Não havia programas, essa é obviamente uma imagem da internet |
O Tucarena fica exatamente debaixo do Teatro Tuca, mas com acesso pela rua lateral, a R. Bartira. A entrada fica meio escondida, a referência mesmo é o Tuca. O saguão do teatro é um grande retângulo com piso de granilite, teto feito com a laje nervurada aparente, com dois níveis, ao fundo uma pequena lanchonete. Concreto aparente, tijolos aparentes, bancos retos, granilite... linguagem típica da arquitetura moderna paulista, e essa linguagem bruta tem suas razões de ser também em função do incêndio criminoso que o Tuca sofreu.
Lá dentro a linguagem seca, sem ornamentos, continua na arquitetura do lugar, com o teto e pilares em concreto aparente. O palco é circular, com degraus de concreto formando uma arquibancada em toda a volta. Nos degraus há cadeiras simples, de espaldar baixo em plástico ( daquelas que dão apoio somente à região lombar ), mas com almofadinhas no assento - e esse detalhe faz toda a diferença. O desnível entre as fileiras é ótimo, e também é bom o espaço entre as linhas de poltronas. Ou seja, de modo geral, o espaço para o espectador é bem confortável.
Obviamente, não há cortinas. Quando as portas foram abertas, a Isabela ( Cynthia Falabella, irmã da Débora Falabella ) e o Thomas ( Bruno Guida ) já estavam no palco. O espaço era delimitado por um tablado circular, com uns seis metros de diâmetro, recoberto por uma forração cinza. Em cima, três mesas com tampos e pés em vidro, sendo os tampos também arredondados, formando um círculo central, e três cadeiras. Em dois lados opostos, mais duas mesas iguais, que fazem o papel de aparadores de salgadinhos e bebidas.
De início, a Isabela fica sentada, e o Thomas corre em volta do palco, fora do tablado. Corre mesmo, de modo a acelerar a respiração e ficar ofegante, e daí começa o diálogo entre os dois, com o Thomas sempre na defensiva. Logo chega mais um personagem, Tom ( Eduardo Muniz ), e a situação fica clara: são três funcionários que estão esperando o chefe para uma reunião. Mas ao contrário do que o Thomas esperava, essa não é uma reunião qualquer, é quando será decidido qual deles será demitido pelo chefe, que está para chegar - algo como o reality-show ´O Aprendiz´. Os homens estão de ternos escuros, comportados, a ´Isabela´ de tailleur, tudo dentro do ´dress-code´ corporativo.
A situação, obviamente tensa, é complicada ainda mais pelo bullying que Thomas sofre desde o início: dizem que seu terno não é adequado, que ele vem de uma família humilde, não passam informações a ele, que portanto não se preparou para a reunião... e tem a personalidade ´fraca´ em relação aos outros, é inseguro, não é esnobe... Ou visto de outra maneira, é o único ser humano decente, o único que não pisa em cima dos outros, o único que procura fazer o seu trabalho sem que para isso precise passar por cima dos outros.
Vários ´jogos´ vão sendo feitos pelo Tom e pela Isabela com o intuito de rebaixar o Thomas, chegando mesmo a fazer com que ele toque com o rosto no peito do Tom, que levanta a camisa. A crueldade dos dois candidatos em relação ao Thomas é total, ele está sempre errado, qualquer que seja a sua resposta. E a tensão vai aumentando com o momento da chegada do chefe, cujo personagem esqueci o nome, e que é representado pelo Flávio Tolezani. O Chefe, apesar de ter um discurso que em alguns momentos é mais ´humano´, tem um comportamento que não condiz com suas palavras, sendo mais um do mesmo ´time´ do Tom e da Isabela - egoísta, mordaz, destrutivo.
Não há redenção no final, não há mudanças de comportamento, os momentos de compaixão são somente ironia ou auto-indulgência. O clima da peça é de tensão constante, e as atitudes dos personagens são apresentadas até de modo ´neutro´, sem julgamentos morais. A trama toda se desenvolve sem que os personagens tenham algum tipo de conversão ou mudança em suas atitudes, todos são o que são, do começo ao fim. Sem dúvida, isso faz com que as atuações sejam bastante uniformes. Não há maiores destaques no grupo, que me pareceu ser bastante coeso. Mesmo assim, o Bruno Guida ( Thomas ), por sua fragilidade, e o Eduardo Muniz ( Tom ) com sua ironia, são quem tem mais condições de mostrar melhor desempenho.
Achei curioso que em alguns sites, como no próprio Tuca, o espetáculo seja descrito como ´comédia dramática´. Comédia, só se você for um sádico e se divertir em ver alguém sofrendo agressões psicológicas o tempo todo. É sim um drama, um bom drama, que trata de uma questão cada vez mais presente em uma economia competitiva, o ´bullying corporativo´, e de personalidades sem o menor escrúpulo que agem dessa maneira com a desculpa de que ´o mundo é assim´.
Bull
Com Bruno Guida, Cynthia Falabella, Eduardo Muniz e Flávio Tolezani
Texto de Mike Bartlett
Direção de Eduardo Muniz e Flávio Tolezani
Tucarena, SP, até 01/jun/14