terça-feira, 6 de maio de 2014

Trágica 3

Mais uma visita ao Centro Cultural Banco do Brasil, dessa vez para assistir ´Trágica 3´:



´Trágica 3´  é obviamente composto de três partes, cada uma a cargo de uma atriz: Letícia Sabatella como ´Antígona´, Miwa Yanagizawa como ´Electra´  e Denise Del Vecchio como ´Medéia´.  Além disso, há o complemento de Fernando Alves Pinto e Marcello H. 

Os textos são sempre em primeira  pessoa, como se cada uma das personagens da tragédias gregas contasse a sua própria história. Mesmo quando entram as falas do, digamos, ´elenco masculino de apoio´,  as falas são voltadas diretamente para o público, sem diálogos entre os personagens.
O cenário é simples: quando as cortinas são abertas, vemos a Letícia Sabatella à direita do palco, sentada em frente a um teclado eletrônico, que ela já está tocando. No centro do palco,  um tapete preto, ao fundo, está o Fernando Alves Pinto tocando um instrumento que de início eu não consegui identificar, mas depois vi que era um serrote, tocado com uma vara de violino. Do lado esquerdo, o Marcello H., em frente à uma mesa de mixagem. Durante toda a apresentação o Marcelo vai cuidando dos efeitos sonoros, e em alguns momentos, da própria trilha sonora, já que nem tudo é apresentado ao vivo.

Como eu disse, quando as cortinas se abriram quem estava em cena era a Letícia Sabatella, a ´Antígona´. Ela vai tocando e fazendo um vocalise, com o acompanhamento do Fernando Alves Pinto ao serrote, depois passa a cantar um lamento. A luz é sempre bem marcada, o palco na penumbra, um canhão forte em quem está em cena, e ao fundo, em contra-luz, um retângulo destacado sobre um fundo branco. E Antígona começa a sua história...   Eu acho que aproveita melhor quem já conhece o mito, o que não era bem o meu caso, que só tinha uma vaga idéia da história. Resumindo, os irmãos de Antígona, príncipes de Tebas, com a morte do pai devem dividir a coroa. Mas o irmão que está reinando, seguindo os conselhos de seu tio Creonte, se recusa a dar lugar ao irmão. Este então busca ajuda com estrangeiros, e volta à Tebas com um exército para tomar o que julgas ser seu por direito. Nessa guerra, os dois irmãos morrem.  Antígona já aí está jogando toda a sua raiva contra Creonte, por culpá-lo pela intriga entre os irmãos. Mas como tragédia grega é tragédia pra valer, ainda tem mais. Com a morte dos dois irmãos quem assume o trono é Creonte, que então dá um enterro digno ao seu sobrinho que ocupava o trono, e como considera o outro um traidor, proíbe que ele seja enterrado, deixando seu corpo ao tempo e às feras.  Antígona não se conforma com isso, e propicia um enterro ao irmão, para que sua alma possa ter paz. Então Creonte determina que Antígona seja enterrada viva em uma caverna que será lacrada, e ali ela deve definhar até morrer, e Antígona aceita que esse deverá ser seu destino, por sua honra. Acabou a tragédia? Ainda não... aí entra o filho de Creonte, que é noivo de Antígona. Ele faz um belo discurso a seu pai, falando da honra dos guerreiros, de respeito aos mortos, de como um rei deve inspirar seu povo, e não fazê-lo obedecer por medo... e no fim, acaba morrendo também, pois não quer viver sem Antígona.  Ou seja, eu tive que prestar atenção nessa história toda, por não conhecer direito o mito, caso contrário, poderia ter me concentrado mais nas interpretações.

De qualquer maneira, foi a parte da trilogia que menos gostei. Não pela interpretação da Letícia Sabatella, muito menos pelo Fernando Alves Pinto, que esteve ótimo. Foi pela direção mesmo, pelas escolhas cênicas. As pausas para a música, as marcações com o tambor ao fundo, os gritos....  caiu numa encenação que me deu a impressão de que iria por um caminho de ´teatro de vanguarda dos anos 70´. Não curti, e cheguei a ficar preocupado com o resto da encenação. Se fosse pelo mesmo caminho, teria sido trágico!

Mas apesar da estrutura básica da encenação se manter ( palco na penumbra / luz marcada sobre as atrizes / intervenções sonoras ), o ´episódio´  seguinte foi mais marcante. Dessa vez se tratava de Miwa Yanagizawa / Electra. Novamente, eu não sabia muito do mito grego, quase nada além de ter batizado o ´Complexo de Electra´.  Não vou repetir a história aqui, porque o que me hipnotizou foi mesmo a atuação da Miwa. Após entrar em cena, ela se agacha e estende os braços horizontalmente ao lado do corpo, e os mantém suspensos no ar, a noventa graus em relação ao corpo, o tempo todo em que fica no palco! É ao mesmo tempo aflitivo, hipnótico, a gente ver aquela mulher que vai expressando a raiva, a delicadeza, o desamparo por ter perdido o pai ( Agamenon, que foi morto pela mãe, Clitemnestra ), a vingança, tudo ao mesmo tempo em que mantém o domínio absoluto dos braços suspensos, sem movimento. Obviamente, sua presença no palco é mais curta do que da Letícia Sabatella, mas achei muito mais intensa, as palavras não foram diluídas, não houve uma intromissão de gritos ou músicas que tirassem a atenção do texto. Houve sim intervenções sonoras, efeitos de eco, mas isso com o intuito de reforçar a mensagem. No caso da encenação da Antígona, isso me pareceu mais ruído do que reforço à mensagem.

No final, entra em cena a Denise Del Vecchio, que traz a Medéia ao palco. Esse era o mito que eu mais conhecia, da mulher traída que por vingança ao ex-marido, mata seus dois filhos. A Denise Del Vecchio faz uma Medéia absolutamente distinta, digna. Mesmo quando vocifera a Jasão que ela foi sua puta, ela o faz com altivez. E nesse trecho uma novidade é inserida na encenação: o retângulo que está no fundo do palco é transformado em uma tela, e ao mesmo tempo em que ela vai falando de sua relação com Jasão e de seus filhos, um filme em preto-e-branco é projetado mostrando dois meninos brincando em uma praia deserta. E novamente, isso me pareceu bastante pertinente, um reforço à encenação, e não um ruído. A presença forte da Denise em contraste com a fragilidade e a alegria dos meninos na beira da praia, para mim passava a mensagem da fragilidade em que estão assentadas as nossas vidas. A mãe amorosa e dedicada se transforma na mulher fria e vingativa. Os meninos alegres que brincam na beira do mar terminam como pés jogados na areia. Medéia só pode mesmo ser representada por uma atriz madura, duvido que alguém com vinte, trinta anos conseguisse tanto impacto. 

No final, o saldo foi positivo. É logicamente uma peça difícil, não há um único momento de ´descanso´,   de risada - mas o que se poderia esperar com algo com esse título? Mas ao contrário da última peça que vi no CCBB, ´Tríptico Samuel Beckett´,´Tragédia 3´ é absolutamente inteligível, palatável. Ao menos para alguém como eu.

Acabei não comentando sobre os figurinos. O Fernando Alves Pinto utilizava calça e camisa, bem discretos. O Marcello H., como nem saiu detrás da mesa de som, não reparei como estava vestido. Só lembro que todos estavam descalços, então provavelmente ele também estava. Mas as três atrizes estavam com vestidos modernos, retos, sem babados ou fricotes, todos muito elegantes, especialmente o da Denise Del Vecchio, todo preto. Após a peça é que vi que os figurinos são da Glória Coelho.




Trágica 3
Com Denise Del Vecchio, Letícia Sabatella, Miwa Yanagizawa, Fernando Alves Pinto e Marcello H.
Textos de Heiner Muller, Caio de Andrade e Francisco Carlos
Direção de Guilherme Leme

CCBB SP, até 07/jul/14



Um comentário:

  1. Vem assistir de novo no Rio Marcel,
    te convido,
    pra redimirmos Antígona pra você!
    Abraço

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