Nova visita ao Sesc Pinheiros, agora para assistir a um espetáculo muito diferente:
Antes de mais nada, Viva o Sesc! Ter uma grande companhia de teatro vinda do outro lado do mundo, mesmo que não seja completa, é um privilégio que só o Sesc propicia. Soube que em Brasília os ingressos para essas mesmas apresentações, no Teatro Nacional, saíam por R$ 300,00. Por esse preço, eu simplesmente não teria assistido...
Na verdade, não era ´só´ uma apresentação teatral, mas havia também uma exposição de figurinos, venda de souvenirs ( lenços de seda, livros sobre a Ópera de Pequim )... E antes do início da apresentação propriamente dita, veio uma produtora explicar um pouco do que iríamos assistir.
Com isso ficamos sabendo que não há uma ´Ópera de Pequim´, mas sim várias companhias que utilizam essa denominação. Desde pequenas, que se apresentam em cafés de bairros, até grandes companhias teatrais. Dos dois lados do palco haviam painéis eletrônicos com legenda, e ela alertou que isso é comum mesmo na China, pois em muitas companhias mais tradicionalistas ( como a que iríamos assistir ) se utiliza a linguagem original de quando a peça foi escrita ( às vezes, mais de mil anos atrás ), e isso faz com que as palavras sejam de difícil compreensão para os falantes modernos da língua. Disse também que há peças que duram 8, 10 horas, e que os atores ficam se apresentando em cafés, onde o público entra, assiste um pouco, sai, volta... e a história lá, contínua. Explicou um pouco da pequena orquestra que acompanha a apresentação, nesse caso, apenas 4 pessoas, com um instrumento de cordas que dava aqueles acordes típicos orientais, mas que não fui capaz de guardar o nome. Os cenários são sempre muito simples, normalmente uma cadeira e uma mesa, nada mais. E finalmente ela chamou um casal de atores para que ilustrar os figurinos, sempre muito ricos, e os gestos, também bastante codificados após centenas de anos - praticamente uma mímica. Eles interpretaram alguns pequenos gestos - cavalgar, abrir uma janela - para demonstrar como tudo é muito preciso, e em seguida teve início o primeiro trecho, dos três que seriam apresentados naquela noite.
´Encruzilhada´, que era essa primeira apresentação, era a história de um general que ao ser acusado injustamente de um crime tem que fugir para longe, mas é ajudado por um ministro piedoso, que vai atrás dele de modo oculto, como um guarda-costas. Porém, ao se hospedar em um pequeno albergue, o dono do local imagina que o ministro é um assassino, e então há uma luta no escuro entre os dois. A coreografia das cenas de luta é incrível, de deixar de queixo caído mesmo. Num determinado momento, um ator estava sentado no chão, em posição de lótus, e de repente fez um movimento e pulou para cima da mesa! Quase não acreditei no que tinha acabado de ver! Eu que nunca liguei muito para histórias de artes marciais, Bruce Lee, de repente me deu um estalo sobre a razão porque isso faz tanto sucesso no Oriente. Essa história, se não me engano, tem 1.300 anos!
Daí vem mais uma vez a ´orientadora´ falar sobre o que vamos assistir a seguir. O próximo trecho foi de ´Adeus minha concubina´: um rei está cercado pelos inimigos, sem saída, e sabe que vai ser derrotado e morto. Sua amante, também ciente da situação, tenta distraí-lo cantando uma última canção, e quando termina comete suicídio, para que não veja o seu amado morto. O canto da atriz principal era uma coisa absolutamente disparatada para os meus ouvidos, umas modulações extremamente agudas, uma melodia que eu não conseguia acompanhar... Mas nessa apresentação o que mais causava impacto eram os figurinos, belíssimos. O rei com o rosto todo coberto por uma máscara e uma longa barba, a concubina com um vestido todo trabalhado, com um chapéu gigante, capa... lindíssimo.
A essa altura eu já estava mesmo embasbacado com o que vinha assistindo, mas felizmente, ainda tinha muito mais. Depois do intervalo, veio ´Rio de Outono´, acho que o excerto mais poético da noite. Uma ´noviça´, uma jovem que iria entrar num ´convento´ ( não sei se essas palavras se encaixam na cultura chinesa ), desiste de sua vida religiosa ao se apaixonar por um rapaz, e sai atrás dele. Para cruzar um rio ela contrata um velho barqueiro, que ao conversar com a moça vai se divertindo com jogos de palavras e atrasa a viagem de propósito. Era só um fundo azul e dois atores em cena, mas o texto, as entonações, preenchiam todo o palco.
E pra terminar, pra fechar com chave de ouro a apresentação, ´Presenteando uma Pérola na Ponte do Arco-íris´. É uma história de amor: um humano e uma deusa se apaixonam, mas esse relacionamento não é possível. Então a deusa dá uma pérola mágica ao noivo, ou namorado, não lembro bem, e depois retorna aos céus. Mas o que me deixou mesmo de queixo caído foi o trecho em que os deuses enviam soldados para prender a tal deusa que se apaixonou pelo humano. Se não me engano ficam oito atores, dispostos em círculo em torno da ´deusa´, e eles vão atacando a personagem com lanças. Mas as varas não são jogadas ´de bico´, mas sim lançadas como bastões, na horizontal. E aí a atriz vai girando e devolvendo duas a duas, ao mesmo tempo... imagine que tem alguém na sua frente, e outra pessoa atrás: os dois jogam as lanças por sobre você. A lança de quem está na frente é jogada nas suas costas, e você a encaminha de calcanhar para quem está atrás de você. A lança de quem está atrás de você também é jogada pela sua cabeça, e você bate nela com o braço à sua frente, de tal maneira que ela termine nas mãos de quem estava à sua frente. Agora imagine fazer isso ao mesmo tempo, e girando, pois há oito pessoas em torno de você. Faça isso continuamente por 2 ou 3 minutos, sem parar... absolutamente incrível.
Resumindo, nessa apresentação teve delicadeza, poesia, demonstrações de força, de destreza, de malabarismo, uma música e um canto absolutamente diferentes, figurinos deslumbrantes... coisa pra não esquecer pro resto da vida.
Mais uma vez, obrigado Sesc!
Ópera de Pequim
Sesc Pinheiros, até 20/out/13