sábado, 23 de fevereiro de 2013

Pirou?

Sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013, noite de ´Pirou´ no Teatro Bibi Ferreira:



Apesar de ser sexta-feira, o trânsito colaborou e deu para chegar ao teatro bem antes do início da peça. O Bibi Ferreira fica na área mais tradicional de teatros de São Paulo, a nossa ´Broadway´, mas como toda a região, está um tanto decadente....  O teatro é simples, sem luxo, e isso não é problema nenhum - o problema é a falta de estrutura, de manutenção. Como exemplo da falta de infraestrutura, a bilheteira não conta com microfone para o operador e fone para o cliente, e como é voltada diretamente para a calçada, o cliente não ouve direito o que é dito, e o bilheteiro tem que gritar... A bilheteria é um guichê dentro do hall, mas com a parte de cima aberta, então quem estava lá dentro aguardando o espetáculo ouvia os gritos do coitado do bilheteiro... Mas isso nem é o pior. Quando se chega na sala de espetáculos, no corredor em frente ao palco há um tablado improvisado, com madeiras sob um carpete, mas que cedem ao serem pisadas - é bom prestar atenção para não torcer o pé e cair. Ao se sentar nas poltronas, vem um leve cheirinho de mofo...  enfim, o teatro precisa de uma boa reforma.

Mas isso tudo não chegou a impedir de que tivesse uma noite agradável. Um pouco antes do início do espetáculo, os atores foram até o hall interagir com o público e nos convidar para entrar. Pelo perfil dos atores jovens, com uma ´global´  entre eles, dava para imaginar que seria alguma comédia leve, como realmente é a peça. Mas se não é daquelas que faz a gente se esborrachar de rir, ainda assim vale a visita.

Enquanto a plateia se acomoda nos assentos, os atores continuam interagindo conosco, inclusive fazendo piadas com os vídeos dos patrocinadores que aparecem antes da peça, o que foi ótimo, porque nos poupou de ouvir uma música da Xuxa...  E com isso foi se criando uma atmosfera de liberdade com a plateia, que a moça atrás de mim levou às últimas consequências, já que se sentia tão ´em casa´ que não parava de falar.  Mas essa interação acabou rendendo uns ´cacos´ durante o espetáculo, pois quando estavam agradecendo os apoios, o pessoal do restaurante ´Le Vin´ se manifestou. Daí pra frente, como duas das cenas se passam em bar ou restaurante, estava dada a condição de aproveitar essa situação no texto, o que eles efetivamente fizeram.

O que a gente vê em cena são cinco esquetes com personagens à beira de um ataque de loucura, ou às vezes, em pleno ataque. As situações são criadas a partir de transtornos psicológicos, como síndrome do pânico, hipocondria, mania de perseguição, transtorno obsessivo-compulsivo e ciúmes patológicos. Há sempre o revezamento entre os atores, a cada esquete um deles fica em um microfone ao lado do palco, introduzindo o tema ou interagindo com o que está sendo encenado, com pequenos comentários. Na primeira, quem fica ao microfone é a Tatá Lopes. A primeira esquete é protagonizada pela Milena Toscano e pelo Zé Auro Travassos, que mostra um humor mais físico, mais escrachado, sendo que o personagem dele tem síndrome do pânico. A encenação começa com uma cena onde um casal da plateia é convidado para ir ao palco fazer figuração, e o texto se desenvolve a partir da relação de uma mulher sexualmente atrevida, mas ao mesmo tempo carente, e um rapaz com síndrome do pânico.

Mas é a segunda esquete que a meu ver é a melhor, e em grande parte pela atuação do Zé Auro. Dessa vez, quem faz a introdução na cena ao microfone é a Milena Toscano, e a cena começa com a Tatá Lopes representando uma hipocondríaca em uma farmácia, cujo farmacêutico é o Bruno Barros. O texto é o que se pode esperar dessas situação, mas a cena cresce muito quando entra o Zé Auro em cena, como um corinthiano que é um velho conhecido da personagem hipocondríaca.  Primeiro ele tenta se livrar da mulher, que ele sabe que é extremamente chata, mas depois a conversa entre os dois engrena quando ao perguntar pela família dele, ela fica sabendo que uma prima morreu em decorrência de um aneurisma cerebral. Como toda boa hipocondríaca ela passa a se interessar pelos sintomas que a falecida apresentou, e fica crente de que também está com um aneurisma. O Zé Auro faz com que a cena seja realmente engraçada, com uma interpretação cheia de maneirismos muito bem dosados, engraçado sem cair no deboche. A atuação dele me lembrou uma das esquetes do Marcelo Médici em ´Cada um com seus pobrema´,  e isso vai como um elogio, porque o Marcelo é ótimo. 


A cena seguinte é ambientada num escritório, onde o Bruno Barros é o chefe, a Milena Toscano a secretária e o Zé Auro um paranoico que em tudo vê conspirações, motivos secretos para qualquer acontecimento trivial. Nessa esquete, o destaque vai para a Milena Toscano, especialmente no final, onde ela fica ´chapada´ ao experimentar um coquetel de remédios. Ia esquecendo de dizer, mas entre cada uma das cenas, os atores vão fazendo piadas uns com os outros falando sobre fatos da convivência entre eles ou da vida de cada um. Pelo jeito a  Milena Toscano, que é a atriz ´global´ em cena, foi clicada rolando na areia de alguma praia. Não ´peguei´ direito a piada, mas pelo que eles falaram foi algo que apareceu num desses sites sobre ´celebridades´.

Para a quarta cena, novamente a plateia é chamada para colaborar no palco, dessa vez precisavam de dois casais. A história se passa em um restaurante, onde uma mulher com TPM ( Tatá Lopes ) vai almoçar com a Milena Toscano, uma cantora de ópera que tem transtorno obsessivo-compulsivo ( TOC ). As neuras das duas mulheres fazem com que elas interajam com os outros casais que estão no restaurante ( que são os casais da plateia ) e testem a paciência do garçom, interpretado pelo Bruno Barros.  Aliás, é o Bruno o ator mais apagado da peça, o menos relevante. A atuação dele não chama a atenção em nenhum momento, parece um cara tímido que não consegue fazer com que a voz saia com potência, mesmo nos momentos em que ele está somente falando ao microfone, sendo o ´mestre de cerimônias´  das cenas feitas pelos colegas. Jà a Milena e a Tatá vão muito bem, e como  havia sido dito, por haver os proprietários do restaurante ´Le Vin´ na plateia os atores encaixaram diversos ´cacos´  citando o nome do restaurante.

Na última cena, que trata do tema ´ciúmes´, é a única em que os quatro estão interpretando ao mesmo tempo. A Milena é uma mulher que separou há 7 anos do ex-marido, e se diz uma mulher segura, bem-resolvida, mas que na sessão com o psicólogo ( interpretado pelo Bruno Barros ), ao ser convidada a fazer um psicodrama cria uma cena na cabeça dela onde revela ser uma mulher extremamente ciumenta, e que mesmo depois de tanto tempo não conseguiu superar a perda do ex-marido, um bicheiro.  E aí o Zé Auro entra em cena como ex-marido e a Tatá Lopes como a atual companheira dele, a rainha da bateria da escola de samba que ele patrocina.

Mais uma vez, o Bruno Barros fica apagado em cena, e o trio restante é que diverte a plateia. A transformação da Milena, da mulher segura em uma mulher louca de ciúmes mostra que ela não funciona apenas como o rosto bonito da Globo para chamar o público, mas que desempenha muito bem o seu papel. A Tatá Lopes como rainha de bateria, gostosa e ignorante, também arranca boas risadas, e o Zé Auro também termina a participação dele como o destaque do espetáculo.

Ao final da peça, de novo há uma conversa dos atores com o público, e a plateia é incentivada a exorcizar os seus problemas gritando um palavrão. Isso me lembrou o Antônio Fagundes em ´Morte acidental de um anarquista´, do Dario Fo, que vi em 1987, mais ou menos. Naquela peça, em um determinado momento há  a frase ´o governo é sempre filho da puta!´, e daí o Fagundes parava a encenação para que a plateia pudesse gritar a frase a plenos pulmões. Claro que as situações são muito diferentes, mas foi algo que me veio à cabeça, da época em que eu começava a assistir teatro adulto.

Depois, quando saímos, os atores estavam no hall nos esperando, e mais uma vez se mostrando bastante simpáticos com todos. Fiz questão de cumprimentar o Zé Auro, para mim o destaque da noite. Ia esquecendo de dizer, mas o cenário é bem simples, ao fundo ficam 4 espelhos intercalados por cortinas, que criam pequenos camarins onde os atores colocam ou retiram os adereços que compõem cada personagem. E na frente ficam mesas, cadeiras e estantes de alumínio, que vão servindo para o bar, a farmácia, o escritório e o restaurante. Tive um momento de satisfação também ao ouvir na trilha sonora ´Minnie the moocher´, com o Cab Caloway, que é uma música que eu não ouvia havia tempo.

Eu já registrei aqui que esse tipo de comédia, feito a partir de piadas que vão se sucedendo em relação a um mesmo tema ( no caso, manias e outros transtornos psicológicos ) não é o meu preferido. Mas a peça chega ao objetivo a que se propõe, de ser um entretenimento ligeiro, que faz a gente passar um período agradável. O ´pós-teatro´ foi em um restaurante japonês, que combinava com um espetáculo leve.

Pra terminar: segundo o que está no programa, o Zé Auro originalmente não era ator da peça, mas sim assistente de direção, que entrou no lugar de outro ator que teve que assumir outros compromissos. Obviamente não vi  encenação com outro ator, mas sem dúvida o Zé Auro tomou o lugar definitivamente.




Pirou?
Com Milena Toscano, Tatá Lopes, Bruno Barros e Zé Auro Travassos
Direção de Michel Bercovitch
Escrita por Regiana Antonini
Teatro Bibi Ferreira, até 10/mar/13

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

O abajur lilás, ou uma Medéia perdida na Augusta?

Nem sempre as coisas são como a gente gostaria...



Dessa vez fomos ao teatro do Sesc Belenzinho, na sala ´alternativa´ do 3° andar. Eu gosto muito de ir ao Sesc, tanto pela programação quanto pelas facilidades que tem ( estacionamento, lanchonete ) sempre com preços bastante em conta. Muito diferente de ir a alguns lugares onde o bolso da gente é esfolado sem dó...
 
´O abajur lilás, ou uma Medéia perdida na Augusta?´  me chamou a atenção por ser - pelo menos em parte - baseada numa obra do Plínio Marcos. No final da adolescência, quando comecei a ir a teatro adulto, era comum encontrá-lo vendendo os seus livros na porta dos teatros. E eu nunca comprei...  Nem nunca vi uma peça dele. Tenho curiosidade de assistir ´Navalha na Carne´, por exemplo, e da próxima vez que for montada, com certeza não vou deixar de ver.  Mas esse texto que foi apresentado ontem não é ´só´  o texto do Plínio Marcos, essa representação também é entremeada pela tragédia grega da Medéia, aquela que mata seus próprios filhos para fazer uma desfeita ao ex-marido...  Ou seja, tragédia pra ninguém botar defeito.

Logo de início, o que a gente vê é um consultório de um psicólogo ( representado de forma bastante sutil, só por uma cama que naquele momento é um divã ), em que Medéia / Giro ( papel de Joaquim Goulart ), fala de suas angústias. Depois, aparecem as prostitutas ( Célia que também é Creonte, representada por Cácia Goulart, e Dilma / Ama, feitas por Bia Toledo ), e a trama vai  se desenrolando dentro do pequeno bordel onde elas vivem. Aliás, o espaço onde a peça é apresentada tem dois grupos de assentos em pequenas arquibancadas, ao lado do ´palco´,  e o cenário se resume a duas camas com rodízios, para que sejam deslocadas conforme o andamento da história, um lustre no centro e uma marcação no chão, que define a ´rua´. O ´cenário´  muda conforme a luz, ou seja, uma cama é o ´consultório´  e ela fica enquadrada por um holofote quando a cena se desenvolve nela. Outra é o ´mocó´ do cafetão, e a mesma coisa, é iluminada quando a cena se desenrola ali...  e entre os dois espaços há a ´rua´, que é marcada por uma lona branca que transpassa todo o espaço, e que tem as linhas de marcação de piso feitas pela luz em certos momentos. Ainda antes da peça começar, quando entrei e vi a configuração geral do espaço, logo veio à mente o ´Afeganistão´, da peça ´No coração do mundo´ ( http://teatrodiariodebordo.blogspot.com.br/2013/01/no-coracao-do-mundo.html ). Mas infelizmente, o paralelo entre as duas peças só se deu na impressão inicial.

A maior parte do tempo, o que a gente vê em cena é o texto do ´Abajur Lilás´,  que trata da relação entre prostitutas e um cafetão, que é um homossexual que na sua juventude também fazia programas.  Existem momentos em que a linguagem é tão específica desse meio, com tantas gírias, que quase que a gente precisa de legenda... os impropérios que um personagem diz a outro são tantos, e numa sequência tão grande, que dá pra fazer um catálogo de xingamentos para qualquer ocasião.  Pelo que sei as peças do Plínio Marcos são todas assim, e sem dúvida em ´O abajur lilás, ou uma Medéia...´, são nesses momentos que acontecem as cenas mais interessantes do espetáculo. Foram essas ´tiradas´  entre os personagens, o uso da ironia, da agressão verbal, que compuseram as cenas de que eu mais gostei.  Então a gente vai acompanhando um pouco da história do Giro, a sua decadência, a preocupação da Dilma com o filho ( que nunca aparece em cena ), a falta de objetivos da Célia.  Sempre através das agressões de parte a parte entre os personagens.
 
De vez em quando, há um corte e a cena volta para o consultório, onde Giro é atendido pelo Dr. Osvaldo ( Edmilson Cordeiro ).  Aí a linguagem, claro, se modifica totalmente. E apesar de ser uma linguagem rebuscada, antiga, é mais fácil de ser compreendida do que o que as prostituas falam. Bom, pelo menos para mim foi...  E quando a peça começa a se encaminhar para o final, entra em cena outra prostituta ( Leninha, interpretada por Inês Aranha ), que passa a dividir o ´mocó´  do Baixo Augusta com as outras duas.
 
Há então um conflito, que se resolve na cena final, com um assassinato. Essa cena é um tanto grotesca, com muito sangue, um exagero. Como eu disse logo que comecei a escrever o blog, a intenção é fazer comentários sobre as peças, ninguém aqui é crítico de teatro. Então, me dou ao direito de não ter gostado especialmente daquela cena, e pronto. Tem horas que a gente simplesmente não gosta, por uma questão estética mesmo.

Então, resumindo, não gostei do resultado final...   todos os atores fazem dois personagens, a linguagem muda, mas eu achei que na verdade a gente não assistiu nem bem uma peça, nem outra. Não entendi a intenção do diretor com essa montagem, se é para mostrar do que as pessoas são capazes de fazer para satisfazer seus próprios desejos, acho que tanto um texto quanto outro isoladamente dariam conta disso muito bem.  Traçar paralelos entre as duas histórias? Tem hora que é confuso, e na verdade, a história que é contada é do ´Abajur Lilás´, a Medéia entra como referência, citações. Pensando bem, talvez tenha sido essa a intenção do diretor ( que é o ator que interpreta o Giro / Medéia, Joaquim Goulart ), mostrar o mito e a ´aplicação´ do mito... Ele que me desculpe, mas acho que não conseguiu resolver isso bem. Achei que ficou um ´Abajur Lilás´  mais arrastado do que poderia, mais comprido, e também mais confuso, com o ´timing´ do texto prejudicado pelas intervenções do texto da Medéia. Como linguagem, também não achei grande coisa, nada que surpreendesse. E também não é questão de interpretação, apesar de alguns engasgos de quase todos os atores, não dá pra dizer que não atuaram bem. Principalmente a Bia Toledo, que se destaca dos demais.
 


 
 

O abajur lilás, ou uma Medéia perdida na Augusta?
Com Joaquim Goulart, Bia Toledo, Cácia Goulart, Inês Aranha e Edmilson Cordeiro
Direção de Joaquim Goulart
Adaptação de Vadim Nikitin, a partir da obra de Plínio Marcos e do Mito de Medéia
Teatro do Sesc Belenzinho, até 17/fev/13