e dois refletores colocados nas extremidades do palco também são virados para a platéia ( em certo momento, com tanta potência que incomodava os olhos, mesmo eu estando no fundo da platéia ). Somente nessa cena é que pela primeira vez há alguma interação entre os personagens, há diálogo entre eles, e como a foto não é mostrada, apenas descrita, acredito que cada um na platéia vá criando a sua própria imagem mental.  Essa foi a cena menos demorada, acredito.

E para terminar, após o flash do fotógrafo, os refletores voltados para a platéia são apagados, e vemos novamente em cena o Guilherme Weber e a Renata Hardy. Os dois são um casal, sentados em duas cadeiras de madeira, mas que representam os assentos de um carro. O ator faz os movimentos de quem está ligando um carro, mas cujo motor não funciona. Daí se estabelece um diálogo entre os personagens, quando ela expressa preocupação por chegar atrasada a um batismo, e ele diz que estão indo ao velório do pai dele. Daí a conversa parte para o absurdo, vão para um batizado ou para um enterro, há uma pequena discussão, e aparece um novo personagem, o ator Fabio Mazzoni, em uma pequena participação. Ele se apresenta como ´aquele que traz a mágica da vida´, ou algo assim, não recordo exatamente o texto. Sinceramente, a essa altura eu já estava mais interessado em quando aconteceria o final do espetáculo do que propriamente o encaminhamento da cena. 

Mas como tudo tem que chegar ao fim, as luzes se apagam e uma tv antiga, colocada no fundo do palco ( e que estava ligada enquanto o público tomava seus assentos antes da peça ) volta a funcionar, mostrando o trecho final da animação 'Mogli, o Menino-Lobo', da Disney. Então assistimos ao Mogli encontrar pela primeira vez uma menina e sair da selva em busca de novas experiências, dessa vez junto a humanos, e quando começam os créditos do filme, acaba a peça.

Está claro que eu não gostei do que vi, achei demorado demais, quase duas horas de espetáculo, e a meu ver sem justificativa para todo esse tempo. Não chega a ser um desastre,mas achei a peça enfadonha, e depois, pensando no que estava escrito no programa, também pretensiosa demais pelo que apresenta. 




'Ah, a Humanidade! E Outras Boas Intenções'
Com Celso Frateschi, Erica Migon, Fabio Mazzoni, Guilherme Weber e Renata Hardy
Direção de Murilo Hauser
Texto de Will Eno
Sesc Consolação, SP, até 28/jul/13